Figura 1: Frota naval cretense num fresco de Akrotir.
Espantosa é esta referência de Platão:
“Os viajantes desse tempo podiam passar dessa ilha para as outras ilhas e dessas ilhas podiam alcançar todo o continente na margem oposta a esse mar que merecia verdadeiramente o seu nome.”
O facto de logo de seguida se afirmar que havia “do outro lado, aquele autêntico mar e a terra que o cerca, a que só pode chamar-se verdadeiramente, na melhor acepção da palavra, um continente”, corresponde sem dúvida a uma grave distorção geográfica compreensível numa situação como esta em que o autor não fazia a menor ideia do que estava a descrever.
Em boa verdade, o mistério do episódio da Atlântida reside precisamente nesta terra que cerca o Atlântico do outro lado, a que só pode chamar-se verdadeiramente, na melhor acepção da palavra, um continente.
Se tanto o sacerdote Egípcio de Sais quanto os sucessivos transmissores desta tradição oral soubessem o que estavam a descrever teriam acabado por encontrar o nome e a localização exacta deste continente pois, mesmo para as insuficiências geográficas da época, um continente não passava facilmente despercebido. As incertezas descritivas de expressões como: “só pode chamar-se, na melhor acepção da palavra”, denotam alguém que estava a falar de cor, sem saber muito bem de quê!
Ora, a questão da definição geográfica da ilha é independente da identificação deste continente, facto que é muito estranho nunca ter sido evidenciado. Confundir a ilha com o continente, como fazem aqueles que falam numa Atlântida continental, não contribui para aclarar este mistério.
"Diodoro de Sicília (90-21 a.C.), 45 anos antes da era cristã, escreveu grande número de livros sobre os diversos povos do mundo; em seus escritos, designa claramente a América com o nome de ilha, porque ignorava a sua extensão e configuração. Essa expressão de ilha é muitas vezes empregada por escritores da antiguidade para designarem um território qualquer. Assim vimos que Sileno chama ilhas a Europa, Ásia e África. Na narração de Diodoro, não é possível o engano quando descreve a ilha de que falamos (Cândido Costa, As Duas Américas, 1900, pp. 108-109, citado em Artur Franco, A Idade das Luzes, Wodan, 1997, p. 113).
De resto, a questão que a identidade do continente levanta é até fácil de delimitar desde que se tenha a ousadia de não andar com rodeios. O continente que cerca o Atlântico do outro lado em relação a qualquer narrador orientalmente situado é o Continente Americano, nome com que este foi identificado como tal apenas depois de Cristóvão Colombo, a expensas das tentativas ibéricas para chegar pela via do sol posto ao mar das Índias do sol nascente. O busílis desta polémica é que Platão não poderia sonhar sequer com a América e, daí advém o facto de ter andado a navegar sem vela e à toa num “mar de sargaços” imaginários. Descrevendo de forma irreal um continente real, que nem sequer conhecia de cor, como a maioria dos europeus, acabou a sonhar com ilhas paradisíacas perdidas no mar primordial de todas as cosmologias míticas. Aliás nem sequer terá sido o único a confundir o sonho com a realidade. Diodoro de Sicília parece copiar a descrição platónica da Atlântida quando refere:
"No mais profundo da Líbia, há uma ilha de considerável tamanho que, situada como está no oceano, se acha a vários dias de viagem a oeste da Líbia. Seu solo é fértil pois, ainda que montanhosa, conta com uma grande planície. Percorrem-na rios navegáveis que se utilizam para a irrigação, e possui muitas plantações de árvores de todos os tipos e jardins em abundância, atravessados por correntes de água doce. Também há mansões particulares de dispendiosa construção, e nos jardins construíram-se refeitórios entre as flores.
