terça-feira, 4 de dezembro de 2012

ATENAS, UMA DAS GORGÓNIAS, por Artur Felisberto



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Figura 1: Atena com o seu Egis de serpentes e a caraça duma gorgónia assiste à luta de Hércules e Apolo pela posse do trípode de Delos. Como «quem não quer ser lobo não lhe veste a pele», esta postura de Atena tem muito de psicanalítico e mascara mal os antecedentes cretenses desta deusa.
A relação de Atena com as Gorgona, tanto no plano etimológico da nomenclatura como no da iconografia do seu Egis, um «peitoral de cobras» entrelaçadas como malhas de cota de ferro, como no das vicissitudes da mitologia são de tal modo constantes e flagrantes que é quase inevitável não suspeitar que Atena tenha sido uma delas. Senão a Medusa pelo menos Stheno.
Como um outro epíteto de Atena era Sthenias (strong) é quase certo que esta foi a gorgona Stheno (Might) irmã de Euryale (Wide Flowing Sea).
 

Como um outro epíteto de Atena era Sthenias (strong) é quase certo que esta foi a gorgona Stheno (Might) irmã de Euryale (Wide Flowing Sea).

Não deixa de ser interessante que o termo «extenuante».

«Extenuante» < It. Estenuante < lat. extenuans, -antis, < extenuo, -are.

< ex- (prefixo intensificador) + tenuō

(“enfraquecer, desgastar; diminuir, reduzir; tornar fino”).

< proto-itálico *tenwis, do proto-indo-europeu *ténhus (“fino”).

Cognato com sânscrito तनु (tanú), grego antigo τανύω (tanúō), inglês antigo þynne (de onde o inglês thin).

É obvio que esta etimologia simplória explica mal como se tenha passado do que é «ténue» e fraco ao que e torna poderoso Stheno e Sthenias (forte). A verdade é que o fio esticado pela tensão do arco de flechas se torna fino como uma cobra tensa mas tal semiologia é mais derivativa do que causal. Sendo assim é quase seguro que a real etimologia de Stheno / Sthenias vem do nome do deus hitita do sol que era Estano de que derivou por hipercorrecção o termo latino extenuo.

 

