segunda-feira, 1 de setembro de 2025

DEUSES DO FOGO I, CACO & FAETONTE, por Artur Felisberto.


Figura 1: Representação orientada por IA duma cena duma urna etrusca da embuscada de Cacu.

CACO & CACA

As lendas itálicas conhecem Cacus outro filho de Vulcano, cujo nome apresenta alguma semelhança com o de Ceculus1. Esta linhagem é atestada sem qualquer variação por todos os textos que fornecem pormenores sobre o assunto3, mas nunca nos é dito nada sobre a forma do seu nascimento ou a identidade da sua mãe. De facto, ao contrário de Sérvio Túlio, Ceculus ou Rómulo, Cacus nunca aparece numa família, nem sequer como algo diferente de um adulto. É a Virgílio que devemos a versão mais conhecida e duradouramente famosa da lenda de Cacus, ou mais precisamente do único episódio desta lenda que parece ter realmente interessado os Romanos, a sua luta contra Hércules após o roubo de alguns dos bois do rebanho de Gerião que o herói trazia de volta para a Grécia via Itália. Na Eneida (8, 185-275), é Evandro quem, depois de ter feito Eneias e os seus companheiros participarem no banquete em honra de Hércules, explica que esta solenidade perpetua a memória da vitória deste último. Tendo sido testemunha ocular do acontecimento, mostra a Eneias onde se situava a morada de Caco, na realidade uma gruta nas encostas do Aventino, hoje desaparecida (Aen., 8, 193): Hic spelunca fuit uasto summota recessu...

Aqui havia uma espelunca (caverna), limpa de um vasto recesso.

cujo entorno já prenunciava a crueldade de seu hospedeiro (Aen., 8, 195-197):

semperque recenti caede tepebat humus foribusque adfixa superbis ora uirum tristi pendebant pallida tabo.

E o chão estava sempre quente com a matança recente, e os rostos pálidos dos homens orgulhosos pendiam tristemente nas portas.

O quadro é completado um pouco mais adiante pela menção dos pássaros nidificando acima do covil de Caco (Aen., 8, 235):

dirarum nidis domus opportuna uolucrum

Um lar adequado para os ninhos dos pássaros terríveis.

et participant sans doute à ses repas anthropophagiques, comme l'explique bien Servius (Aen., 8, 233, 2):

dirarum uolucrum : modo dirarum non mali ominis dicit, ut sunt bubones, sed quae humanis cadaueribus uescebantur

Um pássaro terrível: agora ele diz terrível, não de mau agouro, como as corujas, mas que se alimentava de cadáveres humanos.

Assim preparado, o retrato de Caco corresponde ao que se poderia esperar do anfitrião de tal morada. A descrição é feita em duas etapas: um pouco resumida no início, é completada no final da história, quando Evandro evoca o cadáver daquele de quem dificilmente teria tido a oportunidade de se aproximar quando estava vivo. Desde o início, Caco é descrito como semi-homo, depois monstrum e finalmente semifer. Pode questionar-se o alcance exato destes termos, se devem ser tomados apenas no sentido mora, ou se implicam uma aparência metade humana, metade animal para a nossa personagem; em todo o caso, notamos que o poeta não dá pormenores sobre a aparência possivelmente bestial de Caco; tudo o que nos diz sobre ele é que tinha o peito peludo:

...uillosaque saetis pectora...

...e tinha o peito coberto de pelos...

e que era demasiado alto: isso é muito pouco para um monstro! De facto, o único traço claramente sobrenatural é a sua capacidade de cuspir fogo, sinal tangível da identidade do seu pai, Vulcano:

Huic monster Volcanus erat pater:

illius atros ore uomens ignis magna se mole ferebat.

Volcanus foi o pai deste monstro: da sua boca negra saía uma grande massa de fogo.

Ao contrário de outros heróis para os quais o deus ferreiro fabrica armas "convencionais", Caco foi, por isso, dotado pelo pai de uma "força de ataque" muito particular, que utiliza para aterrorizar os seus vizinhos, mas se revela insuficiente contra Hércules: é certo que então o próprio ladrão de bois é aterrorizado. Virgílio multiplica em três versos as palavras que indicam o seu medo:

Tum primum nostri Cacum uidere timentem turbatum oculis;

fugit ilicet ocior Euro speluncamque petit, pedibus timor addidit alas.

Então, pela primeira vez, viu o nosso Caco, com os olhos medrosos e perturbados;fugiu imediatamente, mais rápido que Euro, e procurou uma gruta, o medo acrescentou-lhe asas aos pés.

e que usa o seu poder não para queimar o seu adversário, mas apenas para se esconder atrás de uma cortina de fumo:

e que usa o seu poder não para queimar o seu adversário, mas apenas para se esconder atrás de uma cortina de fumo:

Ille autem neque enim fuga iam super ulla perieli

faucibus ingentem fumum, mirabile dictu,

euomit inuoluitque domum caligine caeca,

prospectum eripiens oculis, glomeratque sub antro

fumiferam noctem commixtis igne tenebris.

Mas ele, como já não podia escapar, expeliu um vasto fumo, maravilhoso por assim dizer, da sua garganta, e envolveu a casa numa escuridão ofuscante, roubando a visão dos olhos e formando sob a gruta uma noite de fumo, escuridão misturada com fogo.

A escuridão da sua alma está associada a tal cobardia que nem sequer consegue usar uma arma extraordinária de forma adequada. -- "Sur les pistes de l’identité de Vulcain: par l’étude épigraphique de la pratique de son culte dans la partie occidentale du monde romain", Sautereau, Nicolas.

Um dos trabalhos de Hércules (o seu décimo trabalho) consistia em roubar o gado de Gerião, o rei de Tartesso. Depois de terminada a tarefa, quando regressava, parou para descansar em casa do rei Evandro. É aqui que Caco aparece em cena: naquela noite, Caco rouba dois dos melhores touros e quatro novilhos, arrastando o gado pelas caudas com intuito de cobrir as suas pegadas. Quando Hércules despertou, procurou em vão o gado perdido. Porém, quando estava a passar perto da caverna onde Caco estava escondido, um dos novilhos mugiu ruidosamente. Hércules, seguindo o som, encontrou Caco e matou-o, recobrando assim o gado.


Figura 2: Beham, (Hans) Sebald (1500-1550): Hercules killing Cacus at his cave, from The Labours of Hercules (1542-1548). Engraving, 1545. B.104, P.102. 2 X 2 7/8 inches, possibly i/iv.

Caca / Cacia, é um romance de dois contos muito antigo, mas que tarda em ser suplantado por Vesta. Era considerado um dos penates, ou dois domésticos, que ficavam encarregues do depósito ou penus da casa, e se localizavam na zona central. São prósperos e bem conhecidos, e passaram algum tempo abastecidos, e imagens deles foram mantidas são uma parte especial da casa que penetra, ou internamente. A própria Vesta era por vezes considerada uma das Penates, provavelmente através da sua ligação com Caca, e penus era também utilizado para o depósito especial no Templo de Vesta que albergava as relíquias sagradas que, na lenda, foram trazidas pelas Eneias das ruínas de Tróia. Tal como Vesta, Caca era adorada com um fogo perpétuo assistida por virgens.

Na antiga religião e mito romano, Caca / Cacia é a irmã giganta de Caco, filho de Vulcano que roubou gado de Hércules durante o curso de seus trabalhos ocidentais. Caca trai seu irmão revelando a localização do gado a Hércules, que por sua vez roubou o gado de Gerião.

Lactâncio, Institutos Divinos 1.20.36: "Há também o culto de Caca, que disse a Hércules que seu gado havia sido roubado: ela alcançou a divindade traindo seu irmão" (colitur et Caca, quae Herculi fecit indicium de furto boum, diuinitatem consecuta, quia prodidit fratrem), tradução para o inglês por Anthony Bowen e Peter Garnsey, Lactâncio: Institutos Divinos (Liverpool University Press, 2003), pág. 106.


Figura 3“Caca denunciando Cacu aos romanos”. Baixo-relevo dramatizado da cisão entre o fogo doméstico e o fogo profético. A figura feminina, junto à lira, representa Caca / Cacia, guardiã do fogo da casa, que entrega o irmão Cacu (vidente telúrico) à autoridade militar romana. -- A cena (criada com ajuda de IA) encena o apagamento simbólico das tradiçoes arcaicas pelo poder imperial.