Se Diodoro estivesse a falar das Antilhas teriam ficado restos destes factos para a arqueologia moderna revelar, caso não tivessem mesmo sido encontrados pelos marinheiros de Cristóvão Colombo! Ora, o mais provável é que se tratasse da civilização maia e neste caso Diodoro só poderia estar a falar do Iucatão mexicano!
Ali os habitantes passam o tempo durante o Verão, já que a terra proporciona em abundância tudo quanto contribui para a felicidade e o luxo. A parte montanhosa da ilha está coberta de densos matagais de grande extensão e de árvores frutíferas de todas as classes, e para convidar os homens a viverem entre as montanhas há grande número de vales acolhedores e fontes. Em poucas palavras, esta ilha está bem provida de poços de água doce que não só a convertem num deleite para quem ali reside senão também para a saúde e vigor de seu corpo. Há igualmente excelente caça de animais ferozes e selvagens de todo o tipo e os habitantes, com toda essa caça para as suas festas, não carecem de nenhum luxo nem extravagância. Pois o mar que banha as costas da ilha contém uma multidão de peixes, e o carácter do oceano é tal que tem em toda sua extensão peixes em abundância, de todas as classes. Falando em geral, o clima desta ilha é tão benigno que produz grande quantidade de frutos nas árvores e todos os demais frutos da estação durante a maior parte do ano, de modo que parece que a ilha, dada sua condição excepcional, é um lugar para uma raça divina, não humana.
O relato de Diodoro de Sicília parece ser mais realista do que o da Atlântida porque aproxima a descoberta das Antilhas da época Fenícia. No entanto (e de forma espantosa!) este autor parece situar os factos num mundo do “jamais vu” duma “raça divina”. Ainda que, segundo este, tenham sido fenícios a descobrir as Antilhas foi de Cádis que partiu a armada fenícia como muito mais tarde seria o caso das armadas espanholas! Se a oportunidade faz o ladrão, a geografia faz o resto!
Explicada a situação dos andicapes culturais dos narradores, como explicar as alusões crípticas às Américas?
No caso do relato platónico apenas da única forma possível: Sendo a civilização minóica a que em Platão levava o nome de Atlântida além das qualidades descritas como míticas para a época platónica, mas que são hoje razoavelmente aceitáveis para essa civilização, teremos que atribuir-lhe, como corolário do mito do continente perdido com a ilha da Atlântida, o mérito de a talassocracia cretense ter tido relações, (seguramente irregulares já que, de outro modo, as rotas da sua localização não se teriam perdido e teriam deixado rastos mais objectivos nos relatos da história antiga), com as Américas.
Na antiguidade, esta ilha não estava descoberta devido à sua distância do mundo habitado, mas foi descoberta mais tarde pela seguinte razão: os fenícios comerciaram desde muito tempo com toda a Líbia, e muitos o fizeram também com a parte ocidental da Europa.
E como suas aventuras resultaram exactamente de acordo com suas esperanças, acumularam uma grande fortuna e planejaram viajar além das Colunas de Hércules, para o mar que os homens chamam Oceano. E, em primeiro lugar, à saída do Estreito, junto às Colunas, fundaram uma cidade nas costas da Europa, e como a terra formava uma península chamaram à cidade Gadeira (Cádiz).
Nelas construíram muitas obras adequadas à natureza da região, entre as quais se destacava um rico templo de Hércules (Melkart), e ofereceram magníficos sacrifícios que eram conduzidos segundo o ritual fenício...". (Arthur Franco, A Idade das Luzes, Wodan, 1997, p. 114)"
De factos não existiram motivos de ordem técnica que impedissem a possibilidade de intrépidos navegantes antigos utilizarem as correntes do golfo e os ventos alísios para navegarem no atlântico com o mesmo à vontade com que outras civilizações da polinésia, muito menos desenvolvidas, navegavam no Pacifico em épocas pré-históricas.
Pelo contrário, a realidade natural da “corrente do golfo” torna a possibilidade da existência de rotas marítimas no centro do Atlântico como inevitáveis.
