segunda-feira, 8 de abril de 2013

O MISTÉRIO DAS TALÁBRIGAS LUSITANAS – II, por arturjotaef


TALÁBRIGA DE PTOLOMEU.

Ptolomeu, no segundo quartel do século II, portanto cerca de um século antes da redacção do Itinerário de Antonino, reuniu uma enorme massa de informações com vista à construção de uma mapa do mundo conhecido nesse tempo. (*) Ora, as coordenadas das cidades da estrada Olisipo-Brácara permitem reconstituir o guia dessa estrada utilizado por Ptolomeu. [1]
Mas será que o permitem? Segundo alguns autores Ptolomeu coloca Talábriga abaixo de Coimbra o que apontaria, no mínimo, para uma outra Talábriga, porventura em Taveiro senão mesmo mais correctamente em Talavera de la Reina.
As coordenadas de Ptolomeu permitiam a obtenção de dados que só poderiam ser lido a partir de construções cartográficas com aproximações grosseira do tipo seguinte:
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Figura 1: Ptolemy's "Geography" contains instructions for drawing maps of the entire "oikoumene" (inhabited world) and particular regions, along with the longitudes and latitudes of about eight thousand locations in Europe, Africa, and Asia. (...) Shown here is the additional map of Europe which reveals Ptolemy's systematic exaggeration of west to east distances, particularly in the eastward extension of Scotland and the west to east slope of Italy.
Segundo o mesmo autor (*) Cada ponto a assinalar foi definido pelas suas coordenadas astronómicas com base em tempos de viagem, distâncias por estrada, duração dos dias mais longos, etc.
Claro que além de exageros das distâncias de latitude, perfeitamente naturais para a época (e mesmo assim já espantosas na sua aproximação à realidade), existem deformações resultantes seguramente tanto de erros de observação astronómica como de lapsos na colheita de dados em segunda mão uma vez que não é credível que Ptolomeu tenha estado em todos os pontos referidos na sua Geografia.
Como se sabe, a questão das latitudes exactas só foi possível de ultrapassar com o recurso técnico aos fusos horários que só os progressos da mecânica moderna e a invenção da tecnologia dos relógios de precisão permitiu ultrapassar.
Quer dizer que as técnicas de medição de latitudes ficavam sobretudo dependente de extrapolações trigonométricas que tinham por suporte distâncias em estádios medidos em passos de estafetas militares (milia passum) entre cidades conhecidas.
Dito de outro modo, tanto em métodos quanto em instrumentos, os processos de medição dos clássicos eram ainda muito grosseiras. De resto, se as medições de distâncias feitas em milhas marítimas tinham a vantagem de serem sempre obtidas ao nível do mar e em linha recta (mais ou menos, já que os métodos de navegação de «costa à vista» o não o permitiam inteiramente!) as distâncias por terra teriam que sofrer distorções relacionadas com os desníveis da altitude e particularmente com a impossibilidade de distâncias em linha recta relativas à sinuosidade inevitável das estradas romanas de regiões montanhosas. Assim se explicam em parte o referido fenómeno de “systematic exaggeration of west to east distancesnas coordenadas de Ptolomeu, seguramente relacionadas com a posição paralela do mediterrâneo e com a orientação orográfica que o circunda!
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Figura 2: Bética de Ptolomeu.
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Figura 3: Bética actual.
De Acordo com as mesmas coordenadas da Geografia de Ptolomeu Bill Thayer construiu um mapa idêntico ao que a seguir se mostra para a Bética, uma das regiões da Hispania Romana.[2] Mesmo com método de cartografia mais modernos não nos podemos esquecer de pelo menos dois óbices: primeiros os dados empíricos não eram absolutamente rigorosas pelos critérios modernos e depois só permitiam cálculos de distâncias astronómicas que se supunham em linha recta ao nível do mar.
Tal como para o mapa da fig. 11, também aqui se nota exagero das latitudes e erros grosseiros visíveis a olho nu, à luz dum mapa moderno.
Poder-se-ia traçar um mapa idêntico para a Lusitânia.
Como se pode ver a «olho nu» a deformação é grosseira e resulta num efeito visual de achatamento das latitudes com um alargamento das longitudes e uma rotação a cerca de 45º para a direita. Mas, pior um pouco, no mapa da Lusitânia nota-se como que um efeito geral de distorção provocada pela proximidade dos montes Hermínios que quase que fazem desaparecer parte das terras a oriente destes montes. Assim, se as Berlengas (londobris) estavam quase nos Açores, Lisboa fica perto do Algarve e Talábriga abaixo de Coimbra.
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Figura 4: A Lusitânia de acordo com as coordenadas de Ptolomeu. Depois de converter os graus sexagesimais em medidas decimais construiu-se um gráfico de dispersão XX/YY. Um gráfico assim construído não é muito diferente do que seria de prever por métodos cartográficos do tempo de Ptolomeu. As distorções deste método são tais que Lond-obris (do mesmo étimo da londrina Lond-inium dos latinos) parece ficar nos Açores quando seriam possivelmente as Berlengas.[3]
Como terra mais ocidental do mundo antigo a Berlenga Grande seria considerada o local onde a Virgem Deusa Mãe primordial, Egipt. Taveret, devorava o sol (Urano) ao anoitecer! O mito egípcio da mãe Noite que devorava Ra, o filho solar, só tinha equivalente na mitologia clássica em Saturno/Crono. Dai que a Berlenga Grande tenha sido denominada como Ilha de Sonho e Ilha de Saturno pelos geógrafos romanos.
O nome Berlenga é suficientemente estranho no nosso léxico...
Após algumas tentativas de etimologia, procurando numa decomposição ber + lenga e passando por "berberes" ou associações análogas, encontramos três Berlangas em Espanha:
- Berlanga de Duero, Berlanga del Bierzo, Berlanga (Extremadura)
No entanto, há um pouco mais a acrescentar... em termos de etimologia e brasões:
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Berlanga de Duero, Berlim, Berna (brasões) (Berlanga del Bierzo e de Badajoz)
Torna-se mais ou menos evidente (até pela tradição nas línguas germânicas), que BER se associa a Urso (não sendo exaustivo, há associações dissimuladas como Berwick, na Escócia).
Decompondo Ber, ficaríamos com Lenga... do qual temos apenas um registo bizarro a lenga-lenga, com etimologia declarada africana (umbundo?). Ainda em Espanha, encontramos Langa-de-Duero, e outras povoações denominadas Langa. 
Mas a mais surpreendente é talvez a associação a Langa-Shetland e à provável origem do termo viking para ilha comprida. Sendo comum o nome em múltiplas ilhas escocesas denominadas Linga, devemos lembrar que em registos inglesas a nossa ilha é designada Berlinga. Esta ligação escocesa (ou viking), prolonga-se até na existência de uma ilha denominada Barra na Escócia. -- http://odemaia.blogspot.com/2010/07/berlenga-etimologia.html?showComment=1319751410500#c1732614893153804350