É duvidoso que sobrenome Caciano seja de origem espanhola e quanto muito de origem do nome italiano Cassiano com ressonância com a palavra "cacique", que tem origem no idioma taino (kasike) e foi adotada pelos espanhóis para se referir aos chefes tribais indígenas do Caribe e, posteriormente, para todos os líderes de povos indígenas no Hemisfério Ocidental. Nos países hispânicos e lusófonos, o termo também passou a significar o chefe político que, exercendo o poder em um sistema de caciquismo, fica semelhante a um «caudilho».

«Caudilho» > Esp. Ant. Cabdillo

                    < B. Lat. *Cavthilum < Lat. capitellum < Lat. caput (> cabeça)

+ Anu > capitanu > «capitão».

Cassiano, vem do latim pagus Cassianus que mais tarde se tornou Cássia, a cidade de Santa Rita de Cássia.

Ao longo dos séculos, diversas famílias na Itália adotaram o sobrenome Cassiano, que passou por variações fonéticas e adaptações locais.

A Lombardia e a Toscana são duas regiões da Itália onde o sobrenome tem presença histórica marcante. A Toscana era a terra dos etruscos e estamos seguramente no ambiente onde em tempos arcaicos seria adorado Caco como deus do fogo.

Sérvio, nota para Eneida 8.190: "Sua própria irmã, que tinha o mesmo nome, o traiu: por isso ela ganhou um santuário no qual sacrifícios eram feitos a ela por meio das Virgens Vestais" (hunc soror sua eiusdem nominis prodidit: unde etiam sacellum meruit, in quo ei per virgines Vestae sacrificabatur).

Em sua abordagem conceitual da divindade romana, Michael Lipka dá Caco & Caca como um dos exemplos de pares divinos diferenciados por género, mas ligados por parentesco, já que Libera era irmã de Liber e Fauna a filha, irmã ou esposa de Fauno.

Ocasionalmente, os deuses eram diferenciados de acordo com o sexo. Isto pode ser ilustrado pela existência de pares de divindades masculinas e femininas, como Liber / Libera, Ceres / Cerus, Faunus / Fauna (Silvanus / Silvana) e Cacus / Caca.  Onde as fontes fornecem informações relevantes, estes pares estão ligados por parentesco: Libera é considerada irmã de Liber, Caca de Cacus, e Fauna filha, irmã ou esposa de Faunus. No entanto, a razão de ser de tais pares não era uma — inexistente — predilecção romana pelas genealogias divinas, mas as esferas complementares e relacionadas com o sexo das suas competências (fertilidade, criação de gado), embora Ceres e Liber possam ter sido originalmente substantivos indiferentes ao sexoÉ também de notar que ambos os parceiros nunca são igualmente proeminentes. Isto pode muito bem sugerir que não surgiram como pares, mas que um parceiro foi modelado no outro, permitindo assim que a parte mais pequena desenvolvesse a sua própria iconografia. Tal desenvolvimento é evidente em Roma para Libera (assumindo a iconografia de Proserpina) e com Fauno). Silvana (Silvano era geralmente identificado. Continua a ser difícil determinar se a diferenciação sexual inicial das competências divinas foi na verdade uma invenção romana ou simplesmente uma adaptação estrangeira. Há indícios de que Fauno/Fauna são importações ilírias.  O mesmo pode ser verdade para Liber/Libera, a menos que Libera tenha sido simplesmente "inventada" por ocasião da fundação da tríade aventina (...). Em contraste, Cero como correspondente de Ceres aparece apenas no hino sálio e numa inscrição do século III a.C. da vizinhança de Roma, e, portanto, parece ser um produto romano. Na mesma linha, Caca, formando um pendente de Caco, foi convincentemente interpretada como uma deusa romana mais antiga, apesar da sua rara e tardia aparição nas fontes. Roma. -- Roman Gods A Conceptual Approach by Michael Lipka.

Lipka parte da hipótese de que os pares divinos não surgiram simultaneamente, mas que um dos membros foi modelado no outro (geralmente o feminino como derivado do masculino). Tal pressuposto parece assumir que a mitologia teria sido concebida já em contexto patriarcal, quando, pelo contrário, foi com o patriarcado que se iniciou a teologia que viria a enfraquecê-la profundamente. Esta hipótese é depois usada para justificar a própria leitura estruturalista, o que constitui uma petição de princípio.Ao assumir que a assimetria de proeminência implica derivação, Lipka ignora a possibilidade de que a desigual visibilidade nas fontes seja resultado de processos históricos de apagamento ou marginalização, e não de origem tardia. A própria afirmação de que “ambos os parceiros nunca são igualmente proeminentes” é tautológica: parte da escassez de fontes para justificar a secundariedade ontológica.

Lipka negligencia a morfologia linguística como expressão simbólica da realidade religiosa romana. Os pares divinos em primeira e segunda declinação (Caca/Cacus, Fauna/Faunus) revelam uma estrutura binária arcaica. A existência de pares macho / fêmea com nomes morfologicamente simétricos sugere uma organização simbólica anterior à racionalização teológica. A linguagem não é arbitrária neste contexto: ela encarna relações de complementaridade funcional e ontológica, especialmente em domínios como fertilidade, criação, fronteira e transgressão. Lipka trata os pares como construções secundárias ou adaptações estrangeiras, ignorando que a mitologia arcaica opera por pares e tríades como formas primordiais de organização simbólica. Caca, por exemplo, é mencionada como “pendente” de Cacus, mas há indícios de que ela representa uma deusa mais antiga, talvez ligada ao fogo ou à revelação, como Servius sugere. A raridade da sua aparição não invalida a sua antiguidade, pelo contrário, pode indicar uma sobrevivência subterrânea de cultos pré-republicanos. Lipka parece oscilar entre considerar a linguagem como imotivada (seguindo pressupostos estruturalistas) e usá-la motivadamente para justificar a criação de pares divinos. Se a linguagem é arbitrária, então não se pode usar a iconografia ou a morfologia como prova de derivação. Se, por outro lado, se reconhece que Libera assume a iconografia de Proserpina, então está-se a admitir que a linguagem e a imagem são motivadas por relações simbólicas, o que contradiz a premissa estruturalista.

Conclusão: Lipka tenta encontrar coerência conceptual destruindo-a: ao negar a origem simultânea dos pares divinos, perde de vista a cosmologia binária que estrutura o pensamento religioso romano. A crítica que propomos não é apenas metodológica, mas ontológica: os pares não são construções secundárias, mas expressões primordiais da realidade simbólica.

A religião romana não se explica por pares inventados, mas por pares semânticos sistemicamente revelados — espelhos arcaicos de uma realidade simbólica que antecede qualquer racionalização estruturalista.

Esta formulação não é apenas uma conclusão estilística, mas uma demonstração ontológica: os pares divinos não emergem como duplicações funcionais, mas como manifestações linguísticas de uma lógica binária anterior à teologia. A morfologia dos nomes, a simetria das declinações e a persistência dos géneros revelam que a religião romana não constrói pares — ela reconhece pares que já estão inscritos na estrutura simbólica da linguagem e do mito. Lipka, ao tentar explicar a origem dos pares como adaptações ou invenções, ignora que o próprio sistema que analisa já opera por espelhamento semântico e complementaridade arcaica.

Apesar do atraso das únicas fontes antigas que a mencionam, Caca é provavelmente uma deusa romana mais antiga. Sérvio diz que ela tinha um sacellum (capela), provavelmente localizado em Roma, onde sacrifícios lhe eram feitos por vestais. Ela foi, portanto, vista como uma espécie de "proto-Vesta", uma deusa do fogo que compartilha com seu irmão de cuspir fogo a capacidade herdada de Vulcano.

O mito de Hércules & Caco é relatado por vários augusos escritores: Virgílio, Eneida 8.185-275, Tito Lívio 1.7.3, Ovídio, Fastos 1.543-86 e 5.643-52, Propércio 4.9.1-20 e Dioniso de Halicarnasso, Antiguidades Romanas 1.39. Estes relatos enquadram-se naturalmente em duas classes, nas quais Cacus é representado respectivamente como um patife inteligente e como um ogre sobre-humano. A primeira versão encontra-se em Tito Lívio e Dioniso, e a última ocorre primeiro em Virgílio e depois em Ovídio e Propércio. Numerosos pormenores partilhados mostram que Tito Lívio e Dionísio se basearam numa fonte comum, e semelhanças verbais que foram demonstradas entre Virgílio e Tito Lívio estabelecem evidentemente a dependência de Virgílio dessa mesma fonte. Parece, pois, que o ogre-Cacus é invenção de Virgílio. Certamente não há evidências de um Caco pré-vergiliano caracterizado como um ogre.