Stheno (Might) < Seth-An ó Ki-at-Ana ó Ishtan < At-an > Atena.
Euryale (Wide Flowing Sea) < Ary Are < Herkali.
Neste caso Atena acompanha a tradição síria que fazia de Anat uma mera variante de Ishtar/Astoret o que reforça a ideia de que Atena deixou de ser Afrodite por estranha confusão mítica relacionada seguramente com uma traumática perversão na tradição doutrinária a quando da passagem dos centros de poder ideológicos de Creta para a Hélade. O mito de Perseu deve ser uma das comprovações de que terão havido graves conflitos políticos entre Creta e Atena ao ponto de Atena ter acabado por mandar matar, no plano mítico, a mãe pátria com uma sangrenta guerra de secessão. Deste trauma reformulado simbolicamente resultou o mistério que fez com que Atena acabasse incorporando a mãe, vestindo os seus atributos, poderes e funções, ou seja, tornando-se uma medusa sublimada, tão estéril quanto virgem, tão bruxa quanto sábia e má quanto, guerreira.
Quanto ao epíteto de Atena Gorgopi, “de rosto severo”, que parece ser literalmente sinónimo de «olhos de Gorgonas», é correlativo do mesmo equivoco semântico que levou ao nome Gorgofona, ou seja, a que fala, e mata, como Gorgona, tem que estar relacionado com mito das Gorgonas!
Furthermore, Dionysius was bull-headed (tauropos), and as Schliemann concludes, from certain idols found at Ilios, that glaucopis Athena does not mean blue-eyed, but owl-headed, we may infer that she was a totem goddess of a savage tribe, whose women had the habits of Amazons, and who recognised the owl for its ancestor. -- Paul Lafarge.
Grec. glaux = «coruja».
Esta ave era também denominada skôps por causa dos seus olhos vigilantes na escura noite. A palavra lusa «coruja» parece não ter etimologia segura!
«Coruja»  = • s. f. ave nocturna de rapina; • (fig.) mulher velha e feia;
«Mocho» • (Lat. murculu ou mutilu), s. m. (Ornit.) ave de rapina nocturna muito vulgar em Portugal;
Ao grupo das aves agoirentas pertenceria também o «corvo» pois este teve nome grego de coronis. Ora, Coronis foi mãe de Asclépio e muitos gregos consideravam que esta não era senão Atena, por ser este um seu epíteto, coisa que os atenienses negaram sempre por causa da virgindade perpétua da sua patrona[1]. Aceitando que a taxinomia do «mocho» seria confundida pelos antigos com a da «coruja» podemos aceitar que a coruja e o corvo seriam as duas aves agoirentas de Atena enquanto sobrevivência ática da grande deusa mãe (feia e velha) da morte e da noite!
«Coruja» < Kor-usha
«Corvo» < Kor-| wio < kiko > isho | Kor-isho.
Grec. Glaux < | Gla < Kra < Kaur < Kor | -ush < kor-ush.
Kor era a filha de Demeter (literalmente a deusa mãe de Ter / Ker), ou seja Persefone.
Atena teve também o epíteto Kor, ou seja, a virgem negra como Ker, tal como foi também Coronis, a Sr.ª do corvo, e Niquete, a virgem alada do génio da vitória. Obviamente que a verdade estará sempre no meio-termo.
Atena Glaucoris significará apenas e tão-somente a dos olhos de coruja, seguramente por ser este o animal totémico de Atena e por ser esta uma ave nocturna como foi primordialmente Atena a deusa mãe da Noite primordial.
Gorgona < Kar Cona, literalmente a deusas do sexo feminino, de Kar <
Karkauna < Kar Ki Ana.
No entanto, a conotação de olhar severo que este epíteto concede a Atena só pode ter tido uma conotação mítica posterior e revela, como é suspeito, que Atena fosse ela mesma uma das Gorgónia. Como estas seriam inicialmente belíssimas donzelas, o significado de deusa de olhos glaucos não lhe fica despropositado.
Neste caso, teria sido também esposa do deus supremo da guerra, que aliás era o deus dos mares chamado outrora Nereu na tradição grega, mas que teria sido An Horus (> Urano) nos tempos minóicos, o mesmo que assim ficou na tradição Egípcia onde teria sido o deus minóico e estrangeiro Seth/Nefis esposo de Neftis, e, por ser Enki,  deus da «vida eterna» (egit. Ankh) e da sabedoria como Atena era, ou seja, a que fala pela «boca de Kar» pois, Kar e Enki eram o mesmo deus.
Dito de outro modo, o mito das Gorgonas é uma variante deturpada de arcaicos cultos das deusas mães do fogo telúrico e da morte «dos campos santos», atestado por este epíteto de Atenas que foi também chamada por isso de Gorgofona.
Before taking up her habitation in the towns, and dwelling in the temples, Athena had climbed the mountain-tops, and lived in caves, in attestation whereof we have her epithet Agraulos, wild, rustic, and the Orphic hymn. She was then “the goddess who strikes doubt and terror into the souls of men”; she resembled the Eumenides, these antique goddesses who, later on, were to choose her for umpire in their quarrel with Apollo, the new god, who violated the ancient usages. (Æschylus, Eumenides). Zeus and the gods of the new Olympus had had for predecessors other divinities that successively had been dethroned and consigned to inferior functions or simply suppressed. The savage Athena and the Eumenides belonged to those antique divinities that had been compelled to submit to Zeus. – Paul Lafarge
Em qualquer dos casos Atena está relacionada com as deusas dos cabelos desgrenhados, como serpentes, pelo mito de Perseu. O facto Atena, a deusa das tácticas por causa da sua particular destreza no manejo da arma do pensamento, ter pensado no usado do seu escudo luzidio como espelho deixa algumas suspeitas psicanalíticas no ar! Desde logo o espelho enquanto alegoria da reflexão especulativa. Depois fica-nos a impressão de que Atena usaria o seu escudo de metal polido para se mirar. Não será de estranhar que tenha sido Afrodite a casar com Hefesto, o deus ferreiro, e tenha sido Atena a ficar-lhe com o apelido de Hefaistiana?
Perhaps the most novel explanation of Athena's birth was that offered by Immanuel Velikovsky, who saw in the myth an ancient cataclysm associated with the planet Jupiter (Zeus), one in which the planet Venus (Athena) was born from the giant planet in comet-like form. Velikovsky's thesis, presented in 1950 in the book Worlds in Collision, inspired an extensive and often vitriolic debate, one which shows little sign of abating.(...)