Figura 2: Esquema da «corrente quente do golfo» exposta num painel dum museu etnográfico das pirâmides das Canárias para exemplificar a possibilidade de relações remotas entre aquelas ilhas e o «Novo Continente»
Os marinheiros mais prevenidos da antiguidade poderia ser apanhados por tempestades e vir a entrar, sem disso se aperceberem, na “corrente do golfo” e acabarem por aportar nas Antilhas com o mesmo espanto que tiveram os primeiros portugueses que encontraram o Brasil num desvio de rota do caminho marítimo para a Índia! A ciência naval dos cretenses era superior à egípcia e esta não era muito inferior à fenícia que hoje se sabe ter permitido a circum-navegação da África ao serviço do Faraó Neão II cerca de 600 a.C. ( ou seja na época do Sólon referido na história da Atlântida de Platão).
"No ano 590, antes da encarnação de Cristo, partiu de Espanha uma armada de mercadores cartagineses feita à sua custa, e foi contra o ocidente por esse mar grande ver se achavam alguma terra: diz que foram dar nela. E que é aquela que agora chamamos Antilhas e «Nova Espanha», que Gonçalo Fernandes de Oviedo quer que nesse tempo fosse já descoberta." Ora, o nome Antilhas – pré-colombiano – bem deve derivar de "Atlantilhas" ou ainda de "Ilhas dos Antis". (António Galvão, Tratado dos descobrimentos antigos e modernos, Lisboa, 1731, pag. 8). Galvão não apenas afirma que os antigos conheciam a América, mas que sua primitiva população é oriunda da Ásia. --- Extraído, com alterações, de Arthur Franco, A IDADE DAS LUZES, WODAN, 1997, Porto Alegre.
Os gregos não aceitaram a verdade possível (verosímil) da Atlântida porque Aristóteles não a quis aceitar, em parte por equívocos xenófobos e sobretudo por equívocos temporais que reportavam a mito da Atlântida para épocas imcompatíveis com qualquer data relacionada com o nascimento da história helénica. Porém, o principal óbice residia, sem dúvida, no “argumento de realidade” resultante da impossibilidade que era «passar dessa ilha para as outras ilhas e dessas (...) alcançar todo o continente na margem oposta a esse mar que merecia verdadeiramente o seu nome.».
Figura 3: Seguindo a correntes oceânicas atlânticas a Lusitânia ficava mais perto das Antilhas do que da Fenícia. Sendo assim, os fenícios que andaram pelas costas atlânticas em demanda do estanho das ilhas Britânicas facilmente teriam descoberto as Américas quando mais não foram por se terem enganado nas rotas ou delas desviado por forças de tempestades e das correntes marítimas acabando por aportar às Américas. Se terão conseguido sempre regressar ou se acabaram por criar rotas de comércio regular com as Américas é coisa que ficou no segredo dos deuses que na altura era a alma dos negócios, sobretudo e também ultramarinos.
Ora, o óbice desta questão, que parece ser de mera natureza civilizacional, revela-se em realidades de tipo exclusivamente cultural. Que limitações tecnológicas tiveram os gregos que os impediram de descobrir as Américas que os portugueses, com menos recursos, iriam redescobrir 2 mil anos mais tarde? Possivelmente as mesmas que os impediram de acabar com a desumanidade do esclavagismo, de descubrirem a física e de inventarem o motor de combustão. Se, para cada caso, não foram especificamente as mesmas causas culturais foram seguramente da mesma natureza.
Na verdade, a descoberta das américas não seria globalmente rentável nem economicamente sustentável para a época na medida em que as relações comerciais com a Iberia e com o mar do norte só então começavam a ser regulares. Os gregos só haviam esquecido as rotas ameríndias, bem conhecidas até aos micénicos, como sugere Platão, porque o eixo do mundo se havia inclinado para o lado dos impérios orientais, primeiro o assírio e depois o persa comos quais os gregos tiveram que se preocupar particularmente a quando da colonização da Ásia menor!