Em alguns monumentos etruscos do período helenístico, um mito etrusco difícil de interpretar é retratado, envolvendo o vidente Cacu (uma divindade profética) e os irmãos Vibenna (conhecidos por suas conexões com Macstarna/Sérvio Túlio, como mostrado nos afrescos do túmulo de François de Vulci, datando da segunda metade do Século IV AC).

A cena, embora variando ligeiramente em complexidade, é ilustrada em um espelho de bronze de Bolsena, datado dos séculos IV-3 a.C. e agora alojada no Museu Britânico. Também aparece em pelo menos quatro urnas cinerárias de Chiusi, datadas do século II a.C., originárias em particular da Tomba della Pellegrina, da área de Chiusi, Sarteano e Città della Pieve. Estes monumentos funerários estão preservados nos Museus Arqueológicos de Chiusi, Siena e Florença.

Os nomes das figuras principais podem ser identificados a partir das inscrições gravadas ao redor da borda do espelho de Bolsena, junto aos caracteres correspondentes.

Cacu está posicionado no centro da imagem, ou tocando (ou segurando) a lira e possivelmente cantando suas profecias.

Aos pés do vidente ou ao seu lado está um jovem (Artile), que parece estar segurando um pergaminho ou díptico, usado para transcrever as palavras do vidente.

De cada lado de Cacu estão Aulo e Célio Vibenna (Ávile e Caile Vipinas), armados com espada, escudo e capacete. Os irmãos assumem uma postura ameaçadora: um segura uma espada desembainhada, enquanto o outro ou a desembainha (ou talvez a embainha? ).

Em algumas das urnas deste tipo, homens armados adicionais aparecem atrás dos irmãos Vibenna ou ajoelhados nos cantos inferiores da cena (são eles os soldados ou inimigos da Vibenna? ).

Em alguns casos, outras figuras estão presentes que parecem estar fazendo gestos de súplica (mas para quem? ).

A cena, como sugerido por árvores e colinas, acontece ao ar livre.

A representação geral parece, portanto, representar o vidente Cacu em um bosque (sagrado), cantando versos proféticos que estão sendo transcritos por Artile.

Neste contexto, o papel dos irmãos Vibenna levantou questões. De acordo com a interpretação mais amplamente aceita, a postura ameaçadora dos irmãos exclui a ideia de que eles estão simplesmente a escutar a profecia. Em vez disso, acredita-se que eles estão planejando uma emboscada contra o vidente.

O objetivo desta ação pode ter sido raptá-lo (roubar o seu conhecimento sagrado ou matá-lo), pegar as tábuas contendo os versículos, ou extrair à força uma profecia.

No entanto, alguns estudiosos argumentam que as imagens não são tão inequívocas ao retratar um ataque dos irmãos Vibenna contra Cacu (não há confronto direto ou contato físico entre os irmãos Vulcianos e o vidente) e ainda há dúvidas sobre a interpretação dominante. Uma hipótese alternativa sugere que os irmãos podem estar protegendo o vidente.

A formação da história lendária de Roma demorou vários séculos. Desenvolveu-se não linearmente, mas caleidoscopicamente: tal como as mesmas peças coloridas num caleidoscópio podem ser sacudidas infinitamente para formar novos desenhos dentro das restrições básicas do vidro e das próprias peças, cada período romano "agitaria" os elementos nas lendas de Roma para formar novos padrões. Tal como o instrumento pode ser refinado pela adição de novas cores e formas, as lendas foram elaboradas com diferentes personagens e acontecimentos. As histórias em torno da figura de Caco funcionam desta forma. Caco é mais conhecido como o monstro horrível da Eneida (8.184 305)1 que luta com Hércules pela posse de gado que, na verdade, não pertence a nenhum dos dois, mas sim a Gerião, um monstro de três cabeças ou três corpos, que vive no fim do mundo, hoje conhecido por Espanha. Caco, por outro lado, reside em Roma, numa zona desolada do Aventino, numa vasta gruta. É o filho meio-humano de Vulcano, que prova a sua ascendência expelindo fogo e fumo, enquanto devasta a região durante o reinado de Evandro no Palatino. Hércules, ao regressar do roubo do gado, passa por Itália, onde Caco lhe rouba o melhor do gado com o estratagema inteligente de o arrastar para trás pelas caudas. Hércules recupera o gado não pelos esforços da sua inteligência "superior", mas com a ajuda das vacas capturadas, que se aproximam do resto do rebanho enquanto este o conduz. Hércules vinga então o roubo matando Caco. Em agradecimento por ter encontrado as vacas, o próprio Hércules estabelece a Ara Máxima e treina os Potitii e os Pinarii na execução do ritual apropriado.


Figura 4: Espelho de Bolsena.

Um espelho etrusco do final do século IV, de Bolsena, actualmente no Museu Britânico, apresenta, no entanto, uma visão completamente diferente de Caco. (Anexo I, nº 1; Figura 2) No centro do espelho, entre duas árvores, duas figuras em poses quase idênticas, um jovem e um jovem, sentam-se voltados para a direita, com as cabeças ligeiramente curvadas, os pés suavemente cruzados e as vestes cobrindo apenas a parte inferior do tronco. À direita, Caco — a inscrição surge no topo da sua cabeça, entre os ramos da árvore — toca numa lira, segura na mão esquerda, com uma palheta na mão direita.

Tem cabelos compridos e um torque em volta do pescoço.À frente, Artile — a inscrição vai de cima para baixo, logo atrás da cabeça — segura um díptico aberto nas mãos, sobre o colo. As letras do díptico não são legíveis. Na parte central superior da cena, um sátiro ou sileno, de orelhas pontiagudas e cabelo eriçado à moda virgiliana, observa por cima das rochas ásperas a acção que se desenrola por baixo dele. Como a sua forma o identifica facilmente, ele, sozinho, não possui inscrição. De cada lado de Cacu e Artile, dois guerreiros, com escudos e espadas, botas de cano alto, couraças com faixas, mantos e capacetes, estão posicionados num arbusto. Como as inscrições na orla do espelho nomeiam o guerreiro da esquerda Caile Vipinas e o da direita Aule Vipinas, heróis etruscos, o espelho retrata obviamente um acontecimento etrusco.

A forma apolínea de Cacu e o díptico que Artile segura levaram os estudiosos a interpretá-lo como um vidente acompanhado por um jovem assistente, Artile, ambos emboscados pelos irmãos Vibennae.

A interpretação dominante é que os irmãos Vibenna estão a emboscar Cacu, possivelmente para explorar as suas capacidades proféticas ou tomar o controlo do seu conhecimento. No entanto, alguns estudiosos defendem um papel protetor, sugerindo que podem estar a protegê-lo de outras ameaças. - Cacus and Marsyas IN ETRUSCO-ROMAN LEGEND, Joeelyn Penny Small.

Argumentos recentes destacaram o significado nupcial dos espelhos e conectaram o espelho de Bolsena com augúrios para um casamento bem-sucedido. Se assim for, não há necessidade alguma de assumir um mito maior por trás da iconografia do espelho. Em vez disso, o espelho pode sugerir virtudes masculinas, amplamente divididas em dois campos com dois representantes cada. As Vibennae simbolizam a arena militar, representadas com uma panóplia completa e com as espadas desembainhadas, enquanto Cacu e Artile, em trajes civis, segurando a lira e escrevendo tábuas, realçam a importância da religião e da esfera cívica. Como resultado, o espelho isola duas arenas de excelência masculina. Os rótulos das figuras podem, neste caso, ter sido escolhidos para enfatizar as virtudes das figuras retratadas.