Ber < Wer > Bel era deus aguerrido em sumério e pode ter dado nome gótico ao urso explicando os brazões de Berlim, Berna e possivelmente da visigótica Berlanga de Duero mas deixa em suspenso o manso cordeiro com um chaparro do escudo de Berlanga da Extremadura que na Berlanga del Bierzo passa a chaparro de que concluiríamos que Ber pode ser também nome de carrasco? Mas a Berlenga estremenha terá sido fundada por berlenguenhos do douro! Na verdade a semântica de wer- aponta mais para algo selvagem e agressivo como o carrasco...ou o urso nada obrigando a fazer derivar estes topónimos do gótico. "Apellido Berlangade origen castellano. Escudo de armas primitivas: En campo de gules, una ermita de oro, surmontada de una cruz de sable."
Londobris < Longo-bric < Lon(co)-brig = Bri(g)-long = "cidade (fantasma ao) longe (< Lat. longe) > Bir-lang > Esp. Berlanga > Pt. Berlenga.
Berlenga < Wer-Lan-Ki-a > *Lan-kia-Wer ó Lon-do-bris < Lon | < Ra-un < Arun < Uran -| Tia-Writ < Tha-Wuret < Ta-Weret | = Urano & Taveret.
Conclusão: A ermida castelhana seria um ideograma de uma cidade ao longe e a Berlenga apenas o que parece: uma cidade distante perdida ao longe no mar!
A cidade da Lusitânia de Ptolomeu assim cartografada com o nome de Lama ou não é Lamego, ou, se alguma veracidade poderá ser extraída de Ptolomeu, então está grosseiramente fora do sítio.
Segundo nota de Jorge de Alarcão[4] «pelas coordenadas de Ptolomeu parece diferente da Talabriga que o Itenerario de Antonino menciona entre Aeminium e Cale; ficaria, mais provavelmente, em território hoje Espanhol, entre Mérida e Cáceres». Nesta arqueologia de palpites até poderia ficar em qualquer lado. Já agora, porque não ali mesmo onde parece estar ainda em Talavera de la Reina?!
Talavera < Talavira < Talabriha < Talabrica / Talabriga.
Claro que devem ter havido várias Talabrigas e esta descrita na Lusitânia de Ptolomeu não será senão a que veio a ser a cidade espanhola de Talavera de la Reina por ficar a sul de Coimbra e próxima de Rusticana. Assim, se alguma semelhança com a realidade se pode aceitar será quanto muito uma certa similitude nas coordenadas meridionais que então, permitem compreender que esta Talabriga de Ptolomeu pareça entre Évora e Emerita, tal como acontece na realidade geográfica de Talavera.
Sendo assim, ousar corrigir o Itinerário de Antonino, que seria o resultado de meticulosos e pragmáticos registos militares baseados em longos anos de paciente e árduo percurso das estradas romanas pela legiões romanas, com os cálculos astronómicos de Ptolomeu corre o rico de ser quase o mesmo que “comparar alhos com bugalhos” ou o de privilegiar um método teórico de cálculo de distâncias que à época estava apenas em fase experimental com outro, que embora rústico e feito a par e passo com o ritmo dos carros de bois, era de uma eficácia empírica comprovada por milénios de uso comum. Mas há quem o faça e com uma tal credulidade que dá para duvidar se é a verdade de Talábriga que se procura ou apenas razões para justificar a fé que se deposita no concelho de Águeda para berço duma cidade que tinha mais “garoço do que coragem” e que facilmente engolia os sapos de Brutus, um de entre muitos outros brutos romanos que passaram pela Lusitânia!
Deduz-se da Geografia de Ptolomeu (sec. II dC.) que Talábriga ficava a 43 milhas de Cale. É precisamente esta a distância por estrada (nomeadamente pela antiga estrada real) entre o Marnel e Gaia, facto que apoia fortemente a localização de Talábriga no Marnel. Convém notar que Ptolomeu utilizou, para marcar as coordenadas das cidades, um guia da estrada de Lisboa a Braga quase igual ao que foi reproduzido no Itinerário de Antonino, mas mais correcto. Pela Geografia de Ptolomeu se podem corrigir outros erros do Itinerário de Antonino. [5] (...)
Depois do que ficou dito começa a ser duvidoso que Ptolomeu seja mesmo mais correcto do que o Itinerário de Antonino. Depois, a maior dúvida reside no facto de que sendo o Itinerário de Antonino quase que um roteiro oficial do turismo antigo tenha sido preciso esperar por um ciber arqueólogo para conseguir corrigi-lo e logo a partir de dados que se comprovam a olho nu que estão distorcidos!
Entre esse guia e o Itinerário de Antonino existem apenas três diferenças. Uma dessas diferenças é precisamente na distância de Talábriga a Lancóbriga. Enquanto o Itinerário indica apenas 18 milhas, o guia utilizado por Ptolomeu indicava 30 milhas. [6] (...)
Quais serão as outras duas diferenças? Quem provou que só poderia haver uma Talábriga? Será que os dois autores se referiam à mesma cidade?
Em conclusão, enquanto o Itinerário apresenta distâncias erradas e contradiz Plínio, que situou Talábriga a sul do rio Vouga, Ptolomeu leva-nos inequivocamente a situar Talábriga no Marnel. [7] (...)
Na verdade, todo o argumento vai no sentido de colocar Ptolomeu ao serviço da tese do Marnel, facto que não é mais do que uma “petição de princípios”.
Ora como vimos, a ajuda de Ptolomeu para pouco mais serve do que para confirmar que ou Talábriga era em territórios da actual Espanha ou existiam mais do que uma e então pelo menos três: a do Lima que só falta desenterrar porque já tem certificados de nascimento gravados em placas da época, a de Talavera de La Reina que tem Ptolomeu do seu lado e a etimologia e a do Vouga que importa ainda escavar melhor! Qual delas se refere ao triste e desedificante episódio de Brutus? Luís Seabra Lopes sabe-o bem pela forma como o encontrou enquadrado na história dos bracaros, mas não lhe interessou admiti-lo com a vontade que tem de o consagrar em “mito fundador” das glórias do Marnel!
Convém, todavia, referir que não é totalmente segura a identificação da Talábriga a que se refere Apiano com a Talábriga do Vouga. Na verdade, parece ter existido um castellum Talabriga a norte do Douro, no território dos brácaros, precisamente onde se passam os acontecimentos narrados por Apiano no capítulo anterior ao que se citou acima…
Parece ser pouco, para quem sabe o que existiu mesmo!
Contudo, é preciso não esquecer a profunda dualidade cultural existente no território português na época da conquista romana, no século II aC. Às regiões do sul e do litoral a partir do Vouga, mediterranizadas e com muitos centros urbanos, contrapunham-se o interior e o norte com um cariz tribal, castrejo e pastoril. Apiano, no pequeno capítulo dedicado ao norte do Douro, não refere cidades, apenas fala de um povo, os brácaros. O próprio Plínio, já no século I dC., quando descreve o litoral da Lusitânia, apenas refere cidades a partir do Vouga, sendo a primeira Talábriga. Entre Vouga e Douro, Plínio não refere cidades, mas sim dois povos, os Túrdulos Velhos e os Pesures. Assim, parece-me pouco provável que o Talabriga oppidum de Apiano pudesse ficar a norte do Douro.
De resto se não havia cidades de tipo mediterrâneo a norte do Douro existiam milhares de castros celtas. O esquecimento de Plínio lá teria os seus propósitos editoriais porque, enfim, pelo menos Bracara Augusta já existia! De resto Aníbal Barca, o grande general cartaginês que fez tremer Roma, pode ter sido um bárcaro (ou pelo menos como tal miticamente tratado pelo bracaros) motivo suficiente para que os ressentimentos anti romanos demorassem a desaparecer ao ponto de poderem ter justificado o episódio de Brutus.

O LOBY DE ÁGUEDA.