Ora, se a circum-navegação da África pelos portugueses do sec. XV se tornou à posteriore especulativamente lúcida, para grande mérito pos-mortem de ousados pioneiros como o infante D. Henrique, foi apenas porque demonstrou economicamente compensadora por vir a revelar-se como sendo a única estratégia para escapar ao cerco que os povos islâmicos faziam aos europeus ao impedir-lhes o acesso directo às rota da seda e das especiarias e de que só os venezianos e genoveses sabiam tirar algum proveito indirecto! Claro que, bem vistas as coisas, a seda e a pimenta seriam apenas a parte visível e mais comum do comércio com o oriente porque o que viria a tornar o ocidente verdadeiramente dependente do oriente, exaurindo os cofres dos estados, seriam, senão sobretudo pelo menos também, outras drogas bem mais poderosas, como o ópio e o açúcar. De qualquer modo, o importante é notar que a fortuna veio sempre do Levante como a Aurora!
O equívoco, hoje quase anedótico, da descoberta das índias ocidentais por Colombo só comprova o quanto os fluxos históricos prosseguem a lógica geral da busca de mercados de baixo risco que tem como corolário a aposta nas oportunidades de negócios seguros e conhecidos!
Figura 4: Como se pode ver, das várias correntes marítimas do mundo relacionadas com a geofísica do planeta terra, a do norte do atlântico é de facto a mais pequena e, por isso mesmo a que mais cedo teria sido descoberta e utilizada com eficácia. Como se pode também facilmente inferir, é mais fácil ir da Europa às Américas por água e climas quentes do que regressar por terras e aguas inóspitas a norte, razão porque durante muito tempo as viagens da Europa para as Américas seriam sem regresso e porque só, quanto muito na época dos povos do mar, houve ameríndios na Europa.
O “medo do desconhecido” que os antigos navegantes teriam relativamente à sobrevivência de mitos arcaicos relativos aos monstros dos abismos que cercavam o mundo só impediam as aventuras para ocidente. Bem vistas as coisas, as culturas ameríndias revelaram-se, de facto, incapazes de fornecerem uma boa oportunidade de negócio. As Américas só se tornaram num verdadeiro “El dourado” com as culturas intensivas recentemente introduzidas nas suas terras virgens as quais só se tornaram verdadeiramente competitivas com a introdução da escravatura negra nos negócios das companhias das índias ocidentais. A introdução da cultura da cana-sacarina na Madeira e depois no Brasil revelou-se de tal modo mais barata e mais próxima dos mercados europeus que retirou por completo o mercado do açúcar das rotas tradicionais das especiarias.
813/14 a.C. – Fundação de Cartago, segundo as evidências mais aceitas, no auge da expansão de Tiro no Mediterrâneo. Um dos motivos advogados para a expansão foi a opressão assíria, que olhava avidamente para estes ricos reinos. A exemplo dos Fenícios, seus fundadores, os Cartagineses fundaram também diversas cidades nas margens da Líbia, do lado do oceano. Hanon, almirante cartaginês, fez uma viagem desde o estreito de Gadesh até a entrada do golfo arábico, contornando a África (Plínio, Hist. Nat., lib. 2 De rotunditur terrae); embarcou, em 60 navios, 30 mil pessoas de ambos os sexos para servirem à fundação dessas cidades e colonias cartaginesas. A frota de Cartago era de 200 navios. Ao tempo das guerras púnicas, chegará a 500. (...)
Figura 5: Um barco fenício que é quase como que uma «caravela de marear» dos portugueses faltando-lhe apenas a vela latina, que, como é óbvio, teria que esperar pelo triunfo de Roma sobre Cartago.
O facto descrito por Patão no sec VII a.C. só é compatível com relações marítimas com o continente americano na época mais plausível para a construção do mito da Atlântida ou seja por volta do sec. XV a.C., aquando da talassocracia cretense.