No entanto, a maioria dos estudiosos concordaria que existe uma narrativa mítica por detrás da cena retratada no espelho. É geralmente descrita como a tentativa conjunta das Vibenas de capturar o vidente Cacu e, com isso, obter o controlo militar e político sobre a sua cidade, de forma semelhante à captura do vidente Heleno nos arredores de Tróia. Seguindo esta interpretação, podemos tirar algumas conclusões sobre o conteúdo deste mito em particular, tal como aparece na Etrúria. As Vibenas agem em conjunto. Os seus corpos enquadram a cena de ambos os lados e, enquanto se escondem atrás de Cacu e Artile, a sugestão da sua cooperação nesta empreitada é forte. São paralelas na pose e na armadura. Como apenas uma delas possui uma cabeça sobrevivente, é impossível dizer se eram fisicamente idênticas, mas a sua semelhança é inegável. Tal semelhança é mais marcante quando comparada com Cacu e Artile, que se localizam no centro do espelho, mas têm uma aparência física, apetrechos e poses diferentes. Cacu é também fisicamente diferente da outra "vidente" do espelho, a cabeça profética. Assim, a personagem principal da cena não apresenta paralelos com a figura que se encontra ao seu lado ou com a figura que se encontra acima dele. Por fim, este mito era popular, como sabemos pela presença de cenas semelhantes em urnas de diferentes cidades. -- Jaclyn Neel* The Vibennae: Etruscan Heroes and Roman Historiography.

No caso do espelho de Bolsena, não há contradição essencial entre a leitura simbólica das virtudes masculinas e a narrativa mítica da captura de Cacu. Pelo contrário, elas podem coexistir e até se reforçar-se mutuamente: A iconografia das virtudes pode ser uma camada interpretativa que enriquece o mito. O mito, por sua vez, pode ser visto como uma dramatização dessas virtudes em ação.

Mas muitos estudiosos, por formação ou por necessidade de delimitar campos teóricos, acabam por privilegiar uma abordagem em detrimento de outra. Isso não é sempre por orgulho porque às vezes é por rigor metodológico, outras por tradição disciplinar. Ainda assim, a busca por um denominador comum seria não só mais generosa, mas também mais fiel à complexidade das fontes. Aliás, esta leitura, de que as interpretações não são mutuamente excludentes, é profundamente etrusca no espírito porque estes eram mestres em camadas de significado, em objetos que funcionavam simultaneamente como arte, augúrio, mito e instrução. Evidentemente que não é preciso ser etrusco para saber que “objetos de culto” funcionam simultaneamente como arte, augúrio (magia simpatica), mito (fundador) e instrução.

Como arte: a beleza e o refinamento técnico não são meros ornamentos porque são parte da eficácia simbólica. Um objeto bem feito é mais digno do divino; como augúrio / magia simpática: a forma e o uso dum objeto visam influenciar o mundo invisível, seja pela analogia, pela invocação ou pela representação; mito fundador: muitos destes “objetos de culto” encenam ou evocam narrativas que explicam a origem de uma cidade, de um povo ou de uma prática, de uma instituição; Instrução porque são também ferramentas de ensino popular por visualizam valores, dramatizarem virtudes, e orientarem comportamentos.

Essa lógica está presente em na história antiga em culturas tão diversas quanto a egípcia, a mesopotâmica, a hindu, a greco-romana, e até nas tradições ameríndias e africanas. O que muda é o estilo, o vocabulário simbólico, mas a estrutura mental é surpreendentemente comum.

O que talvez os etruscos tenham feito com especial sofisticação foi usar objetos como espelhos para condensar essas funções num formato portátil, íntimo e visualmente narrativo. Mas não é preciso ser etrusco para entender isto porque basta olhar com atenção e sensibilidade para o que os objetos nos dizem.

Os irmãos Vibenna estão também ligados à figura de Mac(a)starna, que está associada ao rei romano Sérvio Túlio. Esta ligação sugere uma possível base histórica para o mito, talvez envolvendo os líderes etruscos nas lutas pelo controlo da Roma antiga.

Como esta caracterização etrusca de Cacu parece estar em tamanha divergência com o monstro virgiliano mais conhecido, alguns estudiosos rejeitaram as inscrições no espelho ou propuseram duas figuras distintas, um Cacu etrusco e um Caco romano.³ Nenhuma das soluções está correcta. Cacu e Caco não só representam a mesma personagem, como a natureza divinatória original de Cacu constituiu a base para a transformação de um vidente benfeitor num monstro funesto, como mostrará um estudo do desenvolvimento cronológico da figura de Cacu.

Cada área "clássica", cada povo "clássico", produziu heróis locais. À medida que os mundos individuais se expandiam, os diferentes conjuntos de heróis e histórias entravam em contacto uns com os outros. Os conflitos resultantes eram conciliados através de três métodos, frequentemente utilizados em combinação: a omissão, a fusão e a criação de personagens e acontecimentos. Cada história mantinha um núcleo inviolável, mas permitia livremente que outros elementos menos cruciais fossem alterados para se adequarem às circunstâncias contemporâneas. As adaptações não se restringiram necessariamente às histórias e figuras imediatas envolvidas, mas foram livremente emprestadas de tipos relacionados. Este processo é evidente na seguinte passagem, um dos primeiros textos existentes sobre Caco, com praticamente todos os elementos básicos da lenda já presentes:

A ambiguidade levantava questões, porque certas coisas eram adoradas ali muito antes de Rómulo. Certamente, o altar, que Hércules prometera se encontrasse as vacas perdidas, dedicou-o ao Pater Inventor depois de Caco ter sido castigado. Este Caco habitava o lugar denominado Salinas, onde hoje se encontra a Porta Trigemina. Ele, como Gélio registou, com Mégales, o frígio, como companheiro, foi enviado como emissário pelo rei Mársias a Tarcon, o Tirreno, que o prendeu. Rompeu as amarras e voltou para casa. Regressando com forças maiores, tomou a área em redor de Vulturno e da Campânia. Quando ousou apropriar-se até daqueles lugares que as leis tinham concedido aos Arcádios, foi morto por Hércules, que por acaso estava presente. Os Sabinos receberam Mégales, que lhes ensinou a arte da adivinhação. O próprio Hércules ergueu também um altar à sua própria divindade, considerada a maior entre os pontífices, pois tinha aprendido com Nicóstrata, a mãe de Evandro, a quem foi dito pela profecia de Carmenta que seria imortal.

Solino, um escritor geográfico do século II d.C., utilizou a tradição virgiliana sobre Hércules e Caco como base para a versão registada por Cneu Gélio, o analista do século II a.C.  Se o espelho etrusco representa uma versão etrusca e o Livro VIII de Virgílio, uma visão romana, então Gélio situa-se quase a meio caminho entre os dois. Inspira-se nos Etruscos quando retrata Caco como humano, associado a augúrios, capturado pelos Etruscos e a viver na época dos Tarquínios; antecipa Virgílio quando Caco entra em conflito com o Arcádio, presumivelmente Evandro, e é morto por Hércules. Distintas para Gélio são a localização na Campânia e a ligação de Caco com Mársias. Não menciona o gado ou a ascendência de Caco. Como cada um destes elementos tem um desenvolvimento independente, mas interdependente, cada um deve ser considerado primeiro individualmente e depois em conjunto com os outros.


Figura 5: Restauro cibernético de uma urna representando o Cacu rodeado pelos irmãos Vibena. Florença, Museu Arqueológico.

Cacu perde lentamente o estatuto da sua exaltada posição de vidente no espelho etrusco, a fonte mais antiga existente. Gélio faz dele um enviado de Mársias. Cássio Hemina, outro analista do século II a.C., talvez um pouco anterior a Gélio, reduz Caco ao "escravo de Evandro, astuto com o mal e, além de tudo, o mais ladrão..."8. Todas estas caracterizações coexistem no século II a.C., porque Cacu, o vidente, aparece durante este período nas urnas funerárias etruscas (Figura 5). No século seguinte, as tentativas de produzir um conto internamente coerente e consistente transformam Caco num "pastor... feroz em força" que, por profissão, se interessaria por gado. De seguida, Virgílio exalta a maldade do ladrão de Hemina e aumenta o tamanho do pastor de Tito Lívio, transformando Caco num "meio-homem" e "monstro".  O próprio nome Caco contribuiu para a queda. Ao mesmo tempo que Caco sofria a sua metamorfose em monstro, os romanos tornaram-se muito versados em grego, resultando na produção de falsas etimologias. Sérvio afirma: "Sabemos, no entanto, que o mal é chamado κακός pelos Gregos: nessa época, os Arcádios costumavam chamar-lhe assim. Mais tarde, após a transferência do acento [isto é, da segunda para a primeira sílaba], Caco passou a ser pronunciado, como Ελένη e Helena".   Sérvio apenas inverteu o processo real. A ênfase foi sempre na primeira sílaba em Cacu e, por isso, foi transferida para a pronúncia de Cacus, uma vez que Cacu nada tem a ver com o grego κακός. (???) 12 Significativamente, o declínio de Cacu começou apenas depois de as implicações das conotações gregas de Cacus/κακός terem ocorrido aos Romanos, o que, por sua vez, levou possivelmente à criação, ou pelo menos à adoção, de Evandro como seu inimigo; pois não é claro se Evandro existiu muito antes do século II a.C.13 — o mesmo período em que Cacu aparece pela primeira vez como κακός– Cacus and Marsyas IN ETRUSCO-ROMAN LEGEND, Joeelyn Penny Small.