In order to understand the myth of the warring goddess it is necessary to answer the following question: Against whom or what is the goddess' belligerence directed? This question, rarely asked, is directly related to another: Was the goddess associated with war simply because she was favored by a war-like people? Or does the goddess' bellicose character stem from her participation in a particular war, a particular event(s) in time? The wealth of evidence bearing on this issue supports the latter interpretation.
Na verdade, tudo aponta para que Afrodite, tal como Atena, seja uma evolução clássica do nome e de parte das funções essenciais da deusa mãe cretense das cobras mas, no caso da deusa do amor, à escala helénica. Na verdade o manejo das cobras, símbolo universal de sensualidade, não poderia deixar de fazer parte da panóplia de sugestões sexuais das deusas do amor e da sedução.
Da relação de Afrodite (< *An-Kur-Kika) com o fogo dos infernos das paixões nada mais há a acrescentar que não esteja na etimologia do nome e na tradição do mito de Innana que, como se viu, foi repetido com Perséfone, a filha de Deméter.
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Figura 2: Uma das representações clássicas da cabeça de Medusa.
Algol, the "Demon Star", the most famous of the eclipsing variables. Magnitude 2.15 (variable); Spectrum B8 V; Position 03049n4046. The name is from the Arabic Al Ra's al Ghul, "The Demon's Head". To the writers of classical times the star represented the head of Medusa held by Perseus in the mythological outline of the constellation.
This is the gorgoneum Caput of Vitrivius and the Caput Gorgonis of Hyginus; Minilius, in the days of Augustus, called it Gorgonis Ora. The Hebrews, according to R.H. Allen, knew the star is Rosh ha Satan or "Satan's Head", but in some other traditions it is identified with the mysterious and sinister Lilith, the legendary first wife of Adam. On 17th Century maps the star often appears with the label Caput Larvae, "The Spectre's Head". Ancient and medieval astrologers considered Algol the most dangerous and unfortunate star in the heavens, which seems to suggest that its strange variability might have been noticed in antiquity; this reasonable conjecture, however, remains unsupported by any other real evidence.
Algol < Hargol < *Gargul (> «gárgula») -Ur + Na => Gorgona!
                             *Gargul  < Karkul < *Kur-Kur > Herragal
> Hergala, lit. esposa de Hércules ó Her(-esh-Ki-)gal
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Figura 3: Perseu depois de degolar a Medusa!
«Gargarejar» < Lat. gar-gar-izare < Gr. gar-gar-izeîn), v. tr. e int. agitar um líquido na «garganta» < do tema onomat. garg. (???), s. f., onom. a parte anterior do pescoço, no fundo da boca, onde estão situadas a faringe e a laringe;
«Gárg-ula» < do tema onomat. garg. (???), s. f. bica saliente nos beirais dos telhados, pela qual as águas pluviais caem distanciadas das paredes dos edifícios.
«Es-gar» = careta de escárnio; • trejeito de rosto; • momice.
«Es-Ganar» < (de «gana»?), v. tr. matar por sufocação.
«Gana» < (Cast. gana ?, m. s.), s. f. grande desejo, grande vontade, ânsia.
«Ganacha» < (It. ganascia, maxila), s. f. maxila inferior do cavalo.
Gargle 1520s, from M. Fr. gargouiller "to gurgle, bubble" (14c.), from O. Fr. gargole "throat, waterspout," perhaps from garg-, imitative of throat sounds, + *goule, dialect word for "mouth," from L. gula "throat." Related: Gargled; gargling. The earlier, native, form of the word was M. E. gargarize (early 15c.).
É óbvio que a maioria da etimologia clássica é pura fantasia de académicos que raramente saem a rua para ouvir as pessoas…e sobretudo lerem-se uns aos outros. De facto, por mais onomatopaico que seja o som dos «gargarejos» e «gorgolejos» a verdade é que o grego antigo já os ouvia assim no verbo gar-gar-izeîn e parece ser também óbvio que é deste som que derivam termos como «goela» e «garganta». No entanto, a onomatopeia não fixa de forma intuitiva, universal e constante a semântica das palavras, nem sequer das suas raízes que no caso seria mais gar-gar- que garg- o que leva a pressupor que a onomatopeia é apenas um ponto de partida que só cria palavras na medida em que esta sugere relações conotativas com realidades mais gerais e míticas que virão a ser o verdadeiro suporte de fixação semântica.
Assim a forma simples da «real gana» derivaria do desejo que nasce na «garganta» com a fome e a sede o que leva a suspeitar que a raiz gan- de «gana» e «ganacha» teria sido uma forma elíptica comum mediterrânica da «goela» e da «garganta» relacionada com Gu, o deus dos Guanches e dos rios e das águas doces que saciavam a «gana» de beber água fresca.
Gu ó Gua (> L. gu-la > «go-ela») ó Guan ó Gana > «ganacha» < «esganar».
Mas pelo meio deste périplo etimológico ficaria o «esgar» maléfico das gorgónias que parecem pouco ou nada deverem às «goelas» a não ser pela via da morte de uma delas, a Medusa, às mãos de Perseu ao serem por ele «degoladas».
«Tagarela» = pessoa muito faladora e indiscreta < Ta-| < gargla < Gar-Gula |
< Te Gárgura um dos possíveis nomes de Medusa!
Pela mera comparação das traduções do epíteto árabe Al Ra's al Ghul (= «cabeça do demónio») e judeu Rosh ha Satan (= cabeça de Satan) ficamos a saber que a conotação demoníaca era implícita ao nome das gorgonas desde muito cedo, seguramente por estarem relacionadas com a deusa mãe Hereshkigal enquanto “rainha dos infernos”! O mito da decida de Ishtar aos infernos não é senão uma forma complicada de dar a volta ao complexo mítico que permitia entender a Lua como deusa mãe que tanto era Sr.ª do céu diurno como do nocturno em resultado da evidência astronómica de que, se o sol nunca parece à noite a lua pode aparecer de dia!
Caput Larvae, a deusa que deu nome às «larvas» dos cadáveres e que seriam as crisálidas de que ressuscitariam as almas dos mortos!