De resto, a ciência naval da época das caravelas era quase a mesma dos fenícios. Se com esta tecnologia só era possível navegar em segurança com a costa à vista nada teria impedido desvios arrojados de rota, por acidentes de navegação ou tempestades, e depois, por ousadia, caso alguma parte das frotas perdidas tenha regressado.
Referiu-se acima que os contactos antigos com as Américas terão sido irregulares. Porém, ainda que tivessem tido a lenta e demorada regularidade propria da época em que, mesmos os contactos com pontos mais próximos como as Canárias ou os mares do norte terão sido pouco mais do que ocasionais, dado o facto acrescido de se estar no início da história escrita não foi ainda possível um registo institucional mínimo destas rotas ao ponto de ter ficado na memória social comum a ideia dos continentes que séculos mais tarde se chamariam Américas.
De qualquer modo, não foram as Américas as únicas paragens a andarem brumosas na época clássica. De facto, já a Índia, ali ao lado do golfo Pérsico, era muito mal conhecida dos gregos, que, da China, quase nada sabiam e ignoravam por completo o Japão, a Polinésia e, sobretudo, o continente Australiano! Ora, se estas paragens eram mais lóngínquas para os ocidentais, não o eram para as civilizações asiaticas, já florescentes no sec. V a.C., e que poderiam ter transmitido ao ocidente os seus conhecimentos geográficos respeitantes aos longínquos mares orientais! Porém, tal não aconteceu porque se o tivera acontecido, (e quem poderá afirmar que entre os mercadores das rotas da seda e das especiarias não andaram espiões e outras gentes habitualmente bem informadas), o resultado teria sido o mesmo ou seja, a ignorância que a história regista porque não nos podemsos esquecer das condições históricas da verdade e do saber: os povos têm o saber que merecem e podem ter de acordo com as suas capacidades institucionais de cultura e conhecimento.
O saber é um componente da ideologia e da religião e estas representações do poder social pelo que os povos sabem apenas o que lhes convêm saber dentro da sua esfera de influência cultural que costuma ter as mesmas fronteiras dos impérios que as sustentam de civilização.
De resto, o saber dominante duma determinada época, para além daquele que obviamente resulta das suas condições objectivas de domínio, corresponde a uma forma de “bom senso comum” que tem que ser compatível com os limites e possibilidades da propria civilização. Qualquer conhecimento, excepcionalmente adquirido (ou mesmo excepcionalmente recebido de forma graciosa) do exterior, que saia destes limites, torna-se incompressível, absurdo ou mítico. A Ovniologia é afinal um pouco disso mesmo em versão moderna.
Um termo interessante. O estudo de objectos não identificados. Na física, química, biologia, e afins os objectos de estudo estão lá, e quem os estuda sabe identificá-los. Na astrologia, teologia, parapsicologia, e outras que tais, os objectos de estudo provavelmente não existem, mas se existissem – se os astros afectassem as nossas vidas, se existissem deuses ou telepatia – os ‘ólogos destas coisas podiam dizer «Vejam, é isto que eu estudo».
Os ovniólogos nem isso. Se sabem o que é, já não é ovni. Na ovniologia é preciso investigar sem nunca saber. Deprimente? Não. É uma maravilha. Uns viram algo que não sabiam o que era. Outros disseram que podia ser isto, outros que era aquilo, e ainda outros dizem que não. Ou talvez fosse outra coisa. Conclusão: não se sabe o que é. Mais um estudo concluído com sucesso, e mais um passo em frente na investigação ovniológica. -- Ludwig Krippahl
Ora, o conhecimento mítico é já aquele que mais próximo se encontra da aceitabilidade ou seja, o que mais se parece com o verosímil, sobretudo numa cultura onde o mito ocupa o papel da memória histórica. A filosofia do saber mítico ensina-nos que este substitui os instintos lá onde a verdade objectiva é incontornavel de forma meramente afectiva e emocional!