Todos temos o direito de utilizar criteriosamente as fontes históricas mas nem todos temos a possibilidade de as confirmar ou mesmo de a por a descoberto.
A arqueologia como técnica de investigação científica é um campo de actividade profissional do maior respeito que tem o direito à independência técnico científica que não pode ser posta em causa por ninguém e menos por um qualquer autodidacta!
Fernando Silva não tem qualquer visão sobre a história da região do Vouga na época romana e medieval -- SOBERANIA DO POVO, 30 de Junho de 2000, Opinião Própria. Luís Seabra Lopes, professor da Universidade de Aveiro. Estação Arqueológica do Cabeço do Vouga [Nota 1: Ao contrário do que Soberania do Povo parece pensar, Luís Seabra Lopes não tem qualquer vínculo à Estação Arqueológica do Cabeço do Vouga]
De facto o espírito da polémica entre o ciberarqueólogo (???) Luís Seabra Lopes e o arqueólogo Fernando Silva não passa de um arrufo de um autodidacta que seria brilhante se não tivesse perdido o sentido do decoro no respeito pelas legítimas credenciais alheias e se tivesse evitado “subir além da chinela” limitando-se ao que sabe ou está ao alcance de todos saber!
A este propósito tomo a liberdade de citar, de uma carta de Jorge de Alarcão, a seguinte apreciação sobre um desses meus trabalhos: «um precioso contributo para a definição dos limites do território da civitas». É isto que Fernando Silva tem grande dificuldade em engulir. Aprisionado entre a ignorância e o orgulho, o nosso arqueólogo acaba por não conseguir articular um discurso coerente. Como resultado, não convence os políticos locais e nacionais da necessidade de investir de forma mais substancial na investigação arqueológica do Marnel e o processo vai-se arrastando. - Luís S. Lopes
Mas como pode ser possível haver espírito para fazer ciência experimental com trabalhos de campo e escavação arqueológica num clima destes com tanta “dor de cotovelo” à mesa em que há “falta de chá”!!!
Perguntei-lhe, depois de um bom bocado de amena conversa, o que ele pensava dos meus trabalhos sobre Talábriga. A resposta, em tom algo agressivo, não se fez esperar: «Olhe, Talábriga não me interessa nada!» disse. - Luís S. Lopes[8]
Até parece que o Luís S. Lopes tem um contrato com Fernando Silva para que este se empenhe em confirmar as suas teses “revivalista” sobre a localização de Talábriga no Marnel.
Pouco tempo depois, o jornal Público (8/3/1998) regista esse mesmo ponto de vista: «Mais interessado na possibilidade de realizar um trabalho contínuo na área, este estudioso considera que o facto de os vestígios encontrados pertencerem à antiga cidade de Talábriga é meramente secundário». - Luís S. Lopes[9]
Pois é evidente que Fernando Silva tem todo o direito em ter ultrapassado a fase infantil da arqueologia dos tempos do pioneirismo romântico de Schlieman e queira fazer obra de investigação arqueológica séria independente e necessariamente liberta de qualquer teoria prévia a respeito da mais que controversa localização de Talábriga bem como de qualquer parti prie ideológico relacionado com a dignificação do Marnel. Ora é mesmo duvidoso que o papel de Talábriga no pouco edificante episódio da campanha de Bruto possa potenciar o valor patrimonial de qualquer terra. Ser revoltoso e quezilento é uma coisa ser tenaz e resistente nas suas convicções é outra!
Secundário? Qualquer pessoa vê que, se Talábriga não era ali, tinha que ser noutro sítio, sendo, nesse caso, completamente diferente a história da região do Vouga na época romana. A localização de Talábriga é secundária apenas se a história da região for secundária, mas, então, como justificar tanta despesa? Só para coleccionar cacos? Pensei que, com o tempo, Fernando Silva se informasse e adoptasse uma postura mais razoável relativamente ao problema. Mas parece que tal não aconteceu. Pelo contrário, considera que quaisquer referências à campanha de Décimo Júnio Bruto e ao importante episódio de resistência ocorrido em Talábriga, em lugar de dignificarem o Marnel e potenciarem o seu valor patrimonial, são meros «revivalismos pós-modernistas deste final de século» . - Luís S. Lopes[10]
Sendo assim, e se Talábriga é uma cidade que desapareceu na história sem qualquer rasto nem mesmo etimológico, terá que ser exumada pela arqueologia. E isto poderá vir a acontecer no Marnel ou em qualquer outro local próximo. O que não pode é dizer-se que a Talábriga moderna é no Marnel como também não é correcto dizer que Netalum Vipasca é hoje Aljustrel. Para que se tratasse duma mesma cidade renascida, ainda que historicamente amnésica, teria, no mínimo, que ter a mesma etimologia no nome e partilhar quase o mesmo espaço, como poderia ser o caso de Condeixa em relação a Conimbriga.
Mas, para que o Marnel (Lamas do Vouga) pudesse ser um bom espaço para exumar Talábriga teria alguém que se esforçar um pouco mais em termos de resultados arqueológicos já que nem a etimologia ajuda o Marnel nem são referidas lendas em torno dele, pois a única fadas madrinha que apadrinha este lugar é a câmara municipal de Águeda.
Embora se note, numa busca por outras páginas da Internet, uma certa tendência para simpatizar com teses que defendem o Marnel como a melhor localização da antiga Talábriga a verdade é que nem esta é mais convincente do que as outras.
Amorim Girão (1941) defendeu a mesma hipótese com base no facto de que o Marnel fica próximo da antiga foz do Vouga. Por esta altura, escavações realizadas no Marnel sob a direcção de Rocha Madaíl e com o patrocínio de J. Sousa Baptista, revelaram um edifício romano de proporções monumentais. Rocha Madahil (1941) limitou-se a apresentar os resultados das escavações, não se atrevendo a identificar o nome da cidade que tinha encontrado. J. Sousa Baptista (1943) por seu lado ficou-se por esta frase: «não nos repugna admitir que fosse a civitas Marnelae a filha apenas da nevoenta Talábriga». A ideia de que uma hipotética cidade de Vacca se situaria no Marnel, defendida por numerosos autores (Barreiros, 1561; Brito, 1609; A. Sousa Baptista, 1950; Alarcão, 1974; Mantas, 1990, 1996), levou a que poucos aí situassem Talábriga. [11]
Marnel sugere uma semântica de marachão e pantanal como Lamas do Vouga que sugere uma estância termal que não são muito compatíveis com as funções que adiante se vão tentar desvendar par cidades com o nome genérico de Talabras.
Por razões climáticas, e não só, por ficar perto da foz do Vouga por tudo o mais o Marnel não é um bom argumento topográfico para a localização duma cidade de passagem por estrada romana que não tenha deixado vestígio memorável nem sequer uma ponte romana. O facto de ali ter sido encontrado "edifício romano de proporções monumentais" é pouco para teses que têm a ambição de deixar de lado uma boa meia dúzia de candidaturas em idênticas ou melhores condições.
clip_image016 Figura 5: Marnel, antes dos anos 90.
clip_image018 Figura 6. Marnel, actual.
Na Idade do Bronze, com uma maior sedentarização do habitat, fruto de desenvolvimentos vários, assiste-se a uma ocupação humana nas colinas sobranceiras ao Vouga e ao Marnel; surgem os primeiros povoados fortificados na região. É desde esta época que começa a gizar-se a ocupação do Cabeço do Vouga, pese embora o facto de os vestígios materiais não revelarem qualquer monumentalidade e estarem representados, principalmente, por ténues indícios: alguns fragmentos cerâmicos característicos desta época e similares aos encontrados em outras regiões mas integráveis num mesmo contexto cronológico-cultural. (...) Por tudo isto e o mais que se verá, com a continuação dos trabalhos, o sítio arqueológico da Mina, em particular e o Cabeço do Vouga, no geral, constituem pólos significativos de uma estratégia de povoamento da região do Baixo Vouga, que importa conhecer em profundidade, na sua dimensão diacrónica e cultural. (...)Em ambos os sítios foram levadas a cabo acções arqueológicas, a partir dos anos 40, embora sejam os dados existentes no sítio da Mina, aqueles que melhor se tornariam conhecidos, na sequência das escavações de Rocha Madahil em 1941. (...) Só nos finais dos anos 90 serão retomados os estudos arqueológicos, agora de forma sistemática, com vista ao conhecimento do povoamento do sítio, em particular, e do Cabeço do Vouga em geral, dada a ocupação se estender por ambos os cumes. Tais acções iniciaram-se no ano de 1996, no sítio da Mina, devido à existência de vestígios arquitectónicos imponentes, a necessitarem de estudo e da implementação de acções de conservação e restauro. (...)  As recentes escavações demonstraram estar-se perante um edifício de natureza político-militar, do tipo castellum, de fábrica romana, construído em época que ainda não se pode precisar, com exactidão. “Um olhar sobre o passado feito presente”, C. M. de Águeda.

ARITEMÈTICA ARQUEOLÓGICA

Em relação às candidaturas restantes deve referir-se que da argumentação de Luís Seabra Lopes[12] se deve salientar o seu esforço em precisar a localização de Talábriga com base em distâncias relativas fornecidas por autores clássicos na linha do que já tinha sido proposto por Félix Alves Pereira num pormenorizado estudo publicado em 1907 no "Arqueólogo Português".
Nesse estudo, o autor definiu a situação conjectural de Talábriga com base nas restrições impostas pelo Itinerário, isto é, esta cidade da Lusitânia deveria ficar na intersepção de dois círculos: um centrado em Emínio e tendo de raio 40 milhas, e outro centrado em Cale e tendo de raio 31 milhas . O espaço assim definido exclui Cacia, ou qualquer outra povoação próxima de Aveiro, e exclui ainda as margens do Vouga. Segundo esta tése conjectural, a freguesia da Branca, do concelho de Albergaria, teria grandes possibilidades de conter nos seus limites as ruínas deste oppidum romano.
Continuando, o mesmo autor refere sabiamente que...
Informações mais detalhadas sobre a localização de Talábriga encontram-se no chamado Itinerário de Antonino, um roteiro do império, preparado ao longo do século III, que indica estradas, cidades e distâncias. Segundo esta fonte, Talábriga ficava junto à estrada que ligava Olisipo a Brácara Augusta. (...) entre Emínio e Lancóbriga, a uma distância de 40 milhas (= 64 Km) da primeira e de 18 milhas (= 28,8 Km) da segunda. A distância que deveria separar Talábriga de Cale, 31 milhas (= 49,6 Km), obrigaria a colocar Talábriga um bocado a norte do Vouga. (...)
O interessante destes métodos é revelarem um «olho» de intersecção geográfica que delimitam o campo de dispersão de probabilidades na localização de Talábriga.
Elaborando uma tabela de todas as distâncias referidas no Itinerário de Antonino teríamos o quadro seguinte:
QUADRO I


Itinerário de Antonino
* L. S. L. / Ptolomeu
Cale - Lancobriga
A
13 milhas (= 20,8 Km)
= 13
Lancobriga - Talabriga
B
18 milhas (= 28,8 Km)
    30 milhas (= 48 Km).