Ver: VENUS / ACCA LARENTIA (***)

Vitrivius < Wi-Triv < Ki-Trivia = Ki(An) | < Thi-An < Diana | Tivia.
Caput of Vitrivius (relativo a Diana Trivia???) = Caput Gorgonis, o que implica que a relação linguística entre a cultura latina e grega no que respeita às gorgonas teria sido que *Vitrivius = Gorgonas, tendo, no caso da cultura latina, Diana por implícita a relação lunar.
Ora, Satan < *Ish-tan < *Ki-at-an, a «cobra da terra mãe
<= Saturno < *Kaphurano, o supremo deus «cabrão» da época dourada do império minoico < *Ki-At-Uran > Iscuran
=> Kurki-Ana, esposa de *Kaphurano > Gurganu > Gorgaun > Gorgonas!
Nagini < naki(ura)ni < *Ana-Kur-Ana, lit. a divina cobra mãe do crescente lunar que ia de céu a céu com o deus menino solar no ventre!
Quanto a Artemisa, a sua estátua de Éfeso, de deusa coroada de morcegos, já deixava antever a sua relação cavernícula e, por isso, infernal com o universo telúrico da luxuriante e agressiva fecundidade das deusa mães da Natureza que Artemisa de Éfeso ainda sugere na profusão de animais que lhe adornam as vestes mas, digamos que mais numa postura de regresso feliz duma farta caçada!
Figura 4: Nagini. India, state of Bihar, ca. 100. Gray terra-cotta. Lent by the collection of Anupam and Rajika Puri.
Despite its diminutive size, the image conveys a striking impression of strength and immensity. The two serpents that casually wind themselves around the body of this superb, although partly damaged, terra-cotta figure suggest her affiliation with semidivine serpent beings, the nagas and naginis.
The exact identity of this serpent-related deity is difficult to establish. She seems to be an early prototype of a snake goddess and might be a protective deity invoked for protection again snakes as also against evil and poisons of other kinds.
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Que se trata de uma deusa mãe revela-o a presença tutelar do leão à sua direita. Que esta Deusa Mãe das cobras se manifesta numa das suas facetas de caçadora é mais do que evidente na sua postura mais de cadela de caça com a língua de fora a salivar-se gulosa e expectante sob o cheiro a sangue e carne crua da próxima caçada do que agressiva e ameaçadora pois quase que semi acocorada chega a ser burlesca!
Aspecto e postura desta deusa, particularmente o cinto de cobras, são em tudo semelhante à representação da deusa mãe no frontão oeste do templo de Artemisa em Corfu, o que não pode deixar de ser uma informação subliminar de que estamos diante da Sr.ª do «Poente» a Deusa mãe lunar da noite e da morte! Como o templo era de Artemisa devemos entender que a divina Medusa era ainda encarada pelos gregos arcaicos como sendo a deusa o lado escuro da lua, seguramente a mais evidente e universal das deusas mães primordiais, e esposa e mãe do sol!


