quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A TEORIA É UM MITO IV - A CAUSA FINAL DA GRAVITAÇÃO , por Artur Felisberto.

PRIMEIRA PARTE.
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Figura 1: O Sistema Planetário visto em escala de tamanhos.
Da física de Aristóteles apenas podemos aprender o óbvio: que a gravidade impele os corpos a procurar o seu «lugar natural».
Em resumo, de acordo com Aristóteles, todos os movimentos eram devidos ou à natureza do objeto movente (movimento natural) ou a algum empurrão ou puxão constante (movimento violento). Se um objeto se encontra em seu lugar natural, ele não se move a não ser forçado pela ação de algum agente externo. Desta forma, o estado natural de um corpo é o de repouso, exceto para os corpos celestes. -- Uma pequena história do movimento, Valdir Aguilera
De facto, em princípio e sem muito mais delongas especulativos relativas a paradoxos físico-matemáticos, podemos retomar o senso comum do realismo aristotélico e afirmar que a gravidade universal resulta da tendência que os corpos têm para ocuparem o seu «estado natural», que é o de equilíbrio dinâmico. No entanto, dizer que os corpos procuram no equilíbrio o seu lugar natural é pouco mais do que dizer o óbvio e é de esperar de um cientista um pouco mais que seria o que entendia Galileu quando afirmava:
Dado que las cosas que se mueven naturalmente se mueven hacia sus lugares naturales y dado que las cosas que se mueven son o pesadas o livianas, debemos considerar cuáles son los lugares de las pesadas, cuáles los de las livianas y por qué (EN, 1, p. 252).
Do mesmo modo Galileu manteve durante muito tempo que o movimento natural era o circular até porque o movimento rectilíneo só existe na queda dos corpos; é acelerado e tem sempre um fim quando se completa a queda.
Además, el movimiento circular es el único que puede ser uniforme; porque en el movimiento rectilíneo las cosas no se desplazan de manera uniforme desde el punto de partida con respecto al punto final, ya que cuanto más se apartan del estado de reposo tanto más velozmente se desplazan.
* Para Ross (pág. 719), es enteramente inverosímil suponer que Aristóteles conocía el fenómeno de la aceleración en la caída de los cuerpos. Hay que pensar más bien en su conocida tesis de que el movimiento natural de los cuerpos se acelera conforme éstos se acercan a su lugar «natural». – FÍSICA de ARISTÓTELES. Traducción Y Notas: Guillermo R. De Echandía.
O que é inverosímil é um filósofo moderno, como Sir William David Ross, roçar o ridículo ao supor que Aristóteles saberia menos física do que este sabia de ética porque parece pouco ético recusar a Aristóteles a primazia da gravidade que os ingleses julgam inglesa por ser de Newton.
De que outro tipo de movimento poderia estar Aristóteles a falar senão fosse da gravidade? Que outro movimento além deste pode ser natural, rectilíneo e acelerado? Além do mais Sir William David Ross parece ignorar que a conhecida tese de que “o movimento natural dos corpos se acelera conforme estes se aproximam do seu lugar natural” só aparece aqui e reporta-se precisamente à lei da gravidade de Aristotélica como tendência de movimento para os “lugares naturais” tanto mais que se sabe que nesta tese “o movimento violento, que afasta os objectos de sua posição natural, tende a “perder força”, enquanto o movimento natural tende a ganhar força”.
Obviamente que a frase de Aristóteles tem que estar truncada por séculos de más cópias! Originalmente deve ter tido uma redacção mais ou menos assim: (os corpos) quanto mais são afastados do estado de repouso (forçadamente) tanto mais velozmente se deslocam depois (por gravidade).
Na verdade, factualmente falando, um movimento natural de afastamento ou de aproximação que hoje seria cinético ou potencial vai dar ao mesmo porque o importante é verificar que Aristóteles entendia a gravidade como «movimento natural» ou seja, pensava a gravidade como sendo movimento uniforme acelerado e, por isso, a única diferença em relação aos físicos modernos é não ter quantificado este tipo de movimento até porque era biólogo e fisiologista e não físico e para as necessidades culturais escolares do tempo não era pertinente saber mais do que isso. Se a física não evoluiu mais foi porque não houve físicos com o desassombro e saber astronómico suficiente para, como em tempos arcaicos de Prometeu, roubarem aos deuses o fogo dos movimentos circulares dos céus.
Se um objeto se encontra em seu lugar natural, ele não se move a não ser forçado pela ação de algum agente externo. Desta forma, o estado natural de um corpo é o de repouso, exceto para os corpos celestes. -- Uma pequena história do movimento, Valdir Aguilera.
E de facto assim é pois nem os irrequietos com bichos-carpinteiros no rabo (actualmente apelidados de hiperactivos) aguentam muito tempo sem adormecer ou repousar; todos os viventes acabam no repouso eterno da morte e mesmo os corpos quentes mais escaldantes acabam por arrefecer e as estrelas mais brilhantes por empalidecer e explodir desfeitas em poeira cósmica. A ilusão da tendência para o movimento eterno da inércia, como componente dos princípios modernos da dinâmica, é possivelmente o maior erro da modernidade que a termodinâmica desencantou mas que a física nunca irá aceitar inteiramente, tal como Aristóteles não deixou de reservar a harmonia das esferas celestes para os deuses olímpicos. As paixões mais profundas de cada cultura e época civilizacional acabam por ficar inscritas de forma indelével e subjacente nas suas crenças supostamente mais imunes à irracionalidade.
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Figura 2: Gravura neogótica de Flamarion em estilo renascentista alemão (plagiada a partir da Cosmographia universalis de Sebastian Münster?) reproduzindo a visão medieval[1] da cosmologia aristotélica.[2]
No entanto, de certo modo podemos aceitar que Aristóteles nunca esteve inteiramente afastado da razoabilidade do que se pode entender por movimento em sentido comum porque de facto se há qualquer coisa em que experiência sensível é constante e universal é a respeito do movimento!
c) cuando por naturaleza está hecha para ser movida y puede serlo, pero no está en movimiento cuando, donde y como tendría que estarlo naturalmente; sólo a esta última clase de inmovilidad llamo «estar en reposo» (êremeîn), pues el «reposo» (êremía) es lo contrario del movimiento, y es por tanto la privación de movimiento en aquello que puede recibir movimiento. – FÍSICA de ARISTÓTELES. Traducción Y Notas: Guillermo R. De Echandía.
Ao dizer que só à imobilidade do imóvel corresponde o verdadeiro repouso, de forma indelével Aristóteles proclama o princípio da inércia em termos que dificilmente poderiam ser inteiramente rejeitados por Newton, ou melhor, em termos gramaticalmente muito mais correctos do que os deste ultimo grande físico porque é difícil aceitar que a situação do que está inerte seja comum com a do que esta em movimento ainda que seja de reprovar a Aristóteles o não ter visto que “o «repouso» (êremía) é o contrário do movimento” apenas de forma relativa porque, afinal, “a privação de movimento num corpo que pode receber movimento é sempre movimento potencial de um móvel em repouso. A Aristóteles faltou assim a clareza de realçar que depois dos movimentos circularesna preparação para o lançamento em máxima velocidade de projécteis, dos discóbolos por exemplo, o movimento natural resultante nos lançamentos só não e sempre uniformemente rectilíneo por impedimento da gravidade. O que é que impedia os filósofos gregos de ver, pressentir e teorizar o impulso físico ou alão anímico que os seus atletas preferidos usavam para lançar projécteis muito mais peados do que o ar como o disco, martelo e pesos? De onde resultava a cegueira dos antigos que quotidianamente evidenciavam estas realidades? Da cegueira histérica induzida por preconceitos sociais muito profundos!
De facto, em princípio e sem muito mais delongas especulativos relativas a paradoxos físico-matemáticos, podemos retomar o senso comum do realismo aristotélico e afirmar que a gravidade universal resulta da tendência que os corpos têm para ocuparem o seu “estado natural”, que hoje sabemos ser o de equilíbrio dinâmico mas que para Aristóteles não era assim tão claro o que seria realmente. De facto, o grande inconveniente da física de Aristóteles é o de não passar de um conjunto de generalidades e lugares comuns a respeito da natureza e de fantasias cósmicas a respeito dos céus onde as certezas pontuais a respeito das evidências mais difíceis de entender para o senso comum redundam em absurdos disparates como o geocentrismo e a explicação aberrante da momentânea ausência de contacto com a força motora no caso do movimento dos projécteis.
Na verdade, o “calcanhar de Aquiles” da Física Clássica e Medieval foi a questão do impulso. As explicações do movimento antiperistásico que Aristóteles atribui a Platão talvez funcionassem mentalmente para o caso das setas por serem acabadas em penas de pato que não pretendiam faze-las voar mas dirigir. Já para o caso do lançamento dos discos, martelos e pesos seria difícil de imaginar a força do ar a sustê-las se bem que o alcance dos lançamentos não fosse relevante ao ponto de por a teoria da impulsão aérea, de mero suporte mental, imediatamente em causa como rematado disparate...como se veio a verificar. Como é que passou pela cabeça de Aristóteles pensar que o ar, que pela sua viscosidade natural era meio de resistência passiva ao movimento, pudesse ser fonte activa de suporte ao movimento por impulso?
Ahora bien, las cosas a las que se transmite este movimiento son cosas que pueden estar a veces en movimiento y a veces en reposo, pero este movimiento no es continuo, aunque parezca serlo; pues es un movimiento de cosas que están en sucesión o en contacto, ya que no hay un único moviente, sino cosas que son contiguas entre sí. Y por eso tal movimiento, que algunos llaman antiperístasis (766), tiene lugar también en el aire y en el agua. Pero es imposible resolver el problema planteado de otra manera que la que hemos dicho. En una antiperístasis, en cambio, las cosas son movidas y mueven al mismo tiempo, por lo que sus movimientos tendrán que cesar al mismo tiempo. Pero en este caso tenemos la apariencia del movimiento continuo de algo singular y, como no se mueve por sí mismo, la pregunta es: ¿qué es lo que lo mueve?
(766) Ya en 215al 5 se mencionó la antiperístasis («mutua sustitución», «sustitución circular») como una de las hipótesis explicativas del motus separatus. La critica se dirige aquí directamente a Platón, quien en Timeo 79b-80c explicó el fenómeno de la propagación del movimiento de una cosa a otra mediante el concepto de antiperístasis (Platón usa, en realidad, períôsis). Aristóteles, sin embargo, usa positivamente este concepto para explicar los movimientos rotatorios de los fluidos y los fenómenos de compresión y rarefacción, pero niega que pueda explicar el movimiento de los proyectiles. Para entender el uso aristotélico de este concepto hay que verlo en conjunción con el de dinê, «torbellino», «vórtice» [aunque rechazó la visión cosmogónica de la dínê, (cf. 196a26), como también su concepción en el atomismo, mantuvo esta noción para explicar ciertos fenómenos físicos, por ej. el torbellino en los fluidos].