Figura 6: Interpretação livre com a ajuda de IA da figura anterior.

Mas, Caco (em latim: Cacus), na mitologia romana, era filho de Vulcano. Segundo Vergílio, na epopeia Eneida, Caco era um gigante semi-humano de três cabeças que vomitavam fogo e que comia carne humana e pregava as cabeças das pessoas na porta da caverna sob o monte Aventino onde vivia com a sua irmã Caca. Assim sendo, temos já para possíveis nomes dos mais arcaicos dos deuses o casal latino Caco / Caca, que de tão arcaicos se tornaram obscuros e foram desprezados de tal modo que, as fezes, enquanto algo que não é útil e comestível passa a ser «có-có» e «caca» como «cacos» são, para as crianças, os pedaços inúteis de barro partidos quais pequenas pedras (ou torrões de terra seca). Kacos é coisa feia e suja em grego.

«Caca» < B. Lat. *cacca < grego antigo κάκκη (kákkē, “estrume”).

< Galeg. Caca < Onomatopeia;[?] ou de uma língua substrato,

< o galês cach com o inglês caca.

ó protocelta *kakkā. = (infantil); cocó (infantil); sujidade (figurado) porcaria.

..............< Franc. Caca < Lat. cacāre (“defecar”).

............. < Ingl.  Caca < inglês médio cakken, < inglês antigo *cacian,

< inglês antigo cac (“estrume; excremento”), de origem e relação incertas.

ó inglês cack (cararejoó < onomatopaico).

Latim cacō (“defecar”), o francês caca (“excremento”), o basco kaka (“excremento”), o lituano kaka (“excremento”), o húngaro kaka (“excremento”), o italiano cacca, o grego antigo κάκκη (kákkē, “esterco”), o alemão kacken, o irlandês cac, o galês cach, o córnico caugh, o bretão cac'h, o aromeno cac, o gaélico escocês cac, o romeno căca, o espanhol caca (“excremento”).


Assim sendo suspeita-se que a mitologia de Caco & Caca seja muito mais unversal e arcaica do que o mito latino e etrusco. A presença destes nomes em tradições linguísticas diversas, associados a elementos telúricos, excrementícios ou fragmentários, sugere que estamos perante uma memória mitológica obscurecida, cuja origem remonta a cultos pré-históricos ligados ao fogo, à terra e à transformação.

Na Eneida de Vergílio, Caco é descrito como um gigante semi-humano de três cabeças que vomitam fogo, filho de Vulcano, habitante de uma caverna no monte Aventino, onde prega crânios humanos à porta. Vive com a sua irmã Caca, figura ainda mais marginal. Esta dupla mitológica parece encarnar forças telúricas e destrutivas, associadas ao fogo, à carne e à profecia subterrânea. A degradação semântica dos seus nomes é notável: Caca tornou-se sinónimo de excremento em múltiplas línguas: latim vulgar (cacāre), grego antigo (κάκκη), protocelta (kakkā), entre outras. Caco aproxima-se de caco, fragmento quebrado, pedaço inútil — como os restos de barro seco que as crianças desprezam. Esta queda simbólica sugere que figuras divinas arcaicas foram rebaixadas culturalmente, transformadas em símbolos de repulsa e inutilidade, como se a memória do poder telúrico tivesse sido expurgada da linguagem.

A figura de Cacu, inscrita num espelho etrusco de Bolsena, é representada como vidente. A sua função não parece solar ou celeste, mas subterrânea: uma leitura do invisível que se aproxima da escuta do magma sob a crosta. A profecia aqui é vulcânica, ligada à transformação interna, à pressão invisível que antecede a erupção. Isso reforça a hipótese de que Cacu encarna uma função telúrica, talvez descendente ou variante de Caco, mas mais antigo, mais fragmentado, mais esquecido.

A análise etimológica revela que os nomes CacoCaca e Cacu conservam traços de uma memória mitológica dispersa: A linguagem infantil — cacacocócaco — conserva vestígios de uma memória simbólica obscurecida. O desprezo por esses termos revela uma repressão cultural daquilo que é instintivo, sujo, telúrico — mas também criador e transformador. O espelho etrusco, como objeto de culto, condensa funções de arte, augúrio, mito fundador e instrução, num formato portátil e narrativo.

A figura de Cacu não deve ser interpretada apenas como uma curiosidade etrusca, mas como vestígio de um antigo deus vulcânico anterior à história. A análise etimológica e simbólica dos nomes Caco e Caca revela uma dupla divina arcaica, cuja memória foi degradada pela linguagem e pela cultura. O espelho etrusco, ao representar Cacu, reencena essa presença esquecida, oferecendo uma janela para uma camada mitológica profunda, anterior à codificação clássica.

Embora nenhum texto antigo associe directamente Caco à adivinhação, a evidência do espelho etrusco (Ap. I, n.º 1) é conclusiva. (...). A capacidade profética de Caco, embora aparentemente esquecida em tempos posteriores, nunca foi completamente enterrada. (...). Cássio Hemina (OGR, p. 6) refere-se a ele como "inteligente" ("versutus"), embora em "iniquidade" ("nequitiae"). – Cacus and Marsyas IN ETRUSCO-ROMAN LEGEND, Joeelyn Penny Small.

Caco, ao roubar o gado de Hércules, usa um truque engenhoso que o confunde, vencido apenas pela força bruta. Essa astúcia gerava reações ambíguas na Antiguidade e contribuiu para a má reputação de Caco.

Hermes, filho de Maia, também é descrito como astuto e ladrão de gado (de Apolo), além de portador de sonhos e vigia noturno. Apesar de suas façanhas, seu pai o tornou uma preocupação para deuses e mortais.

Ambos escondem o gado em grutas e negam o roubo com respostas evasivas e irónicas: Hermes finge inocência e se diz preocupado apenas com o sono e o leite materno. Caco nega o crime e tenta impedir Hércules de investigar, acusando-o de violência. Há também paralelos visuais: representações artísticas mostram Hermes e Caco em poses semelhantes, sugerindo uma proximidade simbólica entre os dois. (Fig. 12).

Consequentemente, Hermes e Caco assemelham-se não só no ato que perpetraram, mas também nas suas personalidades, cuja marca era a astúcia — uma reminiscência, no caso de Caco, da sua posição anterior de vidente, dado que apenas Caco, de todos os ladrões de gado clássicos, rouba gado da mesma forma que Hermes. – Cacus and Marsyas IN ETRUSCO-ROMAN LEGEND, Joeelyn Penny Small.

Para além do ato e do caráter necessário para o realizar, Hermes e Caco tiveram aventuras completamente diferentes. Ou seja, as duas outras histórias conhecidas sobre Caco envolvem traição a captura; perdas de dignidade nunca sofridas por Hermes. Mas o mito não permite isso e é aí que está a explicação: Hermes e Caco não são apenas personagens mitológicos porque são projeções de sistemas culturais. Num, Hermes, como filho de Zeus, encarna a astúcia legítima do comécio e do roubo ou da pirataria integrados na ordem olímpica e celebrados como divino engenho. Caco, por sua vez, descendente de Vulcano, representa a astúcia marginal associada ao mundo subterrâneo, ao caos monstruoso e subversivo e a resistência à ordem heróica estalecida. A semelhança entre ambos revela uma estrutura narrativa comum, mas o destino divergente de cada um denuncia a diferença entre os valores que os seus respetivos sistemas mitológicos pretendem preservar. Hermes rouba e é elevado; Caco rouba e é eliminado. A astúcia, portanto, não é julgada pelo acto em si, mas pelo lugar que ocupa na cosmologia que a narra como se Caco, filho de um deus nascido por vingança de Juno, fosse mais do que um ladrão por ser o filho do ressentimento da Deusa Mar telútica, da técnica sem ordem e da astúcia sem legitimidade.