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Figura 5: Medusa, uma das Gorgonas, deusa da Ira total e deusa mãe por ser leonina.
In some traditions she was a serpent goddess of the Libyan Amazons and represented female wisdom. In others she was an Anatolian Sun Goddess. Medusa is identical with the Crone or Destroyer aspect of the dark Egyptian goddess Nieth; she was also one member of the triple personae of the North African goddess An-Ath. When that goddess was imported by the Greeks as patroness of Athens, Medusa's fierce visage was embossed on Athena 's shield. That her wrath turned men to stone may be a folk memory of the theft of wise woman culture by the patriarchy.
An allomorph of Kali, this image with her sword and lion guards the goddess temple at Corfu. -- page created by Tom Laudeman for JBL.  Copyright1996.
Deméter, Artemisa e Atena eram assim variantes evolutivas da deusa triforme que foi Hecate e Diana Lucina. No caso das Gorgonas gregas pode subentender-se ter sido a deusa Artemisa, nas suas variantes mais telúricas e arcaicas, a deusa do panteão olímpico que escondia nos seus ritos secretos a tradição infernal da Deusa mãe. Porém, ao lado pacífico e maternal de deusa das mil mamas sobrepõem-se os aspectos agressivos das arcaicas deusas da caça em postura predadoras como era o caso de Kali.
Ora, ao ver na Figura 6 uma representação de Medusa num frontão dum templo de Artemisa ficamos pasmados com a sua semelhança com representações de Kali. Claro que as Gorgonas eram Amazonas, ou seja as filhas da deusa mãe Tiamat que acompanhavam os exércitos de Kar. Como deusa do fogo Tiamat era afinal Ceto sem dúvida esposa de seu irmão Phorcys.
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Figura 6: Reconstituição[2] do frontão oeste do templo de Artemisa em Corfu.
Sendo guerreiras e caçadoras eram divas ferozes e, porque, com a evolução cultural da história e da cultura humana, esta faceta da deusa mãe se tenha tornado pouco consentâneo com a maternidade, tais posturas guerreiras acabaram por parecer pouco femininas, quiçá caricatas e, assim, com um pouco de exagero por parte de sacerdotes rivais dos cultos telúricos e ancestrais da deusa mãe, as Gorgonas, que foram inicialmente belas, particularmente no caso de Medusa, acabaram por ser consideradas feiticeiras horrendas e maléficas.
No capitulo sobre os deuses do fogo esta relação ambígua entre a deusa mãe de que Atena teria herdade a parte hefaística dos poderes do fogo e a faceta negativa das Gorgonas é referida como sendo suspeita de encobrir, de forma mítica, antigas rivalidades entre os micénicos da jónia e os cretenses, onde o cultos ofídios da deusa mãe eram preponderantes, e que as invasões dóricas só vieram agravar.
Quem se espanta com a omnipresença de deusas das cobras nos achados cretenses na arqueologia cretense e Egeia anda distraído no que respeita à iconografia divina pré-clássica onde a presença de cobras sagradas é uma monótona constância mesmo entre os deuses olímpicos. De facto nem Zeus escapa a uma morfologia ofídia ele que terá sido «a ave-do-paraíso», a Fénix que deu origem ao mito ameríndio da «cobra emplumada» mas que no período clássico já tinha sido paternalisticamente sublimada e transformado numa águia! No entanto, de vez em quando Zeus metamorfoseava-se em Cisne, que com o seu colo reptilíneo era seguramente como o pelicano e o Benu Egípcio um símbolo arquétipo do sol alado, a serpente emplumada dos ameríndios!