Antes de seguir adelante conviene examinar mejor una dificultad sobre el movimiento de los cuerpos. Si todo lo que está en movimiento es movido por algo, ¿cómo algunas cosas que no se mueven a sí mismas, como los proyectiles,  continúan moviéndose cuando el moviente ya no está en contacto con ellas? Si decimos que en tales casos el moviente mueve al mismo tiempo otra cosa, como el aire, y que éste al ser movido también mueve, entonces sería igualmente imposible que el aire continúe en movimiento sin que el moviente originario esté en contacto y lo mueva, pues todas las cosas movidas tendrían que estar en movimiento y dejar de estarlo cuando el primer moviente deje de moverlas, incluso aunque el moviente mueva como la piedra magnética, que hace que lo movido también mueva. Pues bien, sobre esto hay que decir lo siguiente: que lo que primero ha movido hace que también mueva el aire o el agua o cualquier otra cosa que por naturaleza pueda mover a otra o ser movida por otra; pero no dejan de mover y ser movidas al mismo tiempo, porque aunque dejan de ser movidas cuando el moviente deja de moverlas, pueden todavía seguir moviendo; y por eso puede ser movida otra cosa que esté en contigüidad con ellas, y de ésa se puede decir lo mismo. Pero comienza a dejar de mover cuando disminuye la fuerza motriz transmitida a las cosas que están en contigüidad, y cesa finalmente de mover cuando el moviente anterior ya no hace que sea moviente, sino sólo movido. Y entonces el movimiento de ambos, el del último moviente y el de la cosa movida, tiene que cesar simultaneamente, y con ello el movimiento total. – FÍSICA de ARISTÓTELES. Traducción Y Notas: Guillermo R. De Echandía.
Ou seja, Aristóteles parece dizer aqui que a explicação de Platão faria com que as setas caissem junto dos atiradores! Se Aristóteles tivesse omitido referir este disparate platónico, de forma tão ambígua, possivelmente a Física Clássica não teria sofrido tantos vitupérios por parte dos modernistas que durante tantos séculos souberam pouco mais do que se sabia antes!
Aristóteles formula dos hipótesis explicativas: según una, se seguiria moviendo porque el moviente habría transmitido al medio en el cual se mueve el proyectil una vis o fuerza cinética; según otra, el moviente habría transferido la fuerza cinética al objeto mismo, es decir, el proyectil se movería por una vis que le ha sido transmitida. La primera fue desarrollada y en parte modificada por el neoplatónico Simplicio; la segunda fue desarrollada por el también neoplatónico Filópono y constituyó el antecedente de la teoría del ímpetu de Juan Buridán, la cual fue a su vez, según algunos, el antecedente del principio de inercia formulado por Galileo.
Aristóteles sólo conoce una inercia, la del reposo (siempre está suponiendo que todo cuerpo persevera en estado de reposo mientras no haya fuerza que lo modifique). – 8 Solución de las dificultades de los antiguos 35. [3]
Há que dar conta de que os problemas mecânicos de Aristóteles ou da sua escola peripatética já referiam exactamente o contrário de Platão e algo muito próximo do que veio a ser dito pelos bizantinos que, se calhar, também desconheciam este tratado.
Problema 31: Por que motivo se movimenta mais facilmente aquilo que já está em movimento do que aquilo que está em repouso? (…). Será pelo mesmo motivo que é mais difícil movimentar um peso que se movimenta na direcção oposta? É que parte da força do movente é subtraída, mesmo que [seja] muito mais rápida, pois é forçoso que a impulsão do objecto rebatido se torne mais lenta. Em segunda instância, é mais difícil [de movimentar], se estiver em repouso, pois o que está em repouso resiste. No entanto, quando algo se movimenta na mesma direcção que aquele que o empurra, resulta como se alguém aumentasse a força e a rapidez do movente. Ao movimentar-se numa trajectória para a frente, produz já o mesmo efeito que iria sofrer do movente. Nota prévia aos Elementos de Mecânica de Aristóteles com tradução de Rodolfo Lopes e revisão científica Alberto Bernabé Pajares.
Os conceitos físicos da época clássica eram ainda muito confusos e dependentes da linguagem comum sendo em parte este um dos defeitos epistemológicos das ciências naturais da época. Mesmo assim, já se nota uma procura tacteante de conceitos físicos correspondentes à realidade empírica comum que neste caso era o impulso que antes de ser conhecido pelos físicos bizantinos já seria do conhecimento do senso comum como correspondendo ao *alão.
«Alão» = Cão grande de fila; Grande pedra de loisa,
com que se encimam os muros, para que as pedras miúdas
não desabem facilmente. < Baixo Lat. alanus? ó «alento» < anhelĭtu
< hálito = sopro, respiração?
Quase seguramente que as pessoas antes de saltarem entre muros teriam que ganhar impulso percorrendo sobre grandes pedras de lousa ou seja alões e daí a expressão tal como ainda se conservava no alto douro nos anos 50 do sec. XX ou a inversa será mais verosímil? Na verdade *alão pode estar próxima de «alento» = 1. Esforço que é primordial para respirar; 2. Hálito ou respiração; fôlego; 3. Entusiasmo ou coragem; ânimo; Ou é o “esforço que é primordial para respirar” que implicava a magia de pôr sal baptismal ou é água salgada na boca dos recém-nascidos como protecção contra a corrupção da morte o que reporta o latim para o sal grego, ἅλας, ἅλς. Seja como for a relação de alão com alento e hálito respiratório aproxima-os do pneumos e anemos gregos explicando deste modo a importância que o vento irá ter primeiro na mitologia do impulso e depois nas crenças de Platão a respeito da perístase aristotélica de que não temos a inteira certeza se seria inteiramente partilhada à sua maneira pela escola peripatética. Parece-nos antes que para os peripatéticos as certezas a respeito das causas do movimento acabavam aqui.
Problema 32: Por que motivo os objectos projectados deixam de se deslocar? Será [que é] quando se esgota a força que os disparou, será por causa de serem contrariados, ou por causa do impulso, se este for superior à força do disparo? Será descabido enfrentarmos estas dificuldades, quando nos escapam os princípios.
No seu livro, "De docta ignorantia", Nicolau de Cusa refere: "Os antigos não chegaram às verdades que ora expusemos porque não atingiram a "douta ignorância". A partir de agora é claro em toda a sua verdade que a Terra se move, ainda que não pareça, porque só somos capazes de compreender o movimento em relação a algo de fixo."
Diz Buonamici: Tendo rejeitado a opinião de Platão, Aristóteles decidiu que, pelo movente, uma força é impressa no ar, ou no meio, em virtude da sua natureza, que é dupla, nem grave apenas, nem leve; é por causa disso, justamente, que o ar pode receber o impetus não importa em que sentido. Como, todavia, o impetus nunca é conforme a sua natureza [...] ele resiste-lhe, e assim que estiver um pouco separado do primeiro motor perderá pouco a pouco a força que lhe é impressa por este; esta força dissipa-se e, por fim, esgota-se, e assim o projétil, não experimentando mais violência, regressa à sua condição anterior, e, conformando-se a esta, apressa-se a voltar ao lugar de onde a força o fizera partir [...].
Sobre isto, Filopono e outros latinos atacaram muito fortemente Aristóteles, a ponto de recusarem a sua autoridade [...]. Filopono e, depois dele, Alberto, D. Tomás e muitos outros pensaram sabiamente que a força é impressa pelo primeiro motor não ao ar, mas ao móvel (BUONAMICI, De Motu, V. c. xxxvi, p. 504).43
Portanto, a modernidade começou não porque Galieu e Descartes tivessem nascido para destruir os peripatéticos mas porque as virtualidades da física de Aristóteles se haviam extinguido! E não ocorreu mais cedo porque na primeira metade do tempo posterior ao fim do império romano do ocidente imperou na alta Idade Média o pensamento platónico dominicano durante o qual Aristóteles foi rejeitado e proibido por contrário à fé cristã por quase todos os doutores da Igreja com raras excepções como foi o caso de Santo Isidoro de Sevilha. Ora, terá sido a tradição deixada em Sevilha por este Doutor que levou os árabes Ibéricos à idade de Ouro do século décimo de que a Europa viria a receber no século doze o estímulo para a criação dos “estudos gerais” onde começaram os estudos aristotélicos…e as primeiras correcções escolásticas com vista a tornar as suas teses cosmológicas dos antigos adaptáveis à teologia cristã. Porém, a cosmologia cristã não era menos avessa ao estudo duma física universal do que tinha sido a clássica e a física só viria a ser inteiramente liberta das sombras da teologia com Copérnico e sobretudo com a descoberta da luneta de Galileu que foi levado ao tribunal da Inquisição não tanto por ter enfrentado Aristóteles mas por ter ousado por o sol invicto no centro do mundo!
A dissolução do Cosmo significa a destruição de uma ideia: de um mundo de estrutura finita, hierarquicamente ordenado, de um mundo qualitativamente diferenciado do ponto de vista ontológico; ela é substituída pela ideia de um Universo aberto, indefinido e até mesmo infinito, unificado e governado pelas mesmas leis universais, um Universo no qual todas as coisas pertencem ao mesmo nível de Ser, contrariamente à concepção tradicional que distinguia e opunha os dois mundos do Céu e da Terra. Doravante, as leis do céu e as leis da Terra fundem-se. A astronomia e a física tornam-se interdependentes, unificadas e unidas. Isto implica que desaparecem da perspectiva científica todas as considerações baseadas no valor, na perfeição, na harmonia, na significação e no desígnio. Tais considerações desaparecem no espaço infinito do novo Universo. É nesse novo Universo, nesse novo mundo, onde a geometria se faz realidade, que as leis da física clássica encontram valor e aplicação. (Koyré, 1973, p. 170-1)
Porém, no espaço sublunar do quotidiano medieval, assolado reiteradamente pela guerra, pela fome e pela peste, os corpos continuavam a mover-se com grande esforço dos servos da gleba e as evidências de que pudessem mover-se eternamente em linha recta sem acção externa seriam consideradas ridículas! Quanto aos corpos suspensos em equilíbrio instável estes não caiam enquanto estivessem seguros segundo o princípio das velocidades virtuais desenvolvido na baixa idade média o que permite dizer que as “forças estão em equilíbrio quando estão na razão inversa das respectivas velocidades virtuais estimadas segundo a direcção destas forças”.
Um corpo em equilíbrio estável é uma massa inerte em que a resultante das forças internas da vis incita é igual a zero...por estar inteiramente apoiada em base estável. Esta vis incita era já um começo de impulso!
Inicialmente a vis incita reportava-se sobretudo à fúria ou ímpeto do vento, presente nos tornados e furacões!
Fit quoque ut inter dum validi vis incita venti
perscindat nubem perfringens impete recto;
nam quid possit ibi flatus manifesta docet res,
hic, ubi lenior est, in terra cum tamen alta
arbusta evolvens radicibus haurit ab imis.
(...)
hoc fit ubi interdum non quit vis incita venti
rumpere quam coepit nubem, sed deprimit, ut sit
in mare de caelo tamquam demissa columna,
paulatim, quasi quid pugno bracchique superne
coniectu trudatur et extendatur in undas; --
Titus Lucretius Carus
Tambem succede que do vento a furia
Combatendo-as em frente, as nuvens rompa,
Delle o rijo poder provam-no factos;
Pois que na terra, onde vigor tem menos,
As mais validas arvores arranca.
(...)
De vento quando um impeto não pode
Grossa nuvem romper a que se atira,
Vai estendendo-a pouco a pouco em forma
De columna, do ceo baixada aos mares;
Ou de corpo que um braço assaz possante
Dos céus até às ondas se estendesse.
«Eu o vi certamente (e não presumo
Que a vista me enganava): levantar-se
No ar um vaporzinho e sutil fumo
E, do vento trazido, rodear-se;
De aqui levado um cano ao Pólo sumo
Se via, tão delgado, que enxergar-se
Dos olhos facilmente não podia;
Da matéria das nuvens parecia.
Os Lusíadas -V, 18-22).