Hermes, mensageiro dos deuses, rouba como quem inaugura o comércio entre mundos; Caco, criatura do subsolo, rouba como quem perturba a ordem dos pactos. Um é celebrado com hinos homéricos; o outro, esmagado por Hércules, é vituperado como monstro pelos augustos poetas. A diferença entre ambos não reside no ato, mas na aceitação do ato pela ordem que o mito consagra. Hermes é integrado porque o seu roubo serve a mediação divina; Caco é eliminado porque o seu roubo ameaça a estabilidade heroica. Na trama do mito, o justo não é o que preserva a ordem, mas o que a circunscreve. A rapina, quando consagrada pelo herói, torna-se fundadora do direito privado; quando cometida fora da narrativa dos deuses, incorre no direito penal.

Caco, ladrão de gado e irmão de Fauno, não é apenas um marginal: é o sintoma da fundação. A sua rapina não é gratuita: ela desafia a ordem heróica, mas também a prepara. Ao ser vencido por HérculesCaco é inscrito na narrativa dos deuses que vencem, e assim deixa de ser apenas um transgressor para tornar-se um marco. O seu corpo derrotado, enterrado sob o Aventino, é o vestígio da violência que antecede o direito. Como tantos mitos fundadores, o de Caco revela que a justiça não nasce da paz, mas da pacificação e que o direito, antes de ser norma, foi sempre narrativa.

Na leitura de Joeelyn Penny Small, Caco é figura liminar, entre o mito e a história, habitando o interstício entre o humano e o monstruoso, entre o saber profético e a violência que o cala. Seu corpo, como o de Marsyas, é capturado, silenciado, exposto, não apenas como punição, mas como condição para que o saber se revele. A profecia, nesse regime, não se oferece: é arrancada. E o vidente, para falar, deve primeiro ser vencido.

A sua condição de prisioneiro, relatada por Gélio, não é mero episódio político, mas eco de uma tipologia arcaica: o vidente como alvo, como corpo desejado e violado pelo saber que carrega. Pico, Fauno, Sileno, Proteu — todos partilham esse destino de captura, e Caco inscreve-se nesse mesmo paradigma, não como exceção, mas como figura exemplar.

O espelho etrusco, ao nomear Aulus e Caeles Vibenna como seus emboscadores, não apenas situa Caco no século VI a.C., mas inscreve-o na genealogia fundadora de Roma. Caeles, líder toscano, é lembrado por Varrão e Tácito como aliado de Rómulo ou de Tarquínio Prisco, e a sua presença no Palatino não é decorativa: é tectónica. A cabeça de Aulus, rolando das fundações do Capitólio, transforma-se em signo inaugural, em nome e em túmulo, e a cidade, adoradora de todas as divindades, não hesita em consagrar o templo à cabeça de Olus, em vez de a Júpiter.

Caco, como legatus, deveria ser sacrossanto, mas é capturado. A sua resposta é política: lidera forças contra Tarcon, toma territórios, desafia os iura que protegiam os arcádios, e por isso é morto. Mas antes disso, é anfitrião. Diodoro, Propércio, Dionísio — todos o descrevem como recebedor de Hércules, ora nobre, ora infiel, ora bárbaro. A ambiguidade é estrutural: Caco é simultaneamente hospedeiro e transgressor, vidente e guerreiro, prisioneiro e invasor.

A sua casa, situada no topo das Escadas de Caco, entre a cabana de Fáustulo e a residência de Rómulo, não é apenas morada: é ponto axial da Roma augural. Ali coexistem o mundus, o auguratorium, a cúria dos Saliários — marcos de adivinhação, de fundação, de ritual. Evandro e Fauno, seus vizinhos míticos, também praticam formas distintas de profecia, e a mãe de Evandro, oracular, partilha com o filho o saber divinatório. Fauno, capturado por Numa, presidia ao oráculo de incubação em Albunea. Caco, portanto, não é só vizinho: é parte de uma constelação augural que define o Palatino como espaço de saber e de poder.

No século I a.C., a narrativa já está estabilizada: Fauno, Evandro, Caco — todos recebem Hércules, todos são anfitriões, todos são augures. Mas no século IV a.C., Derkyllos descreve Fauno como rei sacrificial, que mata os hóspedes em honra de Mercúrio. A hospitalidade é sempre condicional, e Hércules, estrangeiro sem ius hospitii, é inicialmente rejeitado por Evandro. Caco, também, é vítima e agente dessa lógica: capturado injustamente, retalia; mas ao ultrapassar os limites legais, é punido.

A sua figura, os seus degraus, a sua casa desaparecida mas lembrada, inscrevem-no na topografia sagrada de Roma. Não como mito periférico, mas como nó central de uma rede de significações que articula fundação, adivinhação, hospitalidade e violência. Caco é, assim, menos personagem do que sintoma: da tensão entre o saber e o poder, entre o acolhimento e a captura, entre o augúrio e a guerra.

Tal como o ius hospitii fundamenta naturalmente as histórias sobre os visitantes e usurpadores do povoado do Palatino, o gado tornou-se inerentemente o outro foco das lendas daquela zona. É um lugar-comum antigo e moderno que o gado constituiu uma das principais bases económicas das primeiras comunidades. Roma conserva este facto nos nomes dados a várias áreas, bem como nos vestígios arqueológicos [1]. A região do Palatino onde viveram Rómulo, Caco e Evandro tinha um cercado para gado que datava da Idade do Ferro; enterramentos do mesmo período incluíam ossos de gado. Como os primeiros povoados estavam restritos ao topo das colinas, o mesmo aconteceria com o gado. (…)

Assim, a presença de Hércules em Roma com o gado de Gerião não era miticamente necessária para trazer gado para a região; em vez disso, como Hércules veio com gado, os romanos conseguiram, com pouco esforço, adoptá-lo no seu padrão de lendas. De facto, Caco, o invasor por excelência e opositor de Hércules no século I a.C. e posteriormente, parece ter enfrentado um inimigo diferente. A Origo Gentis Romanae conserva o relato de Cássio Hemina: Na época em que [Evander] reinava, por acaso um certo Recaranus, de origem grega, pastor de grande porte e força, que, superando os outros em forma e coragem, era chamado Hércules, chegou a este lugarEnquanto o seu rebanho pastava em redor do Albula [Tibre], Cacus, o escravo de Evander, astuto com a maldade e, além de tudo, extremamente ladrão, roubou o gado do hóspede (hospitis) Recaranus e, para que não houvesse vestígios, arrastou-o de volta para o interior da gruta. Depois de as regiões vizinhas terem sido exploradas e todos os esconderijos examinados desta forma, Recaranus desesperou de os encontrar. Mesmo assim, suportou a perda filosoficamente e decidiu abandonar a zona. Mas, de facto, quando Evandro, um homem de excelente justiça, descobriu o sucedido, entregou o escravo como castigo (servum noxae dedit) e mandou devolver o gado. Então Recarano dedicou um altar ao Pai Inventor aos pés do Aventino e chamou-lhe Máxima. Cássio escreveu estas coisas no seu primeiro livro:

Já em meados do século II a.C., toda a trama do ataque tinha sido estabelecida. Enquanto um estrangeiro que se hospedava em Roma era entretido pelo governante, um habitante local rouba o gado do hóspede, arrastando-o para o interior de uma gruta. O hóspede, sem sucesso a princípio, procura os seus pertences perdidos, mas, quando os recupera, dedica um altar em agradecimento. (…) Como o gado é devolvido a Recarano e não há menção à morte de Caco, presumivelmente Caco — apenas nesta versão — sobreviveu ao encontro após o castigo apropriado de Evandro.


Figura 7: Restauro cibernético com ajuda de IA de Tarvos Trigaranos, o touro de três chifres num painel em relevo do Pilar dos Barqueiros como um touro com três garças empoleiradas em suas costas. Ele está debaixo de uma árvore e, em um painel adjacente, o deus Esus está derrubando uma árvore, com um machado.

O Pilar dos Barqueiros (em francês: Pilier des nautes) é uma coluna romana monumental erguida em Lutécia (atual Paris) em homenagem a Júpiter pela guilda dos barqueiros no século I d.C. É o monumento mais antigo de Paris e uma das primeiras peças de arte representativa galo-romana a ostentar uma inscrição escrita. Embora o nome seja atestado apenas uma vez, no famoso Pilar dos Barqueiros, encontramos esculturas do touro de três chifres em vários locais da Gália o que confirma que tanto os gauloses como os cretenses sabiam da relação do bico das garças com o corno lunar.