A + B
31 milhas (= 49,6 Km)

Talábriga - Eminium
C
40 milhas (= 64 Km)
= 40 milhas (= 64 Km)
Cale - Eminium = A + B + C

71 milhas (= 113,6 Km)
*83 milhas (= 132,8 Km)

O cálculo para a distância total de Cale - Æminium por soma de segmentos do Itinerário de Antonino [(Cale - Lancobriga) + (Lancobriga – Talabriga) + (Talábriga – Eminium) = A + B + D (do quadro)] dá apenas 71 milhas (= 113,6 Km) o que, sendo de 104.5 Km ou 70.5 milhas a distância em linha recta entre Coimbra e Gaia é manifestamente pouco! Meia milha para curvas não parece convencer ninguém sobretudo estando nos habituados às estadas do «Estado Novo» que por terem sido adjudicadas ao metro (e a ingleses?) ficaram mais ao SS do que aos RR!
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Figura 7: Estrada que ligava Olisipo a Brácara Augusta.
Tal parece ser o que resulta também dos pressupostos que teriam estado por detrás da feitura do mapa do lado. No entanto este mapa não entra em linha de conta com o facto de a ria de Aveiro ter sido então muito mais reduzida do que é hoje nem teria o «cabedelo» superior que ali se desenha. Mesmo assim, o mesmo autor anterior adianta depois o argumento decisivo:
... o Itinerário de Antonino contém necessariamente um erro em alguma das distâncias entre Emínio e Cale. Com efeito, sendo de 104,5 Km ou 70,5 milhas a distância em linha recta entre Coimbra e Gaia, não pode estar correcto o comprimento de 71 milhas que o Itinerário indica para a estrada entre as duas cidades. Aliás, no início do século, a estrada real media cerca de 78 milhas entre os mesmos pontos e na idade média parece que era ainda mais longa.

AS ESTRADAS ROMANAS

Sabemos que o Itinerário de Antonino não utilizou o valor da milha moderna e que Félix Alves Pereira baseou os seus cálculos no pressuposto de que a milha (milia passum) romana era menor de que a moderna. Porém, também as medições não seriam lá muito rigorosas e portanto, terão sido passíveis de terem um valor irregular dependente de quem as media. Neste caso, nada obsta a que tenha havido divergência de valores que se tenham ficado a dever tanto a um menor rigor na medição como à utilização de uma bitola mais próxima da actual, facto que poderia ser comprovado in loco com novas medições de troços de que haja certeza nos marcos miliares. Por esta razão todos os estudos em curso[13] ou projectados com esta finalidade seriam inestimáveis. Só que estes estudos dificilmente poderão ser conclusivos se vierem a ser efectuados à secretária ou por gente sentada em meios aéreos.
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Figura 8: A antiga estrada romana de Braga a Mérida passava por Numão e atravessava o Douro de Seixas ao Seixo na zona do embarcadouro em “Porto de Bois”, seguindo depois Teja abaixo até ao rio Douro onde deveria haver então no Vesúvio uma ponte de barcas.
Um completo levantamento dos «caminhos velhos» de antigamente esteve até há pouco tempo quase todo ele por fazer quando a verdade é que estes só foram abandonados ou reconvertidos em detrimento de estradas de alcatrão há menos de 40 anos. Os «caminhos de Santiago» eram a norte de Portugal o que restava na Idade média das velhas estradas Romanas que se dirigiam a Bracara Augusta, a mais importante das cidades do norte da Península Ibérica. O carácter inestimável das vias romanas foi tal na história da Europa que as estradas romanas secundárias deveriam ser quase tão numerosas como eram as estradas principais de meados do sec. XX e, à semelhança destas ter-se-ão espalhado até há bem pouco tempo, vias de traçado romano, por toda a parte.
Recordo-me de na minha infância calcorrear a pé algumas delas com as suas características lajes de granito e xisto corroídas por sulcos paralelos em resultado de milénios de calcorreio de “carros de bois”! Uma delas atravessava a minha aldeia vinda seguramente de Ranhados depois de atravessar Cedovim e daqui seguia numa ponte romana ainda ali existente e com um percurso de rectidão que ainda espantava a gente local à Horta do Douro e daqui à Sequeira, e depois, pela ponte da Zaralhoa, descia o único percurso possível, acidentado e ínvio, pela zona do «Castelo Velho» para chegar a Seixas pela fonte dos Cântaros; seguia até ao «Fim do Povo» e ia pelo lugar das «Alminhas» (de que quanto me lembro, já só restava o nome) em direcção à quinta de “Porto de Bois”. O nome deste lugar não deverá ser mero acaso porque em tempo de boa pluviosidade a Teja era navegável a partir daqui permitindo o fácil embarque do azeite da Horta em barcos rebelos que demandavam o Douro. Dado o grande declive entre Porto de bois e o Douro é bem possível que a estrada romana aproveitasse as margens navegáveis da ribeira Teja e iria terminar na aldeia de Arnozelo, um local encantado perdido na paisagem e na história; terra de antigos pescadores de rio, hoje quase desertificada pela imigração!
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Figura 9: Quem chega ao Arnozelo e dali se debruça sobre o Douro, que lhe fica à frente e ao fundo, abre desmesuradamente os olhos e fecha a boca inapelavelmente. Está perante um dos mais impressionantes cenários durienses. (...) -- Miradouros de Foz Côa.
Não sabemos se existiu por aqui alguma ponte romana mas sabemos que na zona da Srª. da Ribeira, esta é a única localidade de antiquíssimas tradições piscatórias e de travessia do rio.
Numa primeira aproximação à etimologia do nome da pitoresca e bela aldeia do Alto douro de nome Arnozelo parecer-nos-ia que o nome faria jus às tradições locais de pescaria no Douro.
«Armazelo/armuselo» < • s. m. espécie de rede. «Arnoso» < • (Lat. arnosu po arenosu), adj. de terra arenosa; • s. m. arneiro.
Arnozelo < lat. Arnocellu? Ou antes, < Lusit. *Harnoxelo (conot. toponimia local da Raxola, ali bem perto, e o nome Arincho, do deus lusitano Arentio?) < Karnaçau-lu < *Karnalasso, lit.abundância de carne”???.
É quase óbvio que os romanos latinizaram o nome indígena deste castro lusitano misturando a ideia de redes da sua ancestral actividade piscatória com peculiaridade arenosa do terreno local provocada por uma ponta da língua de afloramento granítico metida entre o xisto típico do Alto Douro. Porém, o nome da terra derivaria da sua riqueza que em tempos arcaicos só podia ter sido o pescado.
Carne de pescado, obviamente, porque só com a taxonomia de Aristóteles é que se começou a duvidar que o peixe não era carne por ter muito “músculo branco”. De resto, quem sabe se a sanguínea lampreia, abundante por estas paragens não seria considerada carne pelos povos antigos?
O sufixo -lassa seria tipicamente minóico o que induziria a forte suspeita, já revelada por indícios etimológicos retirados da toponímia e do nome de certas divindades conhecidas da Lusitânia, de que estas paragens da península Ibérica foram outrora colonizados pela talassocracia cretense. A continuada presença de povos marítimos do oriente médio nas costas e vales de grandes rios da península ibérica foi uma das razões pela qual os romanos se adaptaram tão bem à Ibéria que colonizaram de forma tão fácil e tão cuidadosa nela permanecendo mesmo com o nome de império visigótico, na verdade mais uma variante ibérica do império romano do que uma versão germanizada deste.
No entanto o nome da aldeia do Arnozelo pode ter origem num facto muito anterior à ocupação romana e ser devido ao facto de esta terra ser zona de fronteira onde por isso seria adorado o deus Aernus dos zoelas, que o nome referiria literalmente.
«Arnozelo» seria assim a evolução do topónomo referente a um local de culto fronteiriço ao deus dos Zoelas, Aerno-Zoelo.
El territorio habitado por los Zoelas. Sánchez-Albornoz, interpretando a Plinio y siguiendo a algunos autores modernos como Flórez, Vigil y Macías, apoyó la tesis de la ubicación del territorio zoela entre los ríos Navia y el Eo21. Sin embargo, según la mayoría de los investigadores que han llevado a cabo su labor en las últimas décadas, el área habitada por este pueblo estaría en la región de Bragança, extendiéndose hacia el este hasta la Tierra de Aliste, en la provincia de Zamora, y hasta el área de Miranda do Douro.En este sentido, el hecho de que la dedicación al dios Aernus por el ordo Zoelarum se hallara cerca de Bragança es un dato determinante. -- EL DIOS AERNUS Y LOS ZOELAS, Juan Carlos Olivares Pedreño, Universidad de Alicante.