Obviamente que estas forças da natureza estavam muito próxima do poder impulsivo dos deuses do vento que a par dos deuses olímpicos que tinham morada nos céus impediam a física clássica de se emancipar da metafísica pelos enredos platónicos do ar no impulso, tão mágicos, quanto absurdos.
Entre las primeras, explica lo que son la cantidad de materia y de movimiento y la vis incita, o inercia, "que es una fuerza innata de la materia por la cual todo cuerpo continúa en su estado presente, sea éste de reposo o de movimiento uniforme hacia adelante en una línea recta".
Inicialmente a vis incita era tanto a inércia quanto a quantidade de movimento recebido de forças externas como era o vórtice do polvorinho que parecia ser o único onde Aristóteles admitia a teoria platónica antiperistásica.
A massa inercial é, na verdade, a própria massa gravitacional.
Nem poderia ser de outro modo: massa é uma quantidade de matéria sujeita ao campo gravítico porque, até ver, ainda não se encontrou matéria, nem qualquer forma de realidade substancial, que não seja sensível aos campos de gravidade! Obviamente que antes de Newton isso ainda não parecia óbvio mas entretanto parece que até Aristóteles diria o mesmo, se tivesse lido Newton...ou mesmo apenas Arquimedes. A questão que se coloca nestes tempos pós modernos de desconcertante física quântica é a de saber se é possível conceber a existência de matéria que não seja susceptível à gravidade! E poderia haver? Seguramente que não porque, tirando Deus omnipotente, tudo o que existe ocupa espaço e por isso está sujeito à pressão do que nele existe e a cair abaixo dos «braços de força» que deixarem de o segurar. Tudo vive enquanto tiver força para viver e tudo se move ou de moto próprio ou à "boleia" de quem tenha mais capacidade para se mover.
Um corpo em total desequilíbrio cai por ter perdido os pontos de apoio, que a natureza proporciona no seu caminho, e ficar sujeito à sua própria “vis incita”, que passa a ser o seu peso...que mais não é do que a energia ou seja a “quantidade de movimento” que forma e anima os seus elementos constituintes. Ora, é na relação da vis incita dos corpos entre si e destes com o meio que reside o segredo da gravidade e, afinal, o objecto de estudo de toda a física, que deste modo tem necessariamente que ser relacional. O estranho é nunca se ter suspeitado com Descartes de que o meio físico só pode ser composto por “res extensa” de infinitas e variadas densidades que, por sua vez, só pode ser formado por elementos de corpos ou seja, uma espécie de poeira resultante da degradação dos outros corpos de acordo com o nível de interacção e de perspectiva de observação em que nos colocamos. De facto, para a perceção da realidade são tão importantes as coordenadas espácio temporais do contexto do objeto quanto a perspetiva de focagem do observador.
Genesis 3:19 Vulgata 19 in sudore vultus tui vesceris pane donec revertaris in terram de qua sumptus es quia pulvis es et in pulverem reverteris.
A convicção antiga de que o pó era elementar no solo que pisamos é uma das flagrantes contradições criacionistas. Como poderia haver poeira como resultado da deterioração dos corpos sólidos sem tempo geológico para pulverizar as rochas? Como poderia o senso comum clássico ter a convicção da entropia da vida terrena e não ser capaz de elaborar esta evidência inexorável da natureza em termos científicos que nem o atomismo de Demócrito intuiu mas que o mito de Ananque e Nemesis tão bem esclarecia?

Ver: TEMIS (***)

Libniz tentou penetrar nas areias movediças da corruptibilidade essencial das coisas e falhou quando entrou em delírio metafísico e quis por força que esta poeira da existência material fosse formada por mónadas ou seja por uma espécie de atomismo formal.
As mônadas equivalem para a realidade metafisica, o que os átomos equivalem para os fenômenos físicos. As mônadas são os elementos máximos do universo. As mônadas são "formas substanciais do ser com as seguintes propriedades: elas são eternas, indecompostas, individuais, sujeita às suas próprias leis, sem interação mútua, e cada uma refletindo o próprio universo dentro de uma harmonia preestabelecida (historicamente um exemplo importante de pampsiquismo). Mônadas são centros de forças; substância é força, enquanto o espaço, extensão e movimento são meros fenômenos.
No entanto, esta maneira de ver o mundo pressupunha uma atitude completamente diversa da que ainda era corrente no tempo dos clássicos: o de um mundo criado pelos deuses e pronto a servir tal como o encontramos! Este preconceito meta teológico, porque ainda verdadeiramente mítico e místico, impediria sempre o mais genial dos filósofos clássicos, como foi Aristóteles, de ver a física para lá dos céus supra lunares.
Por tanto, el primero de los cuerpos es eterno y no sufre aumento ni disminución, sino que es incaducable, inalterable e impasible, lo cual, si uno acepta los supuestos de partida, resulta evidente a partir de lo expuesto. Parece, por otro lado, que el razonamiento testimonia en favor de las apariencias, y las apariencias, en favor del razonamiento; todos los hombres, en efecto, poseen un concepto de los dioses y todos, tanto bárbaros como griegos, asignan a lo divino el lugar más excelso, al menos todos cuantos creen que existen dioses, por lo que es evidente que lo inmortal va enlazado con lo inmortal: en efecto, es imposible que sea de otro modo. Luego si existe algo divino, como es el caso, también es correcto lo que se acaba de exponer acerca de la primera de las entidades corporales. -- Aristóteles De Caelo.
Assim sendo, Aristóteles perdeu toda a possibilidade de construir uma física verdadeira por ter sido incapaz de a roubar à «harmonia das esferas celestes»! Esta convicção era tão profunda no pensamento humano dos tempos antigos que temos que aceitar que a oração mais comum dos cristãos não era uma mera infantilidade dos crentes mas uma convicção profunda do senso comum aceite por todos:
Pater Noster, qui es in caelis, (...).
Fiat voluntas tua, sicut in caelo et in terra.
Desejar que a vontade divina fosse regra na terra era um acto de fé não porque fosse impossível haver ordem no céu onde isso era inegável mas porque na terra a desordem parecia ser a regra termodinâmica inelutável!
Porém, esquecendo os movimentos celestes reservados aos deuses e colocando os pés na terra poderíamos ter chegado ao movimento como perda do equilíbrio natural com as carroças de Aristóteles e Descartes sem precisar do apoio dos veleiros de Newton.

Ir para: FUSIS, a deusa dos fusos horários!

Se formos ver na mecânica de Aristóteles encontramos
Segundo os [Problemas] Mecânicos, o círculo comporta em si dois movimentos (1, 848b10-12) 49; ou melhor, a trajectória que um objecto descreve ao deslocar-se por uma circunferência é composta por dois movimentos. Um deles segue na direcção da tangente e o outro na direcção do centro do círculo; o primeiro é «de acordo com a natureza» (κατ φσιν) e o outro é «contra a natureza» (παρ φσιν): «Isto acontece com qualquer raio: desloca-se pelo arco de circunferência, de acordo com a natureza na direcção da tangente e contra a natureza na direcção do centro.» (1, 849a14-16.)
Estes movimentos eram descritos por Descartes como conatus a centro e conatus recedendiConatus a centro, ou "tendência para o centro", é usado por Descartes como uma teoria da gravidade; conatus recendendi, ou "tendência para fora do centro", representa as forças centrífugas. Portanto, Aristóteles conhecia da mecânica a realidade das forças com que Descartes iria descrever a gravidade enquanto movimentos celestes circulares que Aristóteles bem conhecia ao ponto de simplificadamente os descrever como harmonia das esferas celestes.
Para Aristóteles o movimento centrífugo segundo a tangente era natural como o movimento linear e o centrípeto era forçado e logo antinaturais por serem aquilo que Descartes descrevia como movimentos impedidos por ser contra a tendência natural do movimento rectilíneo. Por qual motivo o movimento centrípeto era então antinatural no círculo e passou a ser o do parafuso? Seguramente por analogia com o parafuso hidráulico de Arquimedes que de forma antinatural retirava água do Nilo a contra senso da gravidade.
Fosse como fosse, na origem a física era a ciência da Mãe Natureza, deusa de todas as coisas e das suas causas!
As «coisas» muitas vezes têm «causas» que não são fáceis de objectivar e determinar sendo algumas delas as relacionadas com o movimento e com a gravidade...e com a impulsão dos fluidos.
Foi precisamente a ignorância da física anterior a Galileu a respeito da realidade da pressão hidrostática e da atmosférica que fez com que este tropeçasse no pensamento de Aristóteles a respeito da queda dos graves contradizendo o mestre naquilo que lhe pareceu um contra senso quando era um mero parecer do senso comum da época.
“Abandonados de um mesma altura, um corpo leve e um corpo pesado caem simultaneamente, atingindo o chão no mesmo instante.”
Acontece no entanto que há corpos que nem chegam sequer a cair como seja a própria atmosfera, ou seja, há algo de errado na evidência de Aristóteles que se limita a dar conta de os corpos muito mais denso do que o ar caem todos sensivelmente à mesma velocidade como ocorre com no teorema de Arquimedes em relação aos metais que mergulham na água.
Ahora bien, la pregunta que se busca responder es ésta: ¿por qué se mueven hacia sus lugares propios lo ligero y lo pesado? La razón está en que tienen una tendencia natural hacia un lugar y esto constituye el ser de lo ligero y de lo pesado, estando uno determinado hacia arriba y el otro determinado hacia abajo. 3 El reposo y el movimiento como modos de ser, Física de Aristóteles.
O que estava ausente no pensamento escolástico onde o conceito de gravidade e leviandade aparecem dúbios e que Galileu tentou esclarecer foi a distinção empírica nítida entre corpos pesados e corpos densos precisamente por inspiração das escolas de mecânica italianas de tradição arquimédica!
La naturaleza está organizada de tal modo que los cuerpos pesados permanecen en reposo por debajo de los más livianos; que los cuerpos que se mueven hacia abajo lo hacen en razón de su pesantez mientras que los que lo hacen hacia arriba lo hacen en razón de su liviandad (EN, 1, p. 253).
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Figura 3: O “poço esférico” que é o “campo de forças” de gravidade e que podemos imaginar como um furo comum até ao centro da terra que fosse alargado em todos os sentidos por uma rotação esférica de 360º. Qualquer corpo, com densidade superior à da água, atirado a este poço atingiria o fundo que passaria a ser o centro de gravidade do furo aberto e rebatido na forma de esfera.
Lo establecido en los capítulos anteriores no puede aclararse más de modo matemático, sino que es necesario una explicación física, por lo que propongo en el capítulo siguiente reducir el problema a una consideración de la balanza, y a explicar que los movimientos de los cuerpos naturales son como los pesos en una balanza. Y esto con el fin de lograr una mayor comprensión de lo ya tratado, como un entendimiento más preciso por parte de los lectores (EN, 1, p. 257). (...)
En el caso del movimiento natural de los cuerpos, tanto el movimiento ascendente como el descendente se pueden atribuir solamente al peso, como en los pesos en una balanza, dado que cuando algo se mueve hacia arriba, está al propio tiempo siendo elevado por el peso del medio (EN, 1, p. 259).
De qualquer modo, quando Newton refere que a “pressão só existe entre partes contíguas até que a pressão seja transmitida às partes mais longínquas de um determinado corpo” está a usar um conceito de força de pressão retirado de uma análise cuidadosa da sua realidade física que deveria ter levado o mesmo cientista, por analogia incontornável, a negar a possibilidade de a gravidade se poder transmitir à distância sem meio substancial entre partes contíguas, tanto mais que as forças de pressão passivas da natureza como as do meio atmosférico, por exemplo, mais não são do que o resultado do «peso» das partes contíguas que assim fazem esforço para “penetrar umas nas dimensões das outras”.