Como a ação se fixava antes dos atores, o evento era obviamente mais importante para os romanos do que os seus perpetradores, que eram invariavelmente estereotipados. O dono do gado, seja ele quem for e faça o que for, deve ser um homem forte e de inteligência limitada. Consequentemente, Recarano, de outra forma desconhecido, "superando os outros em forma e coragem, era chamado Hércules". Sérvio regista uma versão de Vérrio Flaco, o liberto augustano, que explica "que Garano era um pastor de grande força, que esmagou Caco, e de facto todos aqueles de grande força eram chamados Hércules entre os antigos". Garano, tal como Recarano, aparece nas fontes antigas apenas uma vez e é também pastor, como seria de esperar de um proprietário de gado. Ao contrário de Recarano, mata Caco– Cacus and Marsyas IN ETRUSCO-ROMAN LEGEND, Joeelyn Penny Small.


Figura 8: Tarvos Trigaranus com três chifres criado por IA inspirado em imagens arqueologicamente reais.

Também chamado Garanus, era um fabuloso pastor italiano de uma gigantesca força física e coragem. Dele se conta que Caco, um ladrão perverso, roubou uma vez oito bois de rebanhos de Recaranus, que se perderam no vale do Circo Máximo, e que o ladrão levou para a sua sepultura no Monte Aventino. Quando tira os seus animais da sua pele, não tem de se preocupar com eles, mas também não tem de se preocupar com eles. Recupere e entre na gruta e no gato ou cão, protegido por grande força. Em seguida, dedicou a Júpiter ara máxima, ao pé do Aventino, e sacrificou ao deus a decima parte de saque.

P. 249, G. Capdeville não hesita em ligar o nome da dança criada por Teseu em Delos, o geranos, literalmente "a grua", ao nome próprio Garanus, uma variante de Recaranus, nos mitos italianos: então, seria necessário estender a investigação para o lado do famoso Tarvos Trigaranos, "Touro com três grous", do Altar (galo-romano) de Paris. Existe certamente uma relação entre o geranos grego e os ritos gauleses do “Touro com três gruas”13. O Garanus italiano está realmente algures entre os dois, para além de uma coincidência onomástica? -- G. Capdeville. Volcanvs. Recherches comparatistes sur les origins du culte de Vulcain, Bernard Sergent.

Notar que o mito de Recaranus latino se confunde com o de Hércules / Caco se é que não são o mesma tanto mais que as três cabeças de Caco que vomitavam fogo seriam metaforas de cobras venenosas vulcanicas o que os aproxima do mito gaulês de Tarvos Trigaranos bem como do gigante Geriãde três cabeças que Hércules enfrentou em Espanha e que deverá a sua origem ao anatolico deus das tempestades Tarchunt de que deriva de Dolichenos que adiantes sera identificado com o cretense Velchanos. Por outro lado, a relação das garças com Trigaranos relacionam este mitema com o geranos grego que, seguramente, deve o nome ao seu bico curvo como um corno lunar.

«Trigaranos», lit. “três garças ou gruas”

< Tri-kauranos, lit. “kouro guerreiro tricórnio ou Gerião de três cabeças”

< Ker-i-anu

> Ricaranos < Re-Kur-Anu, lit. Re, o deus sol senhor da montanha cósmica.

 

Ver: SUASTICA II E A CÓPULA SEXUAL (***)

 

A partir de Virgílio, Hércules assume o papel central na narrativa do roubo do gado, eclipsando outros candidatos à morte de Caco. A associação entre Hércules e Caco só se consolida literariamente no século II a.C., embora o culto de Hércules em Roma remonte ao século VI a.C. O roubo do gado torna-se um motivo recorrente em várias regiões do Mediterrâneo, com Caco como figura local ajustada ao molde de ladrão.

Roma adapta a visita de Hércules às suas necessidades: o roubo de Caco serve como prelúdio para a fundação da Ara Máxima. A rivalidade entre Palatino e Aventino reflete-se na disputa entre Rómulo e Remo, e também na deslocação de Caco para o Aventino. Virgílio transfere Caco para o Aventino para libertar o Palatino para Evandro e, simbolicamente, para Augusto.

Virgílio atribui a Caco um pai (Vulcano) e uma irmã, Caca, que o trai e é recompensada com culto pelas Vestais. Caca representa o fogo doméstico e é substituída por Vesta no programa religioso de Augusto. Caco e Caca, juntos, simbolizam as duas esferas fundadoras de Roma: adivinhação e fogo.

A iconografia etrusca (espelho de Bolsena e urnas de Chiusi) mostra Caco como vidente sereno, nunca capturado pelas Vibennas. Artile, jovem discípulo de Caco, é identificado como filho de Lars Porsenna, ligando a cena ao contexto político de Chiusi. A tentativa de captura de Caco pelas Vibennas é interpretada como uma lenda local, onde os heróis de metis (astúcia) substituem os guerreiros épicos.

Os Etruscos valorizavam os livros proféticos (libri fatales), e a captura de Caco visava também o acesso ao seu saber. Artile segura um díptico com os ensinamentos de Caco, reforçando a tradição de transmissão formal da adivinhação. A serenidade de Caco nas urnas indica que sabia que não seria capturado nem forçado a profetizar para os inimigos.

O espelho de Bolsena apresenta Caco com lira e boca aberta, profetizando, enquanto Artile escreve. As Vibennas surgem como guerreiros armados, em contraste com Caco e Artile, que representam a esfera cívica e religiosa. A cena sugere uma tentativa de captura do vidente, paralela à de Heleno em Tróia, mas com desfecho etrusco: Caco permanece livre.

[678] Havia também ali dois irmãos, que eram chamados divinos. Enquanto a sua irmã estava sentada perto do fogo, uma faísca ricocheteou e atingiu o seu ventre, de onde se diz que concebeu. Depois disso, deu à luz um rapaz perto do templo de Júpiter e deitou-o fora. As virgens, indo até à água, apanharam aquele que encontraram junto ao fogo, que não ficava longe da fonte: donde foi chamado filho de Vulcano. Mas Ceculus era cego porque tinha os olhos pequenos: algo que o fumo costuma fazer. Mais tarde, reuniu uma multidão, depois de ter sido saqueado durante muito tempo, e fundou a cidade de Prenestina nas montanhas. E quando convidou os povos vizinhos no dia dos jogos, começou a exortá-los a viver com ele e a gabar-se, por causa da glória, de que era filho de Vulcano. Como não acreditaram, Vulcano foi invocado para provar que era seu filho, e toda a assembleia daquela multidão foi cercada por chamas. Feito isto, todos viveram juntos e acreditaram que ele era filho de Vulcano. Por isso, diz-se "todos em quem a época acreditou", como se fosse por dúvida, e porque, sem dúvida, a época era variada nos seus espectáculos.. -- Maurus Servius Honoratus, Commentary on the Aeneid of Vergil Georgius Thilo, Ed. [2]

A lareira, ventre ardente do espaço doméstico, torna-se aqui o útero do prodígio: dela irrompe o falo flamejante, sinal obsceno e sagrado, que convoca não o escândalo, mas a profecia. Ocrisia, criada de sangue real, é a primeira a ver — e ver é já ser escolhida. Tanaquil, rainha e adivinha, lê no prodígio não uma aberração, mas uma ordem do destino: que um ser superior nasça da mulher tocada por esse fantasma. A cena é ritualizada: Ocrisia é adornada como noiva, encerrada no quarto onde o prodígio se manifestou, e ali, num espaço saturado de sentido, concebe Túlio — filho de um deus, talvez Vulcano, talvez os Lares, mas sobretudo filho da lareira, da casa, do fogo que fala.

Caeculus, por sua vez, não nasce do fogo, mas é criado por pastores — os Depidii, ou Digidii, ou divi, irmãos ambíguos, talvez gémeos, talvez deuses. A confusão dos nomes não é erro, mas sintoma: o mito hesita, tropeça, revela. Servius diz que são tios maternos, e esse detalhe, aparentemente lateral, abre uma fissura por onde irrompe a estrutura indo-europeia da educação masculina: não pelo pai, mas pelo irmão da mãe, figura de mediação entre o sangue e o saber. Caeculus é educado fora da linhagem direta, como Rómulo e Remo, como tantos heróis que precisam da distância para se tornarem possíveis.