CALE – ÆMINIUM
A diferença de cerca de 5 milhas no trajecto da via romana Cale – Æminium prevista no Itinerário de Antonino como sendo de 71 milhas e as presumíveis 78 milhas da mesma estrada na idade média pode ser o resultado das voltas que a estrada passou a dar para poder ter a protecção de todos os castelos por onde deveria passar. O castelo de vila da Feira pode ter sido um caso típico de cidade que se desenvolveu longe da via romana e que obrigou a um desvio desta e a um declínio da velha Lancobriga!
Já Jorge de Alarcão refere a propósito das dúvidas sobre o local do percurso da estrada romana entre Scalabis (Santarém) e Sellium (Tomar) que «uma recta entre as duas cidades coincide, porém, com a indicação miliária do Itinerário». A verdade é que as estradas romanas eram célebres pela segurança que permitiam na condução das suas velozes quadrigas, qualidade que resultava tanto da lisura e solidez do piso, garantido pelo seu revestimento com largas e duras lajes de cantaria, como pela relativa rectidão e pouco desnível do seu traçado! A certeza de que estas características de qualidade não eram assim tão difíceis de garantir pela engenharia romana é-nos dada pelo facto de que, com tecnologia ainda pouco mais evoluída, a revolução industrial conseguiu encher a Europa de caminhos de ferro que tinham de garantir quase que as mesmas características de traçado!


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Figura 10: Vias Romanas em Portugal, © Copyright Pedro Soutinho, 2004-2007.
Obviamente que estas garantias de perfeição arquitectónica romana só eram conseguidas nos percursos entre as civitas principais e que eram os equivalentes das modernas auto-estradas. E mesmo assim haveria que pensar na travessia das zonas de montanha que no trajecto Cale – Æminium implicava a serra do Luso. Claro que para tanto foi necessário um investimento de muita e férrea vontade imperial. Na verdade, o esforço arquitectónico das estradas romanas só era possível porque existiam escravos e haviam uma vontade política imperial de fazer com que todas as «estradas fossem dar a Roma».
O gigantismo das obras públicas da «Pax Romana» tinha um preço que acabou na banca rota do império! Ora, uma das razões pelas quais a «idade média» foi considerada das trevas reside precisamente no facto dos escravos terem passado a servos e de a penúria económica do baixo império ter deslocado o centro do mundo para a urgência do castelo local como única defesa contra a instabilidade social e política que se generalizou depois da falência do império romano que as invasões bárbaras apenas vieram agravar! Os romanos, de origem anatólica, eram uma civilização continental que preferia os planaltos cerealíferos aos baixios pantanosos e pestilentos da beira-mar. No entanto, a construção de estradas transitáveis de forma célere por quadrigas exigia um traçado que compatibilizasse distâncias mínimas com fracos desnivelamentos e curvas perigosas.
Como se pode ver na Figura 11 o traçado da estrada romana Norte-Sul só seria compatível com tais exigências de comodidade imperial se seguisse de perto a linha de transição orográfica entre os sopés dos relevos montanhosos continentais e a costa da beira litoral. Deste modo, as vias romanas terão seguido quase a mesma lógica dos futuros caminhos-de-ferro e das actuais auto-estradas sendo esta a razão pela qual contornavam sempre que podiam cursos de água que não fossem baixios. No entanto, nada nos comprova que estas estradas não fossem meros melhoramentos de velhos e arcaicos caminhos de cabras autóctones que seguiam a mesma lógica natural onde as sinuosidades procuram sempre apenas suavizar os declives.
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Figura 11: Vias romanas no zona centro de Portugal e o sector de intersecção das distâncias de Talábriga a Cale e a Æminium pelo Itinerário de Antonino.
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Figura 12: Mapa de Portugal com círculos centrados em Gaia(= Cale) e Coimbra(= Æminium) e ambos com raio de cerca de 40 milhas. Esta análise de geometria geográfica permite concluir que Talábriga teria que se situar no sector triangular definido no mapa anexo com cor amarela de vértice cerca de S. Pedro do Sul. O circulo menor com centro em Cale teria de raio as 13 milhas de Cale - Lancobriga.
Mas, a aceitar que existe mesmo um erro nas medidas de Itinerário de Antonino por impossibilidade prática de um trajecto quase coincidente com a linha recta será que não deveria ser imputável a todo o trajecto ou seja a um erro aleatória e sistemático nas medições e ao uso duma bitola miliar maior do que se tem pensado?
E se existiu mesmo um erro pontual será que este era relativo a Cale ou a Talábriga? Como não sabemos ainda, só nos resta “distribuir o mal pelas aldeias” no mesmo balde dos enviezamentos!
Uma vez que a comparação com os cálculos de Ptolomeu apontam para uma subestimação da distância Cale - Talábriga podemos admitir que esta deveria ser então corrigida para 41 milhas, o que afinal, nem difere assim tanto das 43 previstas a partir de Ptolomeu, independentemente das suspeitas que recaem sobre os dados deste autor. Arredondando o suficiente para dados com 2 mil anos de idade podemos aceitar que Talábriga ficava a meio caminho entre Cale e Coimbra permitindo traçar um “olho” de intersecção geográfica cujo angulo interno (o externo é no Atlântico) coincide sensivelmente com o local das termas de S. Pedro do Sul e cujo eixo maior seria atravessado pela fértil e próspera região de entre Vouga e Águeda.
Assim, com a lógica deste esquema geográfico não se consegue excluir a cidade de Aveiro embora, por ter tido nome latino próprio, deva ser excluída. Mas não deveria ficar muito longe dela pois todas as grandes cidades do litoral gostavam de ter porto marítimo perto.

BRANCA
Dito de outro modo, Aveiro é o que foi outrora porto de Talabriga e esta ficaria junto ao rio Ave na transição entre a montanha e o litoral e teria como ponto central a área que fica no actual concelho de Albergaria-a-velha, razão pela qual alguns autores pretendem ver Talábriga em ruínas encontradas em Branca. E, no plano da linguística até poderia ser!
A origem do nome Branca, ao contrário do que indica a tradição oral, ou do que indica a palavra, não tem origem no nome ou cor de qualquer pessoa ou objecto. A lenda que se conta na tradição oral é de que em tempos, a freguesia da Branca era uma quinta, sob a posse de uma senhora de nome D. Branca. Tendo um dia aforado as terras, chamando pessoas, feitores, e trabalhadores que cultivavam a quinta, sob a condição de que o seu nome seria dado à terra. Não há documentos que provem que a povoação continuou a existir depois da ocupação dos Visigodos, aquando a queda do Império Romano, ou até mesmo no tempo da ocupação dos Mouros, mas tudo nos leva a crer que sim, dado que pouco tempo após a passagem da Reconquista por esta região, eram redigidos documentos que mencionavam a vila de Auranca, como sendo a actual Vila da Branca, no mesmo local onde se situava a cidade de Talábriga.
A facilidade com que os eruditos desprezam a tradição oral torna-se por vezes tão pedante quanto caricata é a tendência dos latinistas para tudo reportarem aos romanos. Na verdade Branca pode ter a mesma etimologia do Engl. bright e ambos com o sufixo –Brig, de Talábriga, já estudado, pois a verdade e que o nome da cor «branca» também não é de origem latina!