Mantendo a analogia do gradiente da pressão atmosférica com o da gravidade verificamos que tanto o peso como a pressão são menores com a altitude. Se parece ocorrer algo inverso com a profundidade marítima é pura aparência porque o aumento da profundidade na água é equivalente a uma diminuição da altitude atmosférica.
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Figura 4: Diagram of the gravitational potential (white lines) associated with the Sun-Earth system. Lagrange Points, designated by L1 to L3 (dynamically unstable) and L4 and L5 (stabilize by Coriolis effect), are positions in space where the gravitational forces produce enhanced regions of attraction (red arrows) and repulsion (blue arrows). WMAP orbits around L2, which is about 1.5 million km from the Earth. The forces acting on WMAP at L2 tend to keep the spacecraft aligned on the Sun-Earth axis, but requires course correction to keep from moving toward or away from the Earth.
Quando se dá conta de que o peso diminui com a aceleração da gravidade a simples verificação de que esta depende da massa do planeta devia levar-nos à conclusão intuitiva de que também a pressão do éter é menor num planeta pequeno por ser menor a pressão que este exerce sobre o espaço-tempo, o seja sobre a substancia real do espaço sideral equivalente à res extensa celestial dos antigos e de Descartes. Foi a lógica da existência inevitável de uma gradiente gravitacional que levou a mecânica hamiltoniana a criar o conceito de campo de forças que nos formalismos matemáticos da relatividade de Einstein acabou nas deformações geométricas abstractas do espaço-tempo.
Para actualizar o racionalismo lapaliciana de Aristóteles do “lugar natural” das coisas Descartes decidiu passar a falar do “estado natural” das coisas afirmando que “cada coisa permanece no seu estado (natural), se nada o alterar; assim, aquilo que uma vez foi posto em movimento continuará sempre a mover-se».
De facto, hoje em dia sabemos que a Física de Aristóteles era uma ciência qualitativa, uma gramática do movimento da natureza e um estudo da realidade que podia ser percebida pelos sentidos de uma pessoa com o bom senso da sua época. Pelo contrário, a física de Descartes tendia a ser o estudo de toda a realidade extensa mas acabou por ter pouco ou nenhum valor científico, tirando meia dúzia de intuições geniais para a época como a da força centrífuga.
22. Em que consiste a leveza da matéria celeste. Mas como o vazio não existe à volta da Terra e como esta não tem em si a força que a faz girar sobre o seu eixo durante as vinte e quatro horas, pois é impelida pelo trajecto da matéria celeste que a circunda e que a penetra por todos os seus poros, então devemos considerar a Terra como um corpo sem qualquer movimento; e igualmente devemos pensar que, relativamente a ela, a matéria do céu não seria leve nem pesada se tivesse apenas a agitação que a faz girar em vinte e quatro horas com a Terra.
Na verdade, parece que Descartes teve alguns séculos antes do tempo a intuição da existência da matéria escura que parece corresponder a 90% da matéria do universo.
Como é que Descartes sabia tanto a respeito da «matéria celeste»? Que provas empíricas ou que argumentos racionais levavam Descartes a especular sobre o movimento dos céus de uma forma tão categórica sem sequer nos dar argumentos intermédios para seguirmos o seu racionalismo?
Explicitamente muito! Primeiro, a aceitação da impossibilidade do vazio como um dos aspectos da tradição clássica mais fáceis de aceitar não apenas por ser também dos mais difíceis de contrariar empiricamente como sobretudo porque iam ao encontro do seu postulado da substância absoluta da res extensa. Depois, porque pela sua segunda lei da Natureza (recebida de Galileu): todo o corpo que se move tende a continuar o seu movimento em linha recta.
Vejamos algumas das simples, mas geniais, experiências realizadas por Galileu e que provaram a sua teoria do movimento. Ele considerou vários objetos movendo-se em dois planos inclinados. Notou que bolas descendo pelo plano em declive ganhavam velocidade enquanto que bolas subindo pelo plano em aclive perdiam velocidade (Ver Figura 2).
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Figura 5: Galileu mostrou que bolas ganham velocidade ao descer e perdem ao subir (o que, intuitivamente, é o mesmo que saber que a descer todos os santos ajudam! Seja como for, parece que Galileu era obcecado pela aparente repetiticidade do movimento pendular que o levava a aceitar com Aristóteles a primasia do movimento circular. Na verdade num univesro onde tudo e todos se impedem entre si serguirem as suas tendências “naturais” é de esperar que os movimentos mais comuns sejam irregulares, circulares e ondulatórios.)
Concluiu, dessa simples experiência, que se o plano for horizontal as bolas não ganham nem perdem velocidade. Certamente, na prática, as bolas diminuem sua velocidade até atingir a condição de repouso. Isso, porém, não era devido à sua "natureza", e sim, ao atrito com a superfície. Essa conclusão foi apoiada por experiências realizadas com superfícies cada vez mais lisas. Quanto mais lisa era a superfície, mais tempo demoravam as bolas para parar. Se não houvesse nenhum atrito, concluiu, as bolas nunca parariam. -- Uma pequena história do movimento, Valdir Aguilera.
Descartes preferirá demonstrar a evidência da tendência para o movimento linear a partir da ruptura das causas do movimento centrífugo, ou conatus recedendi.
Assim, não existe MRU na Terra ou nos céus! É por essa razão que Alexandre Koyré diz que a inércia é “uma explicação do que é a partir do que não é...explicação do real a partir do impossível”. Vejamos uma citação mais ampla deste precioso ensinamento de Koyré:
“Contrariamente ao que se costuma afirmar, a lei da inércia não tem sua origem na experiência do senso comum, e não é nem uma generalização desta experiência nem tampouco sua idealização. O que se encontra na experiência é o movimento circular ou, de forma mais geral, o movimento curvilíneo. Nunca presenciamos o movimento retilíneo, a não ser excepcionalmente no caso da queda, que precisamente não é um caso de movimento inercial. E, não obstante, o movimento que a física clássica se esforçará para explicar será o primeiro - o curvilíneo - a partir do segundo. Curioso andamento do pensamento: não se trata de explicar o dado fenomênico mediante a suposição de uma realidade subjacente (como faz a astronomia, que explica os fenômenos, quer dizer, os movimentos aparentes, por meio de uma combinação de movimentos reais) nem tampouco de analisar o dado em seus elementos simples para em seguida reconstruí-lo (método resolutivo-compositivo, ao qual - sem razão, a nosso ver - alguns reduzem a novidade do método galileano); trata-se, propriamente falando, de explicar o que é a partir do que não é, do que não é nunca. E inclusive do que não pode nunca ser....Explicação do real a partir do impossível...”
A lei da inércia decorre dos esforços da física medieval para compreender o impulso dos projécteis e a tendência natural para a conservação da energia de que Descartes iria fazer a primeira lei universal da conservação da Energia e da quantidade de movimento. No entanto esta lei viria a ser posta em causa de forma categórica e matemática no século dezanove pelo Princípio natural da Degradação da Energia que afirma que é impossível converter totalmente calor em trabalho...ou seja, é impossível a reciclagem perfeita do movimento de forma a cumprir com o princípio da conservação útil da Energia. Por isso o determinismo esbarra com a possibilidade de haver sempre em qualquer processo de busca da razão pura um desperdício aleatório de racionalidade real.
Transformações reversíveis: são aquelas que se realizam em ambos os sentidos, podendo voltar ao estado inicial, passando pelas mesmas situações intermediárias, sem influências do meio externo. Isso ocorre geralmente em transformações mecânicas sem atrito.
Na verdade a experiência de Galileu apenas prova o que se encontra nos limites dos termos do enunciado: se não houvesse nenhum atrito, os corpos físicos nunca parariam...e teriam movimento eterno como os anjos porque seriam transformações irreversíveis como os astros celestes...porque o «atrito» existe por toda a parte, é incontornável e sem ele não existe movimento real.
Comentadores como Stillman Drake acreditam que a denominação “princípio ou lei de inércia” somente deve ser atribuída a conceituações equivalentes ao conjunto das duas leis de Descartes ou à primeira lei da dinâmica de Newton — que leremos a seguir — reservando a expressão “lei de conservação de movimento” para conceituações, como as de Galileo, nas quais o caráter retilíneo do movimento inercial não é declarado Mas o mais importante, seja em Galileo, Descartes ou Newton, é a ideia de que os movimentos tendem a permanecer ocorrendo. É isso que explode as bases da física aristotélica e estabelece um dos principais pilares do pensamento moderno, ao decretar que o movimento deve deixar de ser encarado como um processo e deve ser visto como um estado, tal como o repouso.
 Passemos, agora, à realização newtoniana. Como é amplamente reconhecido, a lei da inércia tem como texto exemplar o primeiro dos “axiomas, ou leis do movimento” que se encontram na obra prima de Sir Isaac Newton, os Principia Mathematica Philosophiae Naturalis de 1687, axioma segundo o qual:
“Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme numa linha reta, a menos que seja compelido a mudar aquele estado por forças impressas sobre ele.”5
Imediatamente após essa enunciação, Newton aduz os seguintes comentários (os destaques são nossos):
“Projéteis continuam em seus movimentos, enquanto não sejam retardados pela resistência do ar, ou impelidos para baixo pela força da gravidade. Um pião (?), cujas partes por sua coesão são continuamente desviadas dos movimentos retilíneos, não cessa sua rotação, senão quando é retardado pelo ar. Os grandes corpos dos planetas e cometas, encontrando pouca resistência nos espaços mais livre, preservam seus movimentos progressivos e circulares por um tempo muito maior.”6
Note-se que nos comentários de Newton não há exemplo de preservação efetiva do movimento retilíneo, não há descrição de nenhum efetivo movimento retilíneo e uniforme (MRU), embora no “axioma” só haja lugar para o “movimento uniforme numa linha reta”!
A razão para isso é simples: pode-se dizer que Newton não encontrou na natureza nenhum MRU, porque estes não existem no Universo! Isso porque é praticamente impossível que piões ou os projéteis “não sejam retardados pela resistência do ar” e porque os corpos terrestres – e também os celestes – percorrem trajetórias sempre moldadas pela gravidade – que é universal, ensinou-nos Newton, e acelera sempre os objetos (aceleração no sentido amplo de mudança do vetor velocidade, em intensidade e/ou direção; por isso uma pedra cai em linha reta mas acelerada e um planeta tem trajetória curvilínea).
Assim, não existe MRU na Terra ou nos céus! É por essa razão que Alexandre Koyré diz que a inércia é “uma explicação do que é a partir do que não é ... explicação do real a partir do impossível”. Vejamos uma citação mais ampla deste precioso ensinamento de Koyré:
“Contrariamente ao que se costuma afirmar, a lei da inércia não tem sua origem na experiência do senso comum, e não é nem uma generalização desta experiência nem tampouco sua idealização. O que se encontra na experiência é o movimento circular ou, de forma mais geral, o movimento curvilíneo. Nunca presenciamos o movimento retilíneo, a não ser excepcionalmente no caso da queda, que precisamente não é um caso de movimento inercial. (...)
Este suposto analista estaria cometendo um erro que pode ser entendido como uma variação da falácia existencial. Como nos explicaram Koyré e Copi, o que marca a lei de inércia é que ela é uma proposição universal sem conteúdo existencial e, no entanto, dá conta, por assim dizer, do comportamento efetivo das coisas do mundo real. Portanto, é um erro concluir que um cientista tem uma “inércia circular” porque fala dos movimentos circulares que crê efetivamente existir no mundo. Enfim, não se pode passar dos discursos de um pensador sobre o mundo para a lei ou conceito de inércia que este pensador possui.