Assim sendo, o mito da Atlântida sofre do handicap de o não ter sido “na verdadeira acepção da palavra” por não ter correspondido a uma elaboração religiosa de carácter ritual ou seja, por não ter correspondido a um saber tradicional integrado no reportório da cultura e do “senso comum” da época clássica, na verdade tão rica em mitos e de lendas mas todos estes bem diferentes do misterioso relato platónico sobre a Atlântida!
De certa forma, o episódio da Atlântida corresponderia, para o “senso comum” da época clássica, a uma pseudo realidade factual tão inverosímil quanto o é o absolutamente imaginário mito moderno do “super-homem” ariano de Nietzsche, mesmo assim ambos tão inacreditáveis que nem mitos poderiam ser, a menos que pudessem sobrepor-se ao mito do “paraíso perdido”! Assim, o episódio da Atlântida acabaria por ser um “mito nascente” na medida em que, não o sendo ainda à epoca, nisso se transformou posteriormente por acção da cultura ocidental medieval e cristã.
O mito que há época teria o mesmo genoma do episódio platónico da Atlântida era talvez o mito do paraíso perdido, do dilúvio e de Deucalião! Quer isto dizer que das duas uma: ou escolhemos a interpretação intelectualista de raiz aristotélica de que estamos perante uma alegoria platónica ou aceitamos que Platão não tinha necessidade de ter carregado tanto nas tintas da verosimilhança e então aceitamos que, de maioritáriamente alegórico nesta história, apenas temos o raláto de Crítias, ou nada resta do mito da Atlântida que valha a pena.
Precisamente o lado inverosímil do mito da Atlântida platónica resultou, logo de início, das próprias dúvidas aristotélicas alicerçadas na falta de contexto cultural deste estranho relato dentro da tradição helénica. Sem que o tenha sido de forma explícita correspondeu a um preconceito cultural do helenismo aristótotélico contra a cultura egípcia de que se aceitava o exotismo religioso mas não a veracidade histórica que, a ser aceite, corresponderia a uma capitulação cultural perante a anterioridade da cultura egípcia. De facto, aceitar que a cultura Egípcia era simultaneamente verdadeira e mais antiga era logicamente aceitar a sua supremacia cultural o que repugnaria aos inventores do “barbarismo cultural” como contraponto do isolacionismo beato dos egípcios que se repercutiria mais tarde no snobismo religioso judaico. Este mesmo preconceito acompanhou os ingleses na índia quando inventaram o mito do origem indo-europeia das línguas não semitas para explicarem o facto de uma colónia suposta primitiva ter uma língua como o sânscrito com uma gramática ainda mais elaborado que o latim de que a língua inglesa pouco ou nada partilhava.
Porém, não tendo necessidade de respeitar actualmente este preconceito resta-nos admitir que os egípcios podem ter tido relatos adequados dos acontecimentos minóicos que transmitiram a Solon e de que o episódio platónico da Atlântida mais não é do que a ressonância do espanto que uma cultura orgulhosa da sua superioridade tem quando descobre, da voz de dum avoengo, episódios importantes, e quase sempre freudiana e traumáticamente esquecidos, da sua infância ignorada! Ora Creta fazia parte da Grécia e o império minóico deve ter contido a Hélade, tal como mais tarde o império micénico seu herdeiro!
Se é certo que a tradição homérica já continha ressonância micénicas a verdade é que, do império minoico, os gregos pouco mais se recordavam do que dos mitos de Teseu e do Minotauro numa versão pouco abonatória para os minoicos. Porém, inteiramente míticos não teriam sido nem Minos, nem Teseu nem o Minotauro!