Ver: CORES (***)

Um nome começado na tradição latina e depois afeiçoado às conveniências da língua celta é coisa altamente improvável tanto mais que, a ser o nome duma mina esta já ali existiria pois os romanos eram mais lesto a apropriarem da riqueza indígena, que rapidamente exploravam até a exaurirem, do que a descobrirem mais valias naturais.
No entanto, historiadores, filósofos e Padres que escreveram acerca do assunto, defendem que Auranka é de origem latina, mas de influência bárbara. Auranka deriva de Aureus, Aurum, que provém das minas do Palhal que têm a sua origem na Idade do Ferro. Já o sufixo Anka, de origem Celta, dando assim origem à palavra Auranka. -- Wikipédia, a enciclopédia livre.
Branca ou luminosa (Engl. Bright) como o ouro acaba por dar o mesmo! Importaria saber se as minas eram de ouro ou de estanho!
Naquele vale (de ambos os lados do Caima), há também um antigo complexo mineiro que se encontra actualmente abandonado, que foi de extrema importância no país, de onde se extraiu Enxofre, Carvão, Volfrânio, Galena, e até mesmo algum Ouro.
A exploração mineira é ancestral na freguesia (Ribeira de Fráguas), tendo sido no século XIX que ela se intensificou, designadamente as minas do Coval da Mó e Volta de Telhadela, nas quais se extraía cobre e chumbo. Em 1744, os ingleses descobriram as minas do Palhal. A tradição conta que continham vestígios de indústria metalúrgica, do tempo dos Mouros. Em 1796, foram abandonadas devido a uma cheia do rio Caima. Em meados do séc. XIX foram exploradas pela Companhia Lusitana de Mineração, produzindo cobre, galena de chumbo, blenda, níquel, cobalto e alguma prata.
O ouro vestigial parece ser um fraco argumento para o nome desta vila ainda que da visigótica Auranka se vá facilmente a Branca sem ter que passar por Alverca (J)! O difícil é chegar a Auranka!
«Branca» < Vranka < A-vranka (Al-branca > Alverca?)
< Auranka < Haur-ankê, lit. “a que da vida ao sol” ó Ker-(An)Ket
> Wer-et.
Ora, a topografia da região contem dados bastantes para a justificação da toponímia de Branca!
Nesta freguesia, encontram-se vestígios de pequenos castros lusitanos, a que os historiadores atribuem a grande possibilidade de serem restos de um posto de defesa do território Lusitano, dado que do topo da Serra de S. Julião, se conseguem avistar o Oceano Atlântico, e todas as terras a norte até São João da Madeira (uma distância de cerca de 40km).
O topo da Serra de S. Julião seria, de facto, uma atalaia dedicada a uma Sr.ª Branca, a deusa da Alba e da Aurora dos celtas responsável pela lenda da Branca Flor. Branca pode ter sido um bairro de Talábriga que, por ter evoluído mais, deu nome àquela, numa suposta decadência da Talábriga após a queda do império romano.

Ver: BRIGANTIA (***) & BRETÕES (***)

PROCURAR TALÁBRIGA como “AGULHA EM PALHEIRO”

Mas, quem pode afirmar que Talábriga não tenha caído em tal ruína com a instabilidade fronteiriça da frente de reconquista que se tenha tornado no humilde logar de Paus (< Palos < *Kalu > Talo + -brig => Talábriga?) de Alquerobim no concelho de Albergaria-a-velha?
Albergaria-a-velha, é uma vila medieval que evoluiu a partir de um albergue que era uma espécie “estação de serviços” da grande via rápida romana de Olissipo a Cale que aparece nos tempos actuais como localidade tipicamente resultante dum fenómenos de «entroncamento» como o da Pampilhosa. Esta localidade dos entroncamentos ferroviários junto a Coimbra fica fora do sector de probabilidade geográficas de Talábriga, mas tem etimologia sugestiva pois, Pampilhosa, é literalmente terra pantanosa e de pampilhos, junquilhos e papiros ou terra de “todas as pilas” viris, fossem os pillum dos lanceiros ou forcados de picar bois.
Pampilhosa < Pan- | Phyl-ausha < *Kar-Kauka > | *Pan-Tali-Vouga
> *Talivosa.
Pallaça < Pallasha < *Karasha > *Tala-Wica.
Sem grandes sorrisos mas, com um pouco de boa vontade, a Pampilhosa até poderia ter sido uma anexa de Talábriga (= *Talivosa).
Talvez mesmo Pallaça fosse variante autóctone de Talábriga, com indícios duma toponímia relativa a um culto a um deus apolíneo, como o terá sido o caso de Paião da Figueira da Foz!
Porém, enquanto não for encontrada no Vouga uma Talábriga arqueologicamente convincente, esta pode ter sido absorvida pelo desenvolvimento do concelho de Aveiro e então os candidatos étmicos limitados por este sector em torno de Albergaria-a-Velha poderiam ser também outras localidades, umas etimologicamente mais prováveis do que outras, é certo, mas tais que:
Alcofra < Har-cau-phura < *Kar-ka-kuro > ?? Tala-Wur-ca > *Talawrix.
Arcozelo < Har-cau-phuro < *Kar-ka-kuro => ?? *Talawrix.
Bolfiar < Wol-Phy-Har > Kur-Ki-kar < < *Kar-ka-kuro => ?? *Talawrix.
Esgueira < Ishkeyra < Ihskur-kia > Kur-ishkia > *Karasha > *Tala-Wica!
Estarreja < Ish-Tar-urkya < Tal-kur-ash > *Talawrix.
Paradela < Paradeira < Paradouro < Lat. parare ( ou de Pala-thaura ??? < ??? Tala-Wyr + hia => *Talawrix > Talábriga.
Não é de fazer muita confiança nesta opção na medida em que não é convincente a relação entre Paradeira e Palathaura. Pelo contrário, Paradela seria uma das muitas albergarias e «paradouros» para mudanças de animais ao longo da antiga via romana que passava em Talábriga. De resto, como genérico comum que era são dezenas as freguesias e lugares com este topónimo em Portugal!
Valadares = Vala (< Lat. valla, s. f. • fosso para defesa de fortificações) + Thar + ish => que, por inversão de étimos, daria: Thala-War-ish => *Talawrix. São também muitas as aldeias e lugares com o topónimo de Valadares < Valla + Thar + ish, que seria um genérico relativo a todo e qualquer logar castrejo cercado. Talabrica pode ter tido como nome alternativo a Valadares por antonomásia se é que a Talabrica lusitana não foi nome de local habitado tão genérico quanto é hoje Valadares. Neste caso, S. Pedro do sul teria sido mais uma das muitas Valadares ou Talabrica da Lusitânia.
O étimo significante de Valadares seria Vallu- que alguns autores fazem derivar do latim vallum, [14](logar cercado por paliçada de troncos e paus, muro de terra ou de pedra; trincheira ou circunvalação). A verdade é que, a mera conjugação do verbo vallo (= fortificar com vallum) permite chegar a vallatioris ou a um qualquer outro termo derivado que permita chegar a termos do português actual tais como: «valador» (= aquele que faz em valados ou valas) e «valadar» (= demarcação de prédio rústico) o que pode indiciar que muitas vezes os etimologistas clássicos preferem os cominhos mais enviesados como a melhor maneira de não chagar a lado algum. Ora, vallum pode ser a evolução dum arcaico acádico < War-lu < Kar-lu, o homem de Kar, o guerreiro > tala > talar
Tala de talar <= Cast. (???) talar, v. tr. abrir sulcos em; • fazer valas em, para escoar os campos; • (fig.) assolar, devastar; • destruir;
Quer dizer que na génese de todos este equívocos semânticos esteve sempre o guerreiro (Ur > Ki-Ur > Kur) tanto enquanto a causa material e eficiente do «quero, posso e mando» que permite a criação de «torres» > «fortes», > «castros», > «castelos roqueiros» > «vilas» > «cidadelas» e «cidades», como da fundamentação étmica de todos estes genéricos e derivados. Porém, por imperativos de especificação semântica este étimo val- passou em português a ser reservado ao conceito de depressão de terreno relativo a um dos vários método de circunvalação defensiva por fosso: a «vala» => o «vale». Quando não é directamente o nome do guerreiro que determina o nome do objecto defensivo pode ser um correlativo do logar que, sendo naturalmente defendido, será seguramente o cume dum monte a que se juntam correlações fálicas, formais ou derivadas da virilidade guerreira, tais como «penha» e «oppidum» (< ophideo), ou correlações de atalaia, tais como «viso» e «devesa»! Pois bem, precisamente porque o termo «devesa» foi gerado no foro militar é que apreendemos o quanto a lógica etimológica se socorre da analogia intuitiva. Dos termos relativos ao conceito de cerca de defesa militar é possível, por conotação, derivar termos relativos a locais delimitados de povoamento humanos, urbanos (v.g. «castros», «vilas», etc.) ou rústicos (v.g. lat. villae, «valadares», «devesas»).
O termo devesa é, nesta particular relação com uma origem étmica arcaica no domínio das estratégias defensivas guerreiras, interessante por permitir elucidar a origem étmica do nome da cidade de Viseu [< veseo = (de)veseo => «devesa» > (inde)viso]. É que, alguns autores apontam o óbice de se desconhecer a forma de derivação que permitiria ir de «viso» a Viseu, ou com qual o sufixo seria isso possível. A verdade é que, muito provavelmente tanto «viso» como Viseu derivam dum antigo «viso» < veseo < vigia < vi-isho > vista < Vesta < (He)phiasto < Kiash > *Phiat > Pot-. Nesta cadeia etimológica os elos centrais relacionam-se com arcaicos deuses do fogo, sem os quais não seria possível a luz que ilumina a noite e o mundo e permite ver < lat. video, vîdi, vîsum, [Sanscr. root vid-, vêda, know; vindâmi, find; cf. vêda-s, sacred book; Gr. root id, Wid-, in eidon, saw; oida, know; Germ. wissen; Engl. wit, wot].
O fogo permite ainda, obviamente, cozinhar os alimentos e daí: Lat. vescu, comestível. Do mesmo modo e porque uma «aldeia é demograficamente um conjunto de fogos activos», não apenas no sentido metafórico, é que o Lat. vicu, aldeia < Wiasho < *Ki-kako. Pois bem, outras variantes linguísticas de locais habitados, ou vigiados ou defendidos, seriam possíveis em torno do étimo dos arcaicos deuses do fogo, dos quais o mais comum na Lusitânia teria por étimos -coso e -cosa relacionados com coisas tão genéricas e comuns precisamente como «coisa» e «casa»!
E ainda: Tavares. Taveiro. Távora. Etc... Como se vê, enquanto não forem encontradas ruínas convincentes ou uma lápide do género «IC TALAVRIC. EST», qualquer local do vale do Vouga pode ter sido Talábriga.