Pois afirmo que os intérpretes da chamada “inércia circular” cometem este tipo de erro - só que modo não tão grosseiro, claro. Eles privilegiam pronunciamentos de Galileo sobre o mundo a respeito de movimentos circulares, fecham os olhos para as declarações galileanas de conservação de movimentos retilíneos e afirmam, como quem faz uma exegese legítima e não uma interpretação falaciosa, que Galileo tem um “princípio de inércia circular”, isto é, que Galileo, segundo eles, concebe que apenas o movimento circular pode ser imaginado se conservando, o retilíneo não. -- 'INÉRCIA CIRCULAR' COMO FALÁCIA EXISTENCIAL, Julio Vasconcelos*.
Trocar a falácia existencial da inércia rectilínea pela circular não faz qualquer sentido possivelmente porque é impossível estabelecer uma lei da inércia que seja universal. A lei da inércia real terá que ser sempre relacional, relativa e local.
Por outro lado, na natureza todas as transformações termodinâmicas espontâneas são irreversíveis.
A força de atrito é uma força de importância indiscutível que está sempre ausente nas leis da inércia.
No entanto, sem atrito não há movimento real e nada se altera e tudo desliza e escorrega e nada para ou anda. Sem atrito um carro fica sem aderência à estrada como que em «roda livre»; desliza, patina e deixa de obedecer à direcção do condutor.
O atrito é uma força de resistência ao movimento relativo entre as superfícies em contato e que só existe porque as superfícies não são completamente lisas.
É importante também assinalar que a força de atrito depende da força de compressão que o objeto faz com a superfície de apoio (Força Normal). Então, fica fácil entender que quanto mais o objeto pressionar essa superfície, maior será a força de atrito.
Ou seja, o atrito será tanto maior quanto maior for a massa e o contacto.
Para superfícies rígidas, a força de atrito não depende muito da área de contacto mas em superfícies líquidas, pastosas ou gasosas, quanto maior a área de contato, maior a força de atrito.
Basicamente, existem dois tipos de força de atrito: força de atrito estático e força de atrito cinético. Tanto um, quanto o outro, estão sempre contrários à tendência de movimento ou à movimentação dos corpos.
Assim, de repente damos conta de que o realismo de Aristóteles poderia ser exagerado mas nenhum movimento é possível sem a força adicional que mantém a velocidade constante para vencer as forças de atrito. Realmente, o atrito funciona como um travão constante, ou seja uma aceleração negativa constante que tem que ser compensada com uma aceleração constante razão pela qual o movimento real em velocidade uniforme não é possível sem motor de tracção constante...tal como previa Aristóteles. Onde este sábio realista e honesto falhou foi na compreensão do impulso que mais não é do que uma salto contra o atrito só possível com uma grande força potencial inicial num sistema de arremesso por um processo de acumulação de energia potencial capaz de uma grande aceleração, única forma de saltar por cima das forças de atrito durante algum tempo.
Mas a grande lição que o «atrito» nos dá é a de que não é possível desprezar por muito tempo pequenas forças, por razões didácticas ou formais porque, estas, com o tempo, acumulam-se como lixo debaixo do tapete da cátedra doutoral que, no caso das leis do movimento, acabam por revelar-se inultrapassáveis em processos a altas velocidades como foi o caso do relativismo em que o meio ambiente sem atrito veio a ser reposto pelo relativismo de Einstein na forma de espaço-tempo.
A primeira lei do movimento clássico despreza sobranceiramente o meio de interacção que levou Leibniz a propor uma física relacional. Obviamente que o mundo relacional da física não poderia ser o da família humana, tratado na psicossociologia, mas é seguramente o das «ciências naturais» onde o meio ambiente fornece as condições de atrito.
Por isso, a 1ª lei de Newton em vez de dizer que «todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em linha recta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças aplicadas sobre ele» deveria dizer algo mais simples, ao estilo do racionalismo cartesiano: todos os corpos físicos “tendem” a manter o seu «estado natural», ou seja, manter-se-ão em repouso ou movimento conforme as condições ambientais em que se encontram. O “movimento natural”, na ausência de forças externas constrangedoras, tenderá a ser o “uniforme em linha recta”, mas, em qualquer dos casos será sempre o mais adequado ou seja, o que em boas condições ambientais melhor respeitar o princípio da economia de meios e a lei do menor esforço reconhecido em física como principio da «mínima acção». Referem-se as “boas condições ambientais” porque na prática as condicionantes externas podem ser complexas e redundarem em situações complicadas e caóticas, difíceis de equacionar.
De qualquer dos modos, um corpo isolado de todas as forças externas seria um corpo sem relações com o universo, viveria eternamente sozinho sem que alguém pudesse saber que ele estaria parado ou em movimento. Afinal, nos limites da metafísica esta situação só é possível para o Ser Eterno, Uno e Único! A falácia existencial implica que o movimento inercial seja surreal e fora do mundo da física humana!
Este princípio da física clássica passado da tendência cartesiana à certeza de Galileu e Newton mais não é do que um caso particular, filosoficamente mal expresso, do principio da conservação da energia de Descartes conjugado com a intuitiva “lei do menor esforço” que a física hamiltoniana transformaria em principio básica da física moderna...quando na verdade se trata de uma paradigma de todas as ciência, desde a biologia à economia e seria também da ética se esta fosse racional e não uma questão de fé.
PROPOSIÇÃO VI: Toda coisa se esforça (conatur), na medida em que é em si (quantum in se est), por perseverar no seu ser.
Demonstração: As coisas singulares são modos que exprimem os atributos de Deus de modo certo e determinado (pelo Cor. Prop. 25 P I), isto é (pela Prop. 34 P I), são coisas que exprimem de modo certo e determinado a potência de Deus. E nenhuma coisa tem em si algo que possa destruí-la (detrui), ou que possa lhe tolher (tollat) a existência (pela Prop. 4). Ao contrário, ela se opõe a tudo o que pode lhe tolher a existência (pela Prop. precedente) e, por conseguinte, se esforça, na medida em que pode, e é em si, por perseverar no seu ser. QED (Benedictus Spinoza, Ética demonstrada em ordem geométrica, parte 3, prop. 6).
Para o homem religioso os caminhos de Deus são tortuosos e, como corolário, os da salvação são sempre menos fáceis e mais dolorosos.
(iv) Ingénua e inadvertidamente, poderíamos pensar que a primeira lei de Newton decorre da segunda. Isto se deve porque fazendo F = 0 na expressão da segunda lei do Newton, ou seja, considerando que a partícula não estar sujeita a nenhuma interacção, obtemos que o momento linear deve ser constante, exactamente como estabelece a primeira lei. Pode parecer então lógico concluir que a primeira lei seja decorrente da segunda. Chegar a esta conclusão seria o mesmo que dizer que não há necessidade de três leis, bastariam duas (!?).
Antes de qualquer explicação, deveríamos ficar desconfiados com esta conclusão. Newton juntamente com Galileu e Einstein são considerados os três maiores génios que a Física já teve. Seria ingenuidade pensar que Newton fosse susceptível a um erro desses. Não foi. São necessárias as três leis.
O facto de chegarmos à conclusão de que o momento de uma partícula é constante quando não está sujeito a nenhuma interacção é porque estamos num referencial inercial que foi definido pela primeira lei. Você poderia então perguntar o seguinte: o facto de a relutante ser zero e o momento constante não significa que o referencial é necessariamente inercial? A resposta é não. A dinâmica de uma partícula pode também incluir forças fictícias. Neste caso se a relutante é zero, o momento continua sendo constante mas o referencial não é inercial. Assim há a necessidade (como Newton fez) de definir inicialmente o que é referencial inercial. -- Mecânica newtoniana, lagrangiana e hamiltoniana escrito pelo professor João Barcelos Neto.
Um dos grandes equívocos da física moderna relativa ao movimento é precisamente o que resulta da necessidade de referenciais de inércia!
Num referencial de inércia é válido o principio de inércia: se não há força a actuar sobre uma partícula a velocidade clip_image012[1] mantém-se constante. Por outro lado, quando estamos, por exemplo, num autocarro, há acelerações sem forças físicas visíveis. Diz-se então que temos um referencial acelerado. Nesses sistemas o principio de inércia não é válido.
Mas, “nesses sistemas o princípio de inércia” não é válido porquê?
Se, no referencial A ( no autocarro, por exemplo ) quisermos encontrar a lei de Newton,
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temos que às forças físicas juntar as ( bem reais ) forças fictícias
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A força fictícia é sempre de sentido oposto ao da aceleração do referencial acelerado: por isso os passageiros são projectados para a frente quando o autocarro trava e para fora quando o autocarro curva.
Em suma: sempre que há aceleração de um sistema tudo se passa como se certas forças adicionais (para além das já conhecidas: gravidade, atrito, ligação, muscular, electromotriz, etc.) actuassem sobre os objectos materiais transportados nesse sistema.
É evidente que algo está mal expresso nestes pressupostos. Num movimento a velocidade constante existe apenas o impulso que Aristóteles não conseguia entender e que todos sabemos que é de curta duração quando devia ser eterno e ninguém perde muito tempos a explicar e a fazer realçar este importante desfasamento entre a previsão teórica e a realidade prática. Na verdade, a física perde-se constantemente na metafísica e definição de conceitos e termos esquecendo-se do realismo e objetividade que todas as ciências devem ter e que implica sempre um constante confronto entre o empirismo dos fenómenos e a racionalidade interpretativa dos factos.
Así pues, si el movimiento de todas las cosas que son movidas es o natural o contrario a naturaleza y violento, y si todas las cosas cuyo movimiento es violento y contrario a naturaleza están movidas por algo y por otra cosa que ellas mismas, y si a su vez todas las cosas cuyo movimiento es natural están movidas por algo, tanto las que se mueven por sí mismas como las que no se mueven por sí, como por ejemplo las cosas ligeras y las cosas pesadas (que están movidas o por lo que las ha generado y hecho ligeras o pesadas, o bien por lo que ha eliminado los obstáculos y los impedimentos), entonces todas las cosas que están en movimiento tienen que ser movidas por algo. –- Física de Aristóteles.
Esta ideia de Aristóteles de que «todas as coisas que estão em movimento têm que ser movidas por algo» é tão racional e intuitiva no seu realismo que nunca deveria ter sido posto em causa pela modernidade apenas por causa da forma canhestra como Aristóteles explicava o movimento dos projécteis.
Tal como Aristóteles entendia, um movimento continuado tem que ter a acção contínua de uma força ou seja ser acelerado ainda que este seja aparentemente a velocidade constante, por ser anulado pela força de travagem contrária da reacção do atrito. Obviamente que, nestes casos, não há forças fictícias a não ser no arranque e na paragem podendo assim concluir-se que toda a alteração do estado de movimento implica uma aceleração que agora podemos definir como quantum mínimo de alteração de movimento.
Na verdade, nem a física clássica nem a relativista identificam, definem e quantificam este quantum mínimo de alteração do estado de um corpo (quantidade de movimento induzida segundo a terminologia suspeita de alguns físicos) mas que na verdade ele mesmo não é uma aceleração mas uma velocidade por ser igual à uma quantidade de movimento em geral ou seja ao impulso cuja quantificação deve seguramente depender apenas da natureza substancial do corpo, ou seja, da sua constituição elementar (atómica e molecular, ou seja massa atómica) o que estava longe de ser acessível a Newton e deve fazer parte da física dos materiais ou “matéria condensada”.