Ver: MEDUSA (***) & SR.ª DA SAUDE (***) & KALI (***)


[1] Esta teimosia veio a redundar na virgindade perpétua da virgem Maria inicialmente proposta pelos cristãos ortodoxos.

[2] Manipulação cibernética a partir de fotografias de reconstrução arqueológica do museu de Corfu e de desenho das mesmas ruínas de autor desconhecido.

NUMÂNCIA (In Nomine Dei), por artur felisberto

 

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Mitemologia racional

 

(Estudo comparado da nomenclatura, etimologia & fenomenologia mítica)

 

 

 

 

 

 

 

                                por, Arturjotaef

 

 

Numância foi uma antiga cidade da Península Ibérica, a 7 km norte de Sória, na povoação de Garray, situada nas margens do Rio Douro. 

Fundada no início do século III a.C., e habitada pelos aravecos, um povo Celtibero, foi destruída pelas tropas romanas de Cipião Emiliano em 133 a.C., após um cerco de 11 meses que pôs fim a uma feroz resistência de 20 anos aos invasores. Emiliano, para quebrar a tenaz persistência de Numância, utilizou uma técnica de cruel paciência, construíndo um cerco amuralhado em torno da colina de Numância, levando os seus habitantes à inanição e ao desespero. Ao fim de 11 meses, os Numantinos decidiram pôr cobro à sua vida suicidando-se em massa. A povoação tornou-se então um símbolo da luta contra os romanos e hoje em dia é um monumento nacional espanhol.

No extremo ocidental da península existe uma cidade lusitana de nome actual «Numão».

Entre uma e outra não há relação segura senão na sonoridade do nome. No entanto, muito autores, contra todas as evidências históricas e arqueológicas quiseram ver Numância em Numão, um local por sinal de forte penetração romana mas que teria sido anteriormente habitada por lusitanos acastelados no monte do «castelo velho» de Freixo de Numão.

Na realidade trata-se de um sítio arqueológico, constituído pelos vestígios do que se acredita possa ter sido um castro pré-histórico. Implantado no alto de um esporão de xisto, aproveitando as condições naturais de defesa, é actualmente considerado um dos mais importantes povoados do Noroeste da península Ibérica.

Castelo Velho de Freixo de Numão é um sítio arqueológico muralhado do Calcolítico e da Idade do Bronze, que terá sido utilizado entre cerca de 3000 e 1500 a.C., provavelmente de forma contínua. Tradicionalmente classificado como um «povoado fortificado», em xisto, com muralhas e outras estruturas de pedra, é um dos poucos sítios muralhados desta época no Norte da Península e, ao que se sabe, seria habitado por uma elite que teria à sua guarda os bens e estruturas que ali se conservariam, como relíquias (por exemplo, ossos humanos), bens de ostentação e mesmo de consumo, provavelmente relacionados com determinadas cerimónias.

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Figura 1: Estância neolítica do «castelo velho» de Numão.

Obviamente que com o tempo se irá provar que o «castelo velho» de Numão não será o único, que se trata dum complexo religioso da época minóica que teria sobrevivido ao declínio desta civilização no século XVI a. C. e entrado em declínio com o fenómeno dos povos do mar no século XVIII a. C. mas resistido até época romana que construiu o castelo de Numão relegando este para o papel de “castelo velho” na tradição popular que definitivamente o abandonou a troco do romano porque à época do cristianismo já não seria utilizado pois que teria sido substituído por um culto cristão como no caso do monte da Sr.ª do Viso em Custóias e o monte de Samartinho em Seixas.

No entanto, o “castelo velho” entre Seixas e Numão seria naturalmente o local da velha «Numão».