CONCLUSÃO II

Em conclusão, Talábriga poderia ser procurada em toda a parte entre o Vouga e o Àgueda porque parece ter herdado, com maior ou menor especializações, as tradições de artesanato e empreendimento fabril da vis semântica de Talábriga que poderia ser procurada e localizada numa região de curtumes como em S. João da Madeira, neste caso com a possibilidade adicional de estarmos a relacionar Talábriga com a produção de talas de madeira quem sabe se numa aldeia como é hoje Travanca < *Talav®anka, quiçá o nome original desta cidade que teria decrescido ao longo da história na proporção inversa de Aveiro que prosperava em seu detrimento!
Ou então numa região de produção de barro e telha o que não deve ser difícil naquelas paragens.
No decurso das escavações, foram assinalados inúmeros vestígios arqueológicos, particularmente cerâmicos: louça de cozinha e de mesa, ânforas, cerâmica de cobertura (tegulae e imbrices) e de pavimento (lateres), tudo peças de um gigantesco puzzle que levará o seu tempo a descodificar, no caminho do conhecimento das populações que, no Entre -Vouga e Marnel, estabeleceram os seus laços de família e vizinhança, legando um património sobre o qual, em última análise, entroncam as modernas populações da região, de que o "oppidum" do Cabeço do Vouga constitui um arquivo inesgotável. --- Fernando Silva (arqueólogo)
Talavera de La Rena, a Talábriga castelhana, nem de propósito vem confirmar este carácter fabril das Talábrigas lusitanas porque nela se veio as desenvolver uma das mais afamadas e procuradas cerâmicas da Europa ao ponto de Talavera significar para coleccionadores e antiquários uma peça de rara qualidade originária desta cidade espanhola!
Perto de Paradela temo Talhadas, relativa a «talhas de barro», mas mais provável etimologicamente poderá ter sido a aldeia perto de Branca, Telhadela (< Telladera, por ressonância adaptativa à fonética galaico portuguesa dum equivalente de Telawera < Talavera (de la Reina) < Talauwrica < Talábriga).
Pelo que me é dado ver tanto a Lancobriga quanto a Talábriga da via romana Cale-Æminium do Itinerário de Antonino foram literlamente varridas do pelo mapa da geografia de Ptolomeu! Sendo assim, o que a seguir se refere carece de importância e de fidedignidade:
Entre esse guia e o Itinerário de Antonino existem apenas três diferenças. Uma dessas diferenças é precisamente na distância de Talábriga a Lancóbriga. Enquanto o Itinerário indica apenas 18 milhas, o guia utilizado por Ptolomeu indicava 30 milhas (= 48 Km). Ora a distância tradicional por estrada entre o Marnel e Fiães anda precisamente em torno deste último valor. A distância entre Talábriga e Cale seria, pois, de 43 milhas (= 68,8 Km) milhas, sendo precisamente esta a distância entre o Marnel e Gaia pela antiga estrada real.
Com estas medidas a coincidência das distâncias de Marnel e Fiães com as Talábriga a Lancóbriga não deixa de ser fantástica. Mas, as mesmas distâncias seriam válidas para Palhaça, e, ainda mais impressionantemente, para Tarouca. Tais cálculos inferidos de Ptolomeu são idênticos à distância de Caldas de Lafões a Tarouca.
Sendo assim, pareceria que o erro estaria na distância Lancobriga - Talabriga. Porém, que apostar num engano de tal magnitude (de quase 50%! em relação ao diferencial entre os dados sobre mesma distância Lancobriga - Talabriga) entre dois autores clássicos quase contemporâneos arrisca-se a por tudo em dúvida já que não há razões para acreditar em fontes privilegiadas a respeito desta matéria por mais respeito que nos mereça Ptolomeu! De qualquer modo, os dados de Ptolomeu, ao permitirem uma correcção à distância Lancobriga - Talabriga, permitem-nos compreender as incorrecções previstas no Itinerário de Antonino mas nada nos dizem sobre o que seria a distância mais correcta de Cale - Lancobriga.
Que razões presumir para explicar um erro tão grosseiro? Não será esta correcção “pior emenda que o soneto” por ser manifestamente exagerada? Será que não houve erro em ambos os autores? De três diferenças encontradas aponta-se apenas uma, porquê? Mesmo a distância entre Talábriga e Cale é obtida por dedução no pressuposto de que a distância Lancobriga - Talabriga seria igual nos dois autores.
O problema é que não foi estudado se também na distância de Æminium a Lancóbriga se comentem erros idênticos à de Marnel a Coimbra nos cálculos de Ptolomeu. Pelos dados disponíveis suponho que o óbice geométrico de que "a distância que deveria separar Talábriga de Cale, 31 milhas ou 46 Km, obrigaria a colocar Talábriga um bocado a norte do Vouga" se mantém mas, agora, para que Talábriga fique a uma distância adequada de 40 milha de Éminio.
O facto de a distância em linha recta entre Coimbra e o Marnel ser cerca de 32 milhas (= 51,2 Km) e a distância por estrada entre Emínio e Talábriga ser de 40 milhas (= 64 Km), segundo o Itinerário, sugere que a estrada se afastaria bastante da linha recta, facto que uma série de outras observações parece confirmar. Na verdade, a análise da distribuição dos vestígios romanos, do povoamento medieval e dos centros de poder local na idade média sugerem claramente que a estrada romana seguiria pela margem esquerda do Cértima até Sangalhos, onde se deveria situar uma mansio, e acabaria por cruzar o rio Águeda entre Ois e Travassô. O percurso mais natural por esta directriz mede muito aproximadamente as 40 milhas do Itinerário. Este traçado mais longo deverá ter resultado da necessidade de evitar a travessia do rio Águeda no centro da sua várzea bem como as travessias dos numerosos afluentes da margem direita do rio Cértima.
Embora no mapa o Certima corra longe de Sangalhos quem sou eu para dar lições de geografia a quem quer que seja. Porém, as mesmas dúvidas de irregularidade de itinerário seriam válidas para o percurso de Talábriga a Lancobriga, o que, dito de outro modo, significa apenas que estamos no domínio do «mais ou menos», o que é pouco para optar por uma terra sem credenciais Históricas nem étmicas como o Marnel. Neste caso, apostaria mais em Travassô (< Tarawa-ashoth < Talabaçate = ponte de Talaba º tala-briga) do que no Marnel para candidata a Talábriga, porque, em matéria científica, não me parece correcto apostar no escuro e, neste caso, a etimologia é, por ventura, o único trunfo que salta à vista. De facto nada há a opor a uma tal tese, só que, para convencer, não basta um argumento destes sem que existam por detrás argumentos mais sólidos, porque a razão para que os cálculos não batem certo com a teoria podem sempre ser outras.
Como “cesteiro que faz um cesto faz um cento”, desde o momento que se levantou a suspeição sobre os dados numéricos da distância de Talábriga a Lancobriga no Itinerário de Antonino Pio então outras imprecisões seriam de admitir. Se Antonino não errava sistematicamente, como qualquer académico honesto, também não estava livre de vários lapsos então pode-se acreditar firmemente que a distância de 40 milhas (= 64 Km) por estrada do Etinerario não era entre Æmínio e Talábriga mas sim entre Æmínio e Lancóbriga pois coincide com a distância entre Tarouca e S. Pedro do Sul.
Na falta de melhor argumento, senão de peso pelo menos dos que se veriam à distância, com base em cálculos geográficos que se pensava possível a partir da hermenêutica dos textos clássicos voltamos às suspeitas iniciais de que a candidatura do Marnel ao troféu turístico de ter sido Talábriga anda a ser promovida por obscuros interesses que pouco terão a ver com a verdade da história. Perdendo este argumento e faltando apoio étmico a Marnel só nos resta suspeitar que as divergências tão bem estudadas por Luís Seabra Lopes entre Ptolomeu e Antonino se podem dever a factos muito simples. A lógica duma similitudes em milhas por estradas romanas de traçado desconhecido e irregular com a localização suposta em Ptolomeu e Antonino serviria para várias outras localidades propostas para a mesma zona geográfica tais como Aveiro, Cacia, Branca, Sôzo, Monte da Senhora do Socorro, Ul e Vale de Cambra.
Ul (Oliveira de Azeméis) -- Uma inscrição aparecida em Ul (Oliveira de Azeméis) e representando o que parece ser um ‘T’ ibérico levou Castro (1980) a considerar a hipótese da localização de Talábriga em Ul. Fernandes (1994) também admite como provável a localização da Talábriga pré-romana em Ul.
Vale de Cambra -- Fernandes (1994) procurou demonstrar que o topónimo Cambra pode ter derivado do topónimo Talábriga, através da seguinte sequência: Talabriga > Calabriga > Calabria > Calambria > Caambria > Cambra. A partir daqui, o autor sugere que as gentes de Talábriga teriam, com a invasão romana, migrado para o interior, mais precisamente para a zona de Vale de Cambra. Assim, a Talábriga pré-romana seria junto à estrada, provavelmente em Ul, e a Talábriga romana seria em Vale de Cambra.
Em relação a Ul e Vale de Cambra não posso concordar com as derivações de Fernandes (1994) na sequência:
Talabriga > Calabriga > Calabria > Cala(m)bria > Caambria > Cambra, por implicar a adição suplementar duma sílaba em «eme» coisa que não sói acontecer impunemente por este corresponder quase sempre a uma referência arcaica e implícita à deusa mãe, Ama…ou a um plural, gentílico ou tribal, de origem semita. Depois porque tudo aponta, nos raros indícios relativos às raízes linguísticas mais arcaicas e pré-romanas da Lusitânia, que mais facilmente se poderia ir duma *Calabriga virtual (que nem sequer seria assim tão virtual porque pode até ter sido a mãe da Calábria napolitana) a Talabriga, do que em sentido inverso!
De resto, é sabido que a via popular faz derivar «cambra» (v.g. em «cambra d´ar») do mesmo étimo da via erudita de «câmara» (< Lat. camera < Gr. kamára) nome com reconhecidas conotações municipalistas, as quais nada têm a ver com o que se sabe da capitulação incondicional e humilhada de Talábriga.