Na física clássica, a quantidade de movimento linear (clip_image018) é definida pelo produto da massa (clip_image020[1]) pela velocidade (clip_image022[1]).
clip_image024[1]
Impulso é a grandeza física que mede a variação da quantidade de movimento de um objeto. É causado pela ação de uma força clip_image026[1]atuando durante um intervalo de tempo clip_image028[1]. Uma pequena força aplicada durante muito tempo pode provocar a mesma variação de quantidade de movimento que uma força grande aplicada durante pouco tempo. Ambas as forças provocaram o mesmo impulso.
Na maioria dos casos a massa do corpo permanece constante, e nestes casos a variação da quantidade de movimento pode ser calculada como o produto da massa (clip_image020[2]) pela variação de velocidade (clip_image030[1]).
clip_image032.
Seja como for, na dinâmica clássica a quantidade de movimento é o que mais se aproxima da física quântica.
Como vimos, há que distinguir dois tipos distintos de referenciais: aqueles em que a lei de Newton (clip_image034) é válida, e aqueles em que o não é. As leis da Física, porém, não podem variar de referencial para referencial. Este problema de Mecânica Clássica bem como outras dificuldades ligadas às leis do electromagnetismo (que se revelaram não invariantes para a transformação clássica de Galileu de coordenadas) e à invariância da velocidade da luz conduziram Einstein a uma transformação profunda dos pressupostos em que se baseava toda a Física clássica. Assim nasceu a Relatividade.
Porém, o que se revela mais estranho, a par da existência de referenciais relativos e absolutos é a questão das forças fictícias que sendo consideradas reais são tidas como fantasmagóricas por não corresponderem a forças verdadeiras e visíveis mas por serem meras consequências da variação de referencial. Ora, este facto, estas só ocorrem quando há aceleração sem forças visíveis. Este facto estranho é o mesmo que equilibra um pião em rodopio e mantém um ciclista a pedalar e só pode ser devido à acção do éter invisível responsável pela quantidade de movimento como é aliás responsável pela propagação das ondas hertzianas. 
A recusa em aceitar este facto, que estava implícito no pensamento reaccional de Leibniz e no monadismo, acabará por levar aos desvarios da relatividade einsteiniana.
Le monde est une diversité et une harmonie. Pour le voir tel qu’il est, il faut à la fois en discerner les détails et en saisir l’unité. Pour obtenir cette double connaissance, il faut réussir à se placer au point de vue suprême, à un point de vue aussi voisin que possible du point de vue de Dieu lui-même. La Monadologie détermine ce point de vue, et nous donne une esquisse du monde tel qu’il apparaît à l’observateur qui s’y trouve placé.  -- Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) La Monadologie.
Mas o monadismo de Libniz já era um desvario metafísico próprio de uma física mística porque as mónadas nos são apresentadas como átomos espirituais de evidência lógica difícil de alcançar quando, sendo existentes, deveriam ser de evidência sensível…ou, pelos menos, indirectamente empírica. Pelo contrário a mónadas são sobretudo um desvario idealista na medida em que o filósofo, inimigo de Newton, nem sequer se deu conta de estar a coisificar pouco mais do que as ideias formais de Platão.
Pois bem, formalmente o erro da física clássica começou quando Newton se recusou a aceitar a res extensa cartesiana e a necessitar do espaço absoluto para entender o movimento acelerado que Newton não viu como uma variante da acumulação da quantidade de movimento, necessitando por isso da acção de forças contínuas que Aristóteles já exigia para o movimento uniforme. Newton não tinha o direito a definir um conceito de força com conteúdo diverso do que já vinha definido na estática desde Arquimedes como relacionada ao braço de um binário ou momento = força x distância (f*d).
Como a distância da estática é espaço na dinâmica temos que o braço de um binário é b = f*e = w, o que, como sabemos, define também o trabalho físico. Ou seja, o momento de um binário é um caso particular de um trabalho com alavancas. No entanto, o binário é considerado como sendo a “força que produz mudanças na velocidade de rotação de um objecto”, ou seja, um binário é uma força rotativa elementar.
Assim sendo, a definição de força dinâmica deixada por Newton foi imprecisa, porque não decorre matematicamente da estática…embora não contrarie inteiramente a ideia que a estática de Arquimedes a faria pressupor.
Força: qualquer agente externo que modifica o movimento de um corpo livre ou causa deformação num corpo fixo.
A definição de Averroés não era muito mais clara mas ainda assim aproximava-se mais do conceito que pode ser derivado da estática antiga.
Averróis (1126-1198) definiu e mediu a força como sendo "a taxa na qual o trabalho é realizado para mudar a condição cinética de um corpo material" e argumentou corretamente que "o efeito e a medida de força são a mudança da condição cinética de uma massa de material sólido."
Si tales fueran las circunstancias, no sobraría improvisar diciendo que, en conclusión, según lo argüido, Einstein le hubiera dicho a Aristóteles algo así como: “Usted tiene razón, el universo físico es esférico, espacialmente cerrado; también es un todo material que prescinde de un soporte espacial independiente y, efectivamente, tanto la caída de los graves como el movimiento de los cuerpos celestes se entienden bien como movimientos naturales. ¿Cómo pudo presagiarlo?”. --  Lo que Einstein le hubiera dicho a Aristóteles a propósito de la dinámica y la cosmología, Favio Ernesto Cala Vitery*
Portanto a questão filosófica do ímpeto estava precisamente na capacidade para entender o movimento como uma forma de energia que poderia ser temporariamente conservada nos corpos enquanto não fosse perdida no trabalho de resistência ao atrito. Ora esta ideia do "movimento que gera movimento" viria a ser a base da filosofia cartesiana.
Na verdade, de acordo com a filosofia cartesiana da conservação do movimento, já sabíamos que o movimento só pode ser provocado por outro movimento e, portanto, a força newtoniana só poderia então ser um “corpo animado”, porque portador de uma certa quantidade de movimento.
Mas Leibniz voltou a introduzir confusão no conceito de força.
Leibniz définit la force comme «ce qu’il y a dans l’état présent, qui porte avec soi un changement pour l’avenir». Cette théorie entraîne un rejet de l’atomisme ; en effet, si l’atome est une réalité absolument rigide, alors il ne peut perdre de force dans les chocs. Il faut donc que ce que l’on nomme atome soit, en réalité, composé et élastique. L’idée d’atome absolu est contradictoire:
«Les atomes ne sont que l’effet de la faiblesse de notre imagination, qui aime à se reposer et à se hâter à venir dans les sous divisions ou analyses. »
Ainsi la force est-elle la réalité : la force est substance, et toute substance est force. La force est dans un état, et cet état se modifie suivant des lois du changement. Cette succession d’états changeants possède un ordre régulier, c’est-à-dire que chaque état a une raison (cf. principe de raison suffisante): chaque état s’explique par celui qui précède, il y trouve sa raison. À cette notion de loi se rattache également l’idée d’individualité : l’individualité est pour Leibniz une série de changements, série qui se présente comme une formule :
«La loi du changement fait l’individualité de chaque substance particulière».
Então, de acordo com Newton a força seria igual a uma quantidade de movimento ou seja, f = m*v e não a m*a como costuma ser referido na segunda lei de Newton.
Na verdade, a formulação pessoal de newton era:
Lex II: Mutationem motis proportionalem esse vi motrici impressae, etfieri secundum lineam rectam qua vis illa imprimitur.
Lei II: A mudança de movimento é proporcional à força motora imprimida, e é produzida na direção de linha reta na qual aquela força é imprimida.
Até aqui tudo certo. Os erros começaram depois quando se confundiu a «força de contacto» do impulso, que é instantânea e produtora de movimentos uniformes, com a «força de campo», que é contínua e produtora de movimentos acelerados. Este equívoco constante entre o movimento uniforme de contacto e o acelerado gravítico vai aparecer de forma recorrente na física clássica.
Seu argumento básico é de que um corpo A de massa quatro vezes menor que a de um corpo B, porém caindo de altura quatro vezes maior, ao colidir com o solo, deve ter uma força igual. Galileu e Torricelli já haviam descoberto que as velocidades finais de um corpo em queda livre eram proporcionais à raiz quadrada da altura, e assim o corpo A, quando tocasse o solo, teria uma velocidade apenas duas vezes maior que a do corpo B, o mesmo acontecendo com sua quantidade de movimento. No entanto, a razão entre as velocidades deveria ser de quatro para um, e assim, Leibniz prova que a grandeza que mede o movimento e, portanto a verdadeira medida da força, é a massa vezes o quadrado da velocidade, isto é, mv2, e não mv, como acreditavam os seguidores de Descartes (os novos filósofos a quem Leibniz refere-se). Na argumentação acima, é importante ter-se novamente o entendimento claro de que a força (vis), como causa prima, o impacto como efeito e causa imanente de seu novo efeito expresso na elevação do corpo, devem converter-se inteiramente um no outro, para que este assim retorne à sua altura original. Em seu Essay de Dynamique (Ensaio sobre Dinâmica)9, Leibniz escreve como seu primeiro axioma: (no ciclo completo que começa com a queda e termina com o corpo elevando-se à altura original) A mesma quantidade de força é conservada, ou melhor, o efeito todo é igual à causa total .
(...) A grandeza mv2, nomeada de vis viva, e a quantidade de movimento de Descartes, mv, passaram então a disputar entre si o status de verdadeira medida do movimento e da força de um corpo. A questão foi motivo para grande discussão entre os cartesianos e os leibnizianos e tomou conta de todo círculo científico da época. (...)
Huygens teve, assim, decisiva influência no desenvolvimento das idéias de Leibniz e segundo P. Costabel: Leibniz, tendo não só aprendido há muito, com Huygens que a quantidade de movimento no sentido cartesiano (onde a velocidade é tomada apenas em seu módulo) não é conservada no fenômeno do impacto (...) aprendeu o papel que a elasticidade exerce na explicação das leis de impacto e finalmente entendeu também a conservação da grandeza mv2.
Invention du concept, sous le nom de « force vive ». Il s'oppose à une idée de Descartes qui était que la quantité mv (qu'on appelait à cette époque force motrice ou quantité de mouvement) se conservait dans les chocs, indépendamment des directions du mouvement12. Leibniz écrivit « Il se trouve par la raison et par l’expérience que c’est la force vive absolue [mv2] qui se conserve et nullement la quantité de mouvement » (Essai de dynamique, 1691).
Como f = m*v ≠ m*a = f, a definição moderna de força como f = m*a tem que estar incorrecta e isto foi uma das causas das confusões da física clássica que levou aos equívocos da física moderna.
Se Newton tivesse sido mais rigoroso na definição da força a partir da estática teria então verificado que se a força resultasse do produto pela distância do braço do binário e não podendo o definido constar da definição a força não poderia ser tal que a levasse a ser igual a um binário, que como se viu é uma forma de trabalho. A «força de contacto» não pode ser igual à «força de campo».
Voltando à estática teríamos que se b = w = f*e, então a força seria trabalho dividido pela distância.
Chegados a este ponto temos dificuldade em deduzir da força a partir do trabalho porque a física clássica usa a segunda lei de Newton para relacionar energia com trabalho.