 

Ver: CONIMBRIGA/AEMINIUM (***)

 

De qualquer modo a tese de que Numão possa ter sido uma forma abreviada de Numância não fica prejudicada, pois, pelo contrário, reforça tal possibilidade!

Hübner publicou, em CIL II 430, a seguinte inscrição que se acharia gravada num penedo em Freixo de Numão:

IVNO / VEAMVAEARVM / TARBOVMAN / CNVNARVM / SACRVM / CIRI / CVR (...)

A inscrição não é fácil de interpretar. Ainda recentemente, A. N. Sá Coixão e José d’Encarnação (1998, p. 83) a republicaram da seguinte forma: IVNO VEAMVRERVM TARBORVM NA CNVARVM / SACRVM CIR CVR. E acrescentaram: “Seria, muito provavelmente, a consagração ao Génio feminino (Juno) de um povo ou de um lugar”. Também M.ª Lourdes Albertos (1985, p. 504) considerou hipotética qualquer interpretação.

Numa primeira tentativa de entender CIL II 430, proporemos a leitura:

IVNOVE AMVAEARVM TARBOVMA NCNVNARVM / SACRVM / CIRI / CVR

IVNONE AMNAEARVM TARBOVMA NONVNARVM / SACRVM / CIRI / CVR

Na nossa hipótese, a inscrição teria sido consagrada não só a Iuno, mas também a uma divindade Tarbouma, Tarboumia, Tarbouna ou Tarbounia. As nossas dúvidas quanto à restituição do teónimo vêm do nexo (que Hübner tentou reproduzir, vid. CIL II 430). Tarbouma poderá ser a forma mais credível (Corominas, 1976, p. 376).

Quanto ao suposto etnónimo que se seguiria a Tarbouma (e não podemos esquecer-nos de que dativos em -a em vez de -ae estão epigraficamente atestados), a sequência -NCN- parece inaceitável. Não deveremos supor NONVNARVM? Ou, mais uma vez admitindo um nexo, NOMVNARVM? Tarbouma seria a divindade protectora de um castellum ou vicus Nonuna ou Nomuna, cujos habitantes seriam os Nonunae ou Nomunae. Mas, mais uma vez admitindo nexos que teriam perturbado Viterbo, não estaria gravado na pedra o nome Nomanarum em vez de Nonunarum ou Nomunarum?

Além das ligaturas, traços já apagados pela erosão ou riscos naturais tomados por gravações intencionais poderiam ter induzido Viterbo em erro. Ora, se a forma mais antiga documentalmente atestada de Numão é Nauman (em PMH, DC.,n.º 81, do ano de 960), posteriormente encontra-se a forma Noman. Nauman será hipercorrecção?

Mas também podemos admitir, na época romana, um castellum ou vicus Naumana, com uma pronúncia que teria levado o gravador da inscrição a escrever Nomanarum em vez de Naumanarum.

Será que este castellum ou vicus Naumana ou Nomana coincidiria com a actual vila de Numão?

Deixando para outro lugar a discussão deste problema, apresentaremos segunda hipótese de interpretação da epígrafe:

IVNO / VEAMNIAEARVM (ou VEAMINIAEARVM) / TARBOVMA N/OMANARVM /

SACRVM / CIRI / CVR

(1985, p. 504). Notas de arqueologia, epigrafia e toponímia – II Jorge de Alarcão 211 REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia.volume 7.número 2.2004, p.193-216

Sem que seja necessário corrigir sempre os textos, que obviamente andaram tanto mais mal escritos quanto mais analfabetos foram os pedreiros que inscreveram as lápides, há sempre a hipótese de o nome de Numão ter tido a variante NONVNA ó MONVMA. Na verdade, o deus das águas primordiais egípcio era Nun, ou Nuno.

Nonuna poderia ser um epíteto carinhoso ao gosto egípcio do deus local de Nomano.

*Nau-manu > Lusit. Nomano ó Nonumna > Nonuna

Assim, parece que a divindade protectora do local do «castelo velho» seria Tarbouma, Tarboumia, Tarbouna ou Tarbounia…ou seja, apostando num erro grave de ortografia por lápsu ou pura ignorância do pedreiro, possivelmente a muito conhecida Trebaruna ou Trebapola.

Trebaruna (Trebarunis, Trebarune, Triborunis, Triborunni, Tribarona)Deusa Guerreira e Protectora dos heróis, é também a Protectora da propriedade, do Lar e das Famílias. É a divindade feminina mais importante do Panteão Lusitano, casada com Brigo, é a deusa lunar e do destino. Tem várias naturezas.

Trebopala – Deusa adorada localmente por algumas tribos. É a protectora das comunidades.

O orago da comunidade é a Nossa Senhora da Assunção, mas o povo festeja a milagrosa Stª. Eufémia, literalmente a Vera Mulher.

Santa Eufémia aparece adorada em Portugal como substituição de cultos arcaicos a deidades tipicamente machas e femininas como seria Trebarona / Trebo-pala, seguramente uma forma de Palas, de Atenas.

Tre-bar-una = Tri + Wer + Ana

Trebo-pala = Tri-Wo | Palla < Phal-la < Kar-la.

A reminiscência desta possível deusa tripla ressoa na lenda da “moira encantada” dos numantinos encantadas na fonte dos Capelinhos em Numão, na fonte de Santa clara em Penedono e na fonte da conselheira em Longroiva. Estas seriam Zara, Cacina e Lira, possivelmente as Tridivas arcaicas de Numão.

Zara < Shara < Sara ó Istar.

Cacina < Kaci-(na) ó Caca, esposa de Caco.

Lira < Lyra < Laura < Aurora.

Quanto à distante Numância o importante é destacar que seria terra do deus hermafrodita como se supunham serem as lesmas que nasceriam por geração espontânea do lodo, Nuno, senhor das águas primordiais porque Numância (= Nume-Entia < Nume-Enki-ka) é literalmente a terra do nume Enki, um deus das águas doces e das “fontes santas” e sagradas que seriam protegidas no «castelo velho» por descendentes neolíticos da civilização minóica.

Os numina eram na religião da Roma Antiga entidades ou forças sobrenaturais que existiam em espaços naturais ou que estavam ligadas a momentos da vida e às actividades humanas. O singular desta palavra é numen, cujo significado parece ter sido o de algo que "age" e se "move" sem se ver como os suspiros, os espíritos e o vento. Para os Romanos, tal como tina sido para os hititas e anatólicos, os espaços como grutas, montes, bosques ou fontes eram possuidores de uma espécie de poder imanente e invisível. Como exemplo de numina ligados a momentos da vida, podem ser referidos os que estavam associados ao universo do recém-nascido, como Nona e Decima, ligadas aos últimos meses da gravidez, Numeria, às dificuldades do parto ou Lucina, ligada ao nascimento.

Este poder parece correlativo do conceito polinésio do maná seguramente derivado duma contaminação por antigas e arcaicas andanças da talassocracia minóca. Parece que derivaria do verbo intransitivo nuo, nuere que significa «anuir» (Lat. an-nuire por an-nuere) fazendo um sinal com a cabeça.

Na verdade, suspeita-se que o mais arcaico termo para o nome do céu Anu, derive deste gesto instintivo da espécie humana seguida da interjeição de espanto e interrogação, hum? ãh que os escravos sumérios, iletrados ou de línguas estrangeiras, teriam diante dos seus senhores,

Assim sendo, os latinos teriam herdado dos anatólicos tanto o conceito simples de «anuir» como o complexo dos numes a que os etruscos chamavam mun or muni, os entes que viviam à volta dos túmulos, local do man or mani (Latin. manes), as almas dos antepassados. Possivelmente seria a estes entes que os sumérios chamavam anunaki. Das numina saíram os «nomes» das coisas e a «numenclatura» dos deuses e dos homens de poder.

Mas o nome de Numão e Numância era local e estaria relacionado com cultos locais aos numes ou Numini que teriam tanto a ver com a municia municipal como com o munis monetário.

Munis (Nimi-dis, Nimme-dus, Numi-di, Muni-dis, Muni-di, Numini) – Deusa agrária adorada por tribos locais Lusitanas.

Munitie (Muni-tia, Muni-cia) - Divindade agrária dos lusitanos.