A Atlântida de Platão pode ter correspondido ao mínimo de conhecimento histórico que poderia ter sido possível à cultura clássica entender do seu próprio passado mais remoto como sendo a fonte traumática destes mitos. Os gregos estariam predispostos para aceitar verdades míticas de outros povos tal como aceitaram os seus deuses desde que revestidos das formas canónicas dos mitos. Para aceitarem verdades históricas teriam que ser capazes de as entenderem e, sobretudo, de as poderem explicar sem conflito com os seus próprios mitos e traumas históricos. Ora, tais traumas devem ter sido tão fortes que tornaram os gregos incapazes de retomar os rumos dos mares ocidentais. As condições que rodearam a decadência brusca do império minóico terão sido trágicas e dramáticas para todo o mediterrânico e mesmo para o Egipto. O facto de o ano da explosão de Santorini ter coincidido com a invasão do Egipto pelos Hicsos, a que se sucedeu um longo período de anarquia e obscuridade, pode explicar que hoje pouco ou nada se saiba do que então aconteceu, mesmo rebuscando as fontes dos habitualmente tão prolixos egípcios! A realidade da atlântica pode ter persistido no Génesis como reminiscência mistificada no episódio de Lot e Abraão mas parece ter sido completamente ignorado pela cultura grega. Tendo esta sido a sua vítima principal estamos perante um esquecimento histérico colectivo de natureza intensamente traumática.
Claro que isso não explica que a América não viesse referida na história dos primeiros impérios egípcios caso fosse bem conhecida no tempo. Parece no entanto que o isolacionismo preconceituoso deste povo não lhe permitia também procurar conhecer da geografia mais do que a sua vizinhança imediata. O vago relato da Atlântida pode ter sido tudo quanto um egípcio culto podia saber sobre as Américas. Os cretenses saberiam mais se pudessem falar! Talvez no dia em que o linear-a for decifrado se venha a confirmar, sem grandes surpresa teóricas, que as civilizações pré-colombianas tiveram influências mediterrânicas desde o tempo da civilização minóica, ou mais arcaicas ainda.
Do mesmo modo se ficaria definitivamente a saber que, o facto de serem os ameríndios a manifestarem reminiscências destes contactos nos seus mitos, prova sobretudo que estas civilizações eram coloniais e importadas da Europa que seria a sua saudosa mãe pátria original, do mesmo modo que prova que eram os ocidentais a irem à América e não o inverso ou seja, as civilizações que tinhas as tecnologias para viagens de longo curso no alto mar eram apenas as talassocracias mediterrânicas como foram as de Creta dos povos das ilhas do mar Egeus e as terras em parte ignotas dos “povos do mar”.
Com a derrocada do último império marítimo que teria sido o hitita a Europa, madrasta como sempre, depressa se esqueceu da Atlântida transatlântica pelo que o relato de Platão acabaria sempre por ser tão incómodo quanto inacreditável. De resto, que europeu bem pensante daria crédito, antes do sec. 19, ao que vinha das coloniais ocidentais para onde só iam os indigentes, os deportados e de que só vinham escravos?
Afinal, é bom não esquecer que só se recorda o que se quis sempre saber e só se sabe o que nos convêm!
Regrettably, most of the Atlantis enthusiasts are swayed by emotions, and this lures them away from the commitment to scientific correctness. Many researchers into the issue have been engaged in searching for, and making a collection of, similarities in the material culture and languages of the peoples of the Old and the New Worlds, but their finds make it possible to pose some questions rather than give well-substantiated answers to them. The more ardent enthusiasts even claim that they have found in the epos of many peoples of the world what they call "direct indications" of the Atlantean descent of these peoples. Deluded by wishful thinking, they often fall prey to perverted logic: "If the "Belt of Pyramids" exists, it follows that Atlantis also existed in reality." -- [1]
Obviamente que nem todos os locais podem ter sido inspiradores do relato platónico mas, de todos os possíveis os únicos que manifestam uma grande coerência lógica e cientifica são os que resultam duma conjugação da civilização egeia da época minóica com as civilizações ameríndias da época maia.