O teorema do trabalho-energia é um teorema da mecânica clássica, segundo o qual, o trabalho mecânico, W, realizado sobre um corpo de massa, M, por uma força é igual a variação da energia cinética do corpo:
A demonstração do teorema trabalho-energia é uma das mais belas da mecânica clássica. Para demonstrá-lo, partimos das definições de velocidade e aceleração e usamos a segunda lei de Newton para, por fim, usar as definições de trabalho e energia cinética.
Ao reflectir sobre o teorema das forças vivas verificamos que novamente se confundem força de contacto com força de campo o que leva a confusões entre energia cinética de força constante (do tipo comum aristotélico) ou gravítica (E = mv2) com energia cinética uniforme onde E = mv, ou seja, igual à quantidade de movimento. Na verdade deveria ter sido intuitivo verificar que a quantidade de movimento é a forma fundamental de energia e esta, uma forma de trabalho instantâneo por impulso.
Sendo assim, acabamos por concluir que, afinal, o momento de um binário é uma forma de quantidade de movimento.
W = m*v = f*e...e então:
F = m*v / e
Como e = v*t e v = a*t teremos:
F = m*v / v*t = m / t onde, para t = 1 teremos f = m,
ou seja, a força mais comum numa alavanca é o peso do corpo!
Na verdade, sempre que por forças dinâmicas a energia dos corpos aumente a energia acumulada de um móvel podemos aceitar como mais lógico que o aumento equivalente da massa não faz sentido, porque realmente esta se mantém igual aos seus componentes elementares bariónicos. O que aumenta de facto é o seu peso, quantidade que sendo proporcional à massa de um corpo sabemos ser variável de acordo com a sua velocidade.
Do mesmo modo verificamos que o cálculo de uma realidade instantânea não ocorre no momento zero, que não existe nem é possível, mas no momento unitário, ou seja, da unidade ou quantum mínimo de acção!
De qualquer modo, só para f. const. = m*a é que a segunda lei de Newton á válida o que só ocorre para um corpo sujeito a um “campo de forças”...ou a uma força constante!
(v) A terceira lei é também chamada de lei da acção e reacção. É importante ressaltar que o par de forcas, correspondente a interacção entre as duas partículas, contém uma força actuando em cada partícula. As duas forças, acção e reacção, nunca podem estar sobre o mesmo corpo. É também importante ressaltar que este par de forcas só ocorre para as forças de interacção, isto e, as forcas fictícias não possuem reacção. Isto mais uma vez confirma a importância da primeira lei. Se o referencial não for inercial, a terceira lei não é valida para todas as forcas que existem no referencial. -- Mecânica newtoniana, lagrangiana e hamiltoniana escrito pelo professor João Barcelos Neto.
As imprecisões dos conceitos newtonianos de força motivaram os problemas tanto dos referenciais de inércia e de aceleração como o das forças fictícias bem como a forma de interpretar estes problemas.
A força fictícia é sempre de sentido oposto ao da aceleração do referencial acelerado: por isso os passageiros são projectados para a frente quando o autocarro trava e para fora quando o autocarro curva.
Em suma: sempre que há aceleração de um sistema tudo se passa como se certas forças adicionais (para além das já conhecidas: gravidade, atrito, ligação, muscular, electromotriz, etc.) actuassem sobre os objectos materiais transportados nesse sistema.
As forças fictícias só ocorrem em corpos transportados e não tem reacção porque elas já são uma reacção à aceleração do corpo motor razão pela qual são “sempre de sentido oposto ao da aceleração do referencial”.
Como corolários implícitos deduzimos que os movimentos circulares são, segundo Descartes, “movimentos impedidos” de forma forçada e por isso sempre situação quase “contra natura”.
A título de curiosidade, o movimento circular para Descartes era também chamado de movimento impedido. Os planetas eram levados em torno de um sol central, através de um fluido denominado vórtex, que impedia que o planeta continuasse se movimentando em linha reta.
Porem, para Newton este movimento era provocado pela ação da força centrípeta. Esta força era dirigida para o centro de curvatura do movimento.
As condições do movimento violento (contra natura) de Aristóteles poderiam, com mais propriedade, ser assim aplicadas aos corpos sujeitos artificialmente ao movimento circular tal como aos que naturalmente são forçados pela gravidade e por todos os campos de forças.
Como qualquer corpo que gira, a terra teria que ser arrastada por algo como a “substancia celeste” porque não passou pela cabeça de Descarte que o sistema Sol / Terra pudesse estar sujeita a um binário qualquer resultante de um desequilíbrio dinâmico no seu “estado natural” por uma causa qualquer específica do sistema planetário.
Porém, e uma vez que tem muito mais do que a necessária para o efeito, emprega a que tem em excesso para girar mais depressa do que a Terra no mesmo sentido, e também faz outros movimentos diferentes para todos os lados; ora, como estes movimentos não podem continuar em linhas tão rectas como aconteceria se a Terra não estivesse no seu caminho, por isso [não só fazem um esforço para a tomar redonda ou esférica, como se disse a respeito das gotas de água, como também esta matéria celeste tem mais força para se afastar do centro à volta do qual gira do que algumas partes da Terra], o que faz com que seja leve em relação a ela.
Como soube este filósofo sem deduzir de outras informações, que a “matéria celeste” tem força “muito mais do que a necessária para o efeito” e depois o resto, tal como “também esta matéria celeste tem mais força para se afastar do centro à volta do qual gira do que algumas partes da Terra], o que faz com que seja leve em relação a ela”? Obviamente que uma vez no vórtice deste racionalismo especulativo delirante, Descartes teria que entrar em órbita!
Se, mesmo com falta de dados empíricos, a física de Descartes tivesse sido argumentada com um sistema rigoroso de provas (se não geométricas e matemáticas pelo menos silogísticas) possivelmente o melhor do seu pensamento teria derrotado o idealismo ingénuo de Newton! No entanto, o papel da matéria celeste no movimento dos astros e na gravidade carecia de uma explicação mais clara que, pela sua semelhança com a substancia extensa e com o espaço, beneficiaria muito mais da matemática e da geometria que foi o que Newton acabou por fazer com muito mais eficácia.
23. É a leveza desta matéria celeste que torna os corpos terrestres pesados.
Há que notar [...] que a força com que a matéria celeste tende a afastar-se do centro da Terra só fará efeito se as partículas que nela se afastam subirem para o lugar de algumas partes terrestres que descem ao mesmo tempo para o lugar delas. Como todo o espaço à volta da Terra está preenchido pela sua matéria ou pela celeste, e como todas as partículas do segundo elemento que constituem as celestes têm força semelhante, não se expulsam mutuamente dos seus lugares. Mas dado que a mesma força não existe na Terra quando alguma das suas partículas se encontra mais afastada do seu centro do que as partes do céu que podem subir no seu lugar, é claro que então devem subir e, consequentemente, fazê-la descer para o seu lugar. Assim, cada um dos corpos que chamamos pesados não é impelido para o centro da Terra por toda a matéria celeste que a circunda, mas apenas pelas partes desta matéria que sobem para o seu lugar quando esta desce; e consequentemente, todas em conjunto são portanto tão volumosas como ele. Por exemplo, se B é um corpo terrestre cujas partículas são mais espessas do que as do ar que o rodeia, de modo que os seus poros contêm menos matéria celeste do que os da porção deste ar que deve subir para o seu lugar caso desça, é evidente que a matéria celeste - que é mais abundante nesta porção do ar do que neste corpo B - tende a afastar-se do centro da Terra e tem força suficiente para fazer com que se aproxime dele [dando-lhe, assim, a qualidade que se chama peso].
De facto, ideia de entender a gravidade como uma mera aplicação do princípio de Arquimedes ao universo é fascinante e tentadora. A matéria celeste faria de super fluido etéreo que actuando constantemente como vis a tergo explicaria a razão pela qual a queda dos graves se dava de forma acelerada.
26. Por que razão os corpos pesados não agem como tais quando se encontram entre os seus semelhantes.
Há que lembrar também que todos estes movimentos são circulares, no sentido já explicado [Parte lI- Art. 33]. Donde se segue que um corpo não pode ser arrastado para baixo pela força do seu peso se outro corpo não subir simultaneamente para ocupar o mesmo espaço, ainda que não seja tão pesado. (..)
É óbvio que Descartes entendia a gravidade como uma questão de pressão e impulsão da “matéria celeste”.
27. Por que razão tendem para o centro da Terra.
Finalmente, observe-se que apesar de as partes do céu se moverem simultaneamente de muitas maneiras, contudo harmonizam-se no equilíbrio e na posição entre si, de tal modo que estendem a sua acção igualmente por todos os lados até onde for possível. Assim, pelo simples facto de a massa da Terra repugnar aos movimentos devido à sua dureza, todas as partes do céu tendem a afastar-se igualmente da sua proximidade, seguindo linhas rectas tiradas do centro, a não ser que haja causas particulares que introduzam qualquer contrariedade. Posso conceber duas ou três destas causas, mas ainda não soube nem pude fazer nenhuma experiência que me certifique se os seus efeitos são sensíveis ou não.
Descartes a respeito da gravidade pensou como se fora já um físico relacional brasileiro dos tempos actuais ao afirmar pelo “simples facto de a massa da Terra repugnar aos movimentos devido à sua dureza, todas as partes do céu tendem a afastar-se igualmente da sua proximidade”...e acabou dizendo pouco mais do que tinha dito Aristóteles e os escolásticos góticos. Nem mesmo o que já tinha sido dito por Galileu mereceu as referências de Descartes. No entanto, irá tentar conseguir o que os newtonianos nunca tentaram sequer: sustentar a mecânica celeste sem forças ocultas actuando à distância!
Podemos suspeitar que Descartes acreditava que o movimento de giro dos astros dependia de um binário rotativo resultante da acção do turbilhão da “matéria celeste” em torno dos astros. Até hoje a “matéria celeste” tarda em ser identificada mas também o ar atmosférico tardou em ser fisicamente comprovado!
49. Entre estas partes redondas deve haver outras mais pequenas que preenchem todo o espaço onde estão.
Mas como não pode haver espaço vazio em recanto algum do universo, e porque as partículas da matéria são redondas, só poderão unir-se estreitamente se não deixarem pequenos intervalos entre elas, e por isso é necessário que estes pequenos intervalos sejam preenchidos por quaisquer outras partes desta matéria, que devem ser extremamente pequenas para mudarem continuamente de figura a fim de se adaptarem à dos locais onde entraram. Assim, devemos pensar que aquilo que sobressai dos ângulos das partes da matéria à medida que se arredondam, friccionando-se umas contra as outras, é tão diminuto e adquire uma tão grande velocidade que a impetuosidade do seu movimento o pode dividir em partes incontáveis, as quais, por não terem espessura nem figura determinadas, preenchem facilmente todos os pequenos intervalos por onde as outras partes da matéria não podem passar.
50. Estas partículas dividem-se facilmente.
É necessário observar que aquilo que sai da fricção das partes da matéria à medida que se arredondam, se toma mais pequeno e por isso movimenta-se mais facilmente e toma-se novamente diminuto [ou divide-se em partes ainda mais pequenas do que aquelas que já têm], pois quanto ma1s pequeno um corpo é mais superfície tem em proporção com a quantidade da matéria, e a grandeza desta superfície faz com que encontre muitos mais corpos que o forçam a mover-se e a dividir-se [ao passo que a sua matéria diminuta faz com que possa resistir menos à sua força]. 51. Estas partículas movem-se mais depressa. Embora aquilo que sai da fricção das partes que se arredondam não possua qualquer movimento, contudo deve mover-se muito mais depressa, pois enquanto seguem por caminhos direitos e abertos obrigam esta raspadura ou poeira entre elas a passar por outras passagens mais estreitas e mais desviadas, pela mesma razão que quando num fole fechado lentamente o ar sai mais depressa se o buraco for estreito. Já demonstrei acima que deve haver necessariamente alguma parte da matéria que se move extremamente depressa e se divide numa infinidade de partículas para que todos os movimentos circulares existentes no mundo se possam fazer sem qualquer rarefacção nem vazio; e não creio que se possa imaginar alguma mais apropriada a este efeito [do que aquela que acabo de descrever].