[1] Luís Seabra Lopes (lsl@ua.pt).
[2] A Roman Atlas bay Bill Thayer, petworth@21stcentury.net
[3]
Sacrum promontorius
2,50
38,25
Aritium
5,67
41,50
Ebura
7,00
39,08
Londobris
3,00
41,00
Catraleucus
5,67
39,33
Verurium
7,25
41,08
Ossonoba
3,00
37,83
Foz do rio Nebis
5,67
42,75
Aeminium
7,33
41,00
Balsa
3,67
37,75
Foz do rio Tamara
5,67
44,67
Burdua
7,33
40,00
Barbarium promontorius
4,83
39,83
Foz do rio Via
5,67
44,33
Evandria
7,33
39,25
Caetobrix
4,92
39,50
Laccobriga
5,75
40,25
Liciniana
7,33
39,67
Luna promontorius
5,00
40,67
Araducca
6,00
41,92
Talabriga
7,50
40,75
Foz do rio Calipodis
5,00
39,00
Bracaraugusta
6,00
43,67
Geraea
7,67
39,08
Salacia
5,08
39,42
Braetoleum
6,00
40,00
Rusticana
7,67
40,50
Foz do rio Monda
5,17
40,83
Celiobriga
6,00
42,33
Norba Caesarina
7,83
39,92
Foz do rio Vacus
5,17
41,33
Scalabis colonia
6,00
40,92
Augusta Emerita
8,00
39,50
Oliosipon
5,17
40,25
Selium
6,00
41,33
Augustobriga
8,00
41,25
Julia Myrtilis
5,25
38,75
Volobriga
6,00
42,58
Cottaeobriga
8,00
41,50
Caepiana
5,33
40,00
Arandis
6,17
39,08
Turmogum
8,00
40,25
Mirobriga
5,33
39,75
Meribriga
6,17
39,67
Complutica
8,33
43,42
Foz do rio Minius
5,33
43,67
Tacubis
6,33
40,75
Laconimurgi
8,33
40,75
Junto à Foz do rio Durius
5,33
41,83
Aqua Flavia
6,50
43,42
Manliana
8,33
41,00
Pax Julia
5,33
39,00
Caladunum
6,50
43,50
Ocelum
8,33
41,25
Foz do rio ...
5,33
41,83
Elbocoris
6,50
41,25
Capara
8,50
41,00
Avarus promontorus
5,50
42,50
Araducta
6,67
41,50
Lama
8,50
40,08
Chretina
5,50
40,67
Caurium
6,67
40,00
Lancia oppidana
8,50
41,67
Lavare
5,50
41,75
Concordia
6,67
40,50
Tuntobriga
8,50
43,42
Foz do rio Avus
5,50
42,25
Velladis
6,67
41,08
Caecilia Gemellina
8,67
39,50
Foz do rio Limius
5,50
43,25
Colarnum
6,83
39,75
Capasa
8,67
39,17
Foz do rio Tagus
5,50
40,50
Mendiculeia
6,83
40,25
Diobriga
8,67
40,67
Orvium promontorus
5,50
44,00
Pinetus
6,83
43,58
Obila
8,83
40,42
Arabriga
5,67
40,50
Sallaecus
6,83
39,50
Salmantica
8,83
41,83
Arcobriga
5,67
39,75
Ammaea
7,00
39,33




[4] O DOMINIO ROMANO EM PORTUGAL, de Jorge de Alarcão.
[5] Luís Seabra Lopes (lsl@ua.pt)
[6] idem.
[7] idem.
[8] SOBERANIA DO POVO, 30 de Junho de 2000.
[9] SOBERANIA DO POVO, 30 de Junho de 2000.
[10] SOBERANIA DO POVO, 30 de Junho de 2000.
[11] Página criada em 21/09/1999 Última actualização: 23/09/1999 Autor: Luís Seabra Lopes (lsl@ua.pt)
[12] idem
[13] Diz Jorge Alarcão que Vasco Mantas tem em curso um estudo deste tipo. No entanto apareceu em 2007 um blog http://viasromanas.planetaclix.pt/vrhist.html : Vias Romanas em Portugal.
[14] Varr. Liv. 33, 5, 4 sq.: castra vallo fossâque munire, Caes. B. G. 2.5: aliquem vallo et fossâ saeptum tenere, Cic. Att. 9, 12, 3: oppidum vallo et fossâ cingere, id. ib. 5, 20, 5: oppidum vallo et fossâ circumdare.