Ambos, Túlio e Caeculus, emergem de espaços liminares: um, o quarto da lareira, outro, a cabana dos pastores. Ambos são filhos de uma ausência: o deus que não se vê, o “pai ausente” porque que não educa. E ambos são inscritos num sistema que exige mediação, captura, ritual. O nascimento não sendo biológico passa a ser político e simbólico. O fogo, o falo, os irmãos, os tios, tudo são operadores de sentido, figuras que articulam o corpo do herói com o corpo da cidade.

Neste contexto, os Dáctilos não são apenas artesãos ou mágicos: são arquétipos da mediação, dedos que tocam o mundo e o transformam. Como os Depidii, como os Lares, como Vulcano, são figuras que operam na fronteira entre o humano e o divino, entre o visível e o oculto. O mito não narra: cifra. E o que cifra é sempre o mesmo gesto — o de fazer nascer o poder a partir do prodígio, da exceção, da violência ritual que funda a ordem.

Caeculus, criado por pastores ambíguos (os Depidii, Digidii ou divi) não nasce do fogo, mas é moldado por ele. Tal como os Dáctilos cretenses, figuras telúricas nascidas da terra do monte Ida, os seus educadores não são pais, mas mediadores entre o humano e o divino. Os Dáctilos, ligados à metalurgia, à cura e à iniciação, operam como dedos da terra que tocam o mundo e o transformam. Os Depidii, nesse contexto, não são apenas tios ou irmãos: são operadores arcaicos de saber ritual, artesãos do destino, que fazem do corpo do herói uma matéria a ser forjada — como ferro na forja de Vulcano.

Essa estrutura telúrica, onde o nascimento é deslocado, a educação é lateral e o poder emerge da exceção, persiste desde as mitologias egeias até os mitos fundacionais itálicos. O fogo que envolve Caeculus não é apenas prodígio: é consagração. Como os Dáctilos, ele é filho da terra e do rito, não da genealogia. O mito cifra, e o que cifra é sempre o mesmo gesto: fazer nascer o poder a partir da matéria bruta, da violência ritual, da mediação entre o visível e o oculto. A cidade, como o herói, é forjada, mas não apenas fundada.

Após a sua educação pelos Depidii, Ceculus reuniu um bando de pastores e saqueou durante muito tempo. Não sabemos quanto tempo permaneceu fora da sociedade normal, mas existem várias tradições indo-europeias que afirmam que o período iniciático dos jovens durava quase dez anos. A certa altura, os jovens árcades tinham de viver afastados da sociedade civilizada por um período de nove anos como "lobos", e só lhes era permitido regressar se não tivessem comido carne humana. Entre os anglo-saxónicos, o jovem Guthlac viveu nove anos como ladrão antes de regressar à sociedade civilizada e, eventualmente, se tornar santo. Em relação aos celtas, o poema arcaico Tail1 Bo F1.oic.11 conta como Froech viveu com um grupo de cinquenta rapazes (um número recorrente entre os bandos iniciáticos indo-europeus) na natureza durante oito anos antes de regressar a casa para se estabelecer e casar. Estes exemplos podem ser suficientes para mostrar que o período de vida à margem da sociedade antes de ser aceite no corpo dos homens adultos podia de facto durar muito tempo. Dumezil escreveu que Ceculus "reuniu um grupo de jovens". Ele estava obviamente a pensar no mito da fundação romana, mas a faixa etária que esperaríamos não é mencionada neste mito, embora seja evidente que a permanência de Céculus na natureza é paralela ao período que Rómulo e Remo passaram na companhia de ladrões e criminosos. Na versão de Sérvio, Ceculus, tal como Rómulo, também tentou fundar a sua cidade durante um festival, convidando os povos vizinhos a estabelecerem-se com ele. O fundador da cidade de Cures, Modius Fabídio, também reuniu pessoas da vizinhança imediata. No entanto, este não é um paralelo tão próximo como o de Rómulo, dado que, no seu caso, não houve festival.

Durante o festival, Ceculus foi confirmado como filho de Vulcano por um fogo que envolveu toda a multidão. A maneira da confirmação é totalmente única, mas a confirmação pelo fogo também fazia parte da lenda do nascimento de Sérvio Túlio. Dizia-se que a sua cabeça explodiu em chamas enquanto dormia, ainda criança — chamas que previam a sua futura realeza. O motivo das chamas que saem da cabeça ocorre repetidamente na tradição romana. Durante a Segunda Guerra Púnica, L. Marcius foi confirmado como um líder divino aos olhos dos seus soldados, após a morte do seu general, quando emanou fogo da sua cabeça. Quando Salvidienus Rufus, amigo de Octavianus, pastoreava rebanhos quando era rapaz, uma língua de fogo elevou-se e pairou sobre a sua cabeça, um presságio real. -- CAECULUS AND THE FOUNDATION OF PRAENESTE,  Roman Myth and Mythography Bremmer, J.N.; Horsfall, N.

Na leitura de Caeculus and the Foundation of Praeneste, de Bremmer e Horsfall, o que se revela não é apenas a trajetória de um fundador marginal, mas a persistência de uma estrutura mítica que se duplica, se bifurca e se recalca. Ceculus, filho de Vulcano, criado por pastores, salteador em juventude iniciática, é apresentado como herói hesitante, cuja legitimidade se confirma por um prodígio flamejante — o fogo que envolve a multidão e revela a sua origem divina. Mas esse fogo, que consagra, também denuncia: é o mesmo elemento que, em Virgílio, revela Caco, irmão de Ceculus, ladrão de gado, vencido por Hércules e monstruado pela pena épica.

A semelhança entre Ceculus e Caco não é apenas genealógica — é estrutural. Ambos são filhos do fogo, ambos vivem à margem, ambos são salteadores, ambos tentam fundar. Ceculus funda Praeneste, Caco habita uma gruta no Aventino. Ceculus é confirmado por um festival, Caco é derrotado por um herói. Ceculus é integrado na ordem, Caco é excluído como ameaça. Mas o nome diz tudo: Ceculus é literalmente um pequeno Caco, uma miniaturização simbólica, talvez uma tentativa de domesticar o mito original, de torná-lo aceitável à narrativa fundadora.

Virgílio, ao escrever a Eneida, parece ter optado por radicalizar Caco, torná-lo grotesco, quase demoníaco, para que Hércules pudesse encarnar a civilização que vence o caos. Mas essa monstruosidade é uma deformação deliberada, uma operação mitográfica que recalca a ambiguidade original. Ceculus e Caco são variantes de uma mesma figura: o filho do fogo que vive entre ladrões, que rouba para fundar, que precisa ser vencido ou redimido para que a cidade possa nascer.

O texto de Bremmer e Horsfall, ao reconstruir a trajetória de Ceculus, permite entrever essa duplicação mítica. E talvez seja tempo de reconhecer que Caco não é apenas o monstro vencido — é o irmão esquecido, o duplo silenciado, o reflexo obscuro do fundador que a cidade preferiu não lembrar.

 

 

FAETONTE


Figura 9: A queda de Faetonte, o Lúcifer grego. (Sarcophagus with myth of Phaeton. Panel of a sarcophagus. Marble. 3d century A.D. Verona, Museum-Lapidarium of Maffei).

Φᾰέθων • (Phaéthōn) m (genitivo Φᾰέθοντος); romanizado: Phaéthōn, lit. 'brilhante', é: nome próprio; um dos corcéis luminosos, filho de Eos e Céfalo; Phaëthon (filho de Hélios e da Ociânide Climene, famoso pelo seu azar ao conduzir o carro solar),  o Sol, a constelação Auriga, o planeta Júpiter.

Ora bem, porque é que as crianças que brincam o com o fogo “fazem xi-xi” na cama? Por causa do equívoco entre Ki-ki, a deusa mãe do fogo e a urina que volta ao seio da terra mãe? Porque  os «cacos» de barro tinham que ser cozidos ao fogo para irem depois ao fogo? Porque a cinza e a escória são idênticas a nada e o lixo é feio (gr. cacos) e «caca»?

«Fogo» < Lat. focus < Incerta.

Grec. φω-τιά <= Pha-on ó Caco.

Etimologia de focus é incerta. Alguns o ligam com faciēs («face») > facētus (= «facetado), fax (= «facho») < o grego antigo φαίνω (phaínō, “brilhar”) < Proto-Helénico pʰáňňō. Ou antes:

< Φω-τιά / (fo-tiá) < grego antigo φῶς • (phôs) > φωτός / phōtós