É evidente que numa época dominada pela alquimia, de cujos malefícios para a saúde nem Newton conseguiu livrar-se, e na ausência de ideias químicas básicas, Descartes só poderia ter feito especulações racionalistas condenadas ao fracasso.
52. Há três elementos principais no mundo visível.
Deste modo, já podemos considerar que encontrámos na matéria duas formas diferente, e que podem ser consideradas como as formas dos dois primeiros elementos do mundo visível. A primeira é que [esta fricção obrigou-a a separar-se das outras partículas da matéria quando se arredondaram e], movendo-se com tanta velocidade que ao encontrar-se com outros corpos a simples força da sua agitação é suficiente para ser friccionada e dividida por eles numa infinidade de partículas, adquirindo tal figura que preenchem sempre e de forma exacta todos os espaços ou pequenos intervalos à volta dos seus corpos. A segunda é a restante matéria, cujas partículas são redondas e pequeníssimas comparadas com os corpos [que vemos na Terra]; apesar de tudo [tem alguma quantidade determinada, de modo que] podem dividir-se noutras mais pequenas. E haverá uma terceira forma nalgumas partes da matéria, isto é, naquelas que devido à sua espessura e figuras não demonstrar que] todos os corpos deste mundo visível se formam de três formas [presentes na matéria] como três elementos diversos, a saber: o Sol e as estrelas fixas têm a forma do primeiro destes elementos, os céus a do segundo, e a Terra, os planetas e os cometas a do terceiro. Uma vez que o Sol e as estrelas fixas nos enviam luz, dando-lhes o céu passagem, e a Terra, os planetas e os cometas [a repelem e] a reflectem, parece-me que tenho alguma razão para me servir destas diferenças - luminosidade ou transparência, opacidade ou obscuridade, que são as principais que podem relacionar-se com o sentido da visão para distinguir os três elementos deste mundo visível.
Assim, começamos a duvidar que tenha sido apenas o excesso de tanta especulação gratuita, de que não se aproveita mais do que a vaga ideia, que só actualmente se poderia fazer com o conhecimento que se tem das partículas subatómicas, que terá feito desanimar os espíritos agitados do iluminismo francês a seguir o seu discurso palavroso e a optarem pelo discurso pragmáticos e matematicamente claro de Newton.
15. As principais acções mediante as quais estes corpos se produziram. A explicação da primeira {sobre o movimento geral das esferas celestes].
A primeira consiste no movimento em geral das partículas da matéria celeste; a segunda [naquilo que se chama] o movimento; a terceira, na luz; e a quarta, no calor. Pelo movimento das partículas da matéria celeste geralmente entendo a sua agitação contínua, que é tão grande que não só é suficiente para o fazer dar uma grande volta anual em redor do Sol e outra diária à volta da Terra, mas também para as pôr em movimento de muitas outras maneiras. Ora, quando adquirem o seu trajecto para qualquer lado prosseguem sempre o mais possível em linha recta, e por isso ao misturarem-se com as partículas do terceiro elemento (que constituem todos os corpos desta região mais elevada da Terra) produzem muitos efeitos. Anotarei de seguida os três principais.
16. O primeiro efeito desta primeira acção, que é tornar os corpos transparentes. (...)
31. Por que razão o calor habitualmente dilata os corpos onde se encontra. Finalmente, deve observar-se que esta agitação das partículas dos corpos terrestres está na origem de ocuparem mais espaço do que quando em repouso ou quando menos agitadas. A razão disto deve-se ao facto de terem figuras irregulares, podendo ser melhor arrumadas ao lado umas das outras quando conservam a mesma posição do que quando o seu movimento as altera. Donde se segue que o calor torna todos os corpos terrestres rarefeitos - uns mais do que outros - de acordo com a diversidade de figuras e a organização das partículas. [Assim, pode condensar alguns, porque as partículas se organizam melhor e se aproximam mais umas das outras, quer sejam agitadas ou não, como se disse a respeito do gelo e da neve nos Meteoros].
Por tanto, se alguém se atrever a dizer que Descartes não tinha pensado em tudo, a respeito da objecção mais óbvia de que um mundo de partículas esféricas é geométrica e necessariamente impossível sem espaços vazios entre as esferas, engana-se porque o filósofo deixou previsto que a grande agitação do calor que dilata os corpos impede a objecção de uma aumento potencial do vazio porque previu especulativamente que isso se deve “ao facto de terem figuras irregulares, podendo ser melhor arrumadas ao lado umas das outras quando conservam a mesma posição do que quando o seu movimento as altera”. Supomos mesmo que Descartes se limitou a usar a tradição dos pitagóricos que postulavam por inspiração mística que o calor do fogo era ardente por ser feito de espículos de matéria celeste na forma de tetraedros, senão mesmo outras figuras irregulares.
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Mas não há nada na especulação de Descartes que leve a supor que o módulo fractal das esferas corpusculares de tamanhos progressivamente quase nulos por causa dos movimentos circulares necessariamente ultra-rápidos do vórtice da matéria celeste ou outra não se repita ad infinitum. Pelo contrário, o postulado das “figuras irregulares” é manifestamente forçado e usado como Deus ex máquina para salvar a impossibilidade do vazio entre os espaços esferulares tanto mais que no mundo sensível o modelo da esfericidade só ocorre nos leitos dos rios onde a esfericidade se estende a todos os tamanhos sendo as “figuras irregulares” de regra a todos os níveis de tamanho nos depósitos sedimentares sujeitos a menor erosão. Em qualquer dos casos a natureza não nos manifesta exemplos analógicos onde elementos de “figuras irregulares” sirvam como meios de ligação excepto talvez como modo intencional na arquitectura de pedra lascada!
Com figuras irregulares ou não, é duvidoso que se possa aceitar a divisibilidade da matéria sem uma qualquer ideia de vazio. Desde logo o vazio relativo a qualquer coisa em concreto no sentido de que um açafate de cerejas fica vazio quando todas as cerejas são comidas mas que no entanto fica cheio de ar! Depois porque num preenchimento de espaço extensivo, que seria o mais próximo da racionalidade, por materiais de construção numa pavimentação ou num muro, tende a usar-se “figuras regulares” que não esféricas como era o caso das pirâmides de Gizé onde os blocos paralelepípedos eram justapostos de modo tal que seria quase impossível uma folha de papiro passar entre eles. Tentar fazer o mesmo com esfera é quase como tentar a quadratura do círculo para ultrapassar a irracionalidade e transcendência do pi (P)!
A este propósito e postulando por força da eternidade do movimento uma tendência para a esfericidade da matéria poderíamos tentar saber qual a relação entre o pleno esférico e o vazio relativo extra esférico pelo cálculo simples da relação de volumes entre um cubo das coordenadas espaciais e uma esfera nele inscrito.
Para a = 1
Vazio relativo = a3 – 4/3 pr3 = 1 – 1/6*p » 1 – 0,523 » 0,48.
Además, ¿cómo explicarán el hecho de que los cuerpos pesados se desplacen hacia abajo? Y parece claro que, si cuanto más raro y vacío es un cuerpo tanto más es desplazado hacia arriba, si hubiese un vacío absoluto se desplazaría a máxima velocidad. Pero parece en tal caso que es imposible que se mueva; y la razón es la misma: así como en el vacío todas las cosas son inmóviles, así también el vacío es inmóvil, ya que si se moviera la velocidad sería inconmensurable.
Um dos argumentos usados por Aristóteles contra a existência do vácuo é o seguinte: segundo a observação, a velocidade de queda de um corpo depende da densidade do meio em que ele cai; e quanto menor a densidade, mais rápido é o movimento de queda. Portanto, no espaço vazio (densidade zero) não há nada que se oponha à queda do corpo, o que nos leva a concluir que o corpo teria velocidade infinita em tal situação. E um corpo com velocidade infinita estaria em todos os pontos da trajetória ao mesmo tempo, o que é impossível.
Leibniz s'opposa à Isaac Newton au sujet de l'espace absolu que définit ce dernier. « J’ai marqué plus d’une fois que je tenais l’espace pour quelque chose de purement relatif, comme le temps ; pour un ordre de coexistences comme le temps est un ordre de successions… Je ne crois pas qu’il y ait aucun espace sans matière. Les expériences qu’on appelle du vide, n’excluent qu’une matière grossière17. »
Assim, parece que por meras razões matemáticas ligadas à força do movimento e do p,  o rácio entre o pleno e o vazio seria quase metade por metade, com ligeira vantagem do cheio!
Obviamente que a relação entre o cheio e o vazio são irremediavelmente relacionais, relativos e de acordo com o contexto e a perspectiva do observador e, por isso, o contingente é conjuntural e deverá depender das situações em análise mas seguramente que estamos perante uma metafísica que só pode ser superada não por uma física pós moderna, que de relacional deverá ter pouco, mas pelo paradigma ou pensamento sistémico prevista na teoria geral dos sistemas.
A ciência do século passado adoptava a mecânica clássica como modelo do pensamento científico. Isso equivale a pensar nas coisas como mecanismos e sistemas fechados. A ciência de nossos dias adopta o organismo vivo como modelo, o que equivale a pensar em sistemas abertos. (...)
Sistema pode ser definido como um conjunto de elementos interdependentes que interagem com objectivos comuns formando um todo, e onde cada um dos elementos componentes comporta-se, por sua vez, como um sistema cujo resultado é maior do que o resultado que as unidades poderiam ter se funcionassem independentemente.(...)
Mas para entender a visão sistémica, primeiro precisamos delinear as principais características de um sistema, dentre as quais podemos citar:
Um sistema é composto por partes.
Todas as partes de um sistema devem se relacionar de forma directa ou indirecta.
Um sistema é limitado pelo ponto de vista do observador ou um grupo de observadores.
Um sistema pode abrigar outro sistema.
Um sistema é vinculado ao tempo e espaço.
Evidentemente que, contrariamente aos puristas de todas as teorias a racionalidade manda que sempre que possível se mantenha a simplicidade, coerência e congruência da teoria, a objectividade e realismo de análise e a estabilidade racional das invariâncias de pensamento procurando, sempre que possível, repor velhos caminhos supostamente perdidos, mas sempre renovados e repetidos.

«Só se lembra dos caminhos velhos
Quem tem saudades da terra».

No caso específico da física, esta precisa sobretudo de introduzir no seu seio a velha ideia do “campo de acção” física, enquanto extensão do antigo “meio ambiente” das Ciências Naturais, ainda presente na rex extensa de Descartes.





[1] La présence de la roue d'Ezéchiel indique qu'il s'agit bien du séjour du créateur, et non du ciel de feu d'Aristote.
[2] Dans le livre de Flammarion, l'image comporte une légende: «Un missionnaire du Moyen Âge raconte qu'il avait trouvé le point où le ciel et la Terre se touchent ...». En regard, le texte suivant accompagne l'image: «Qu'y a-t-il, alors, dans ce ciel bleu, qui existe certainement, et qui nous voile les étoiles durant le jour?».
[3] http://m.sb-10.com/biolog/8992/index.html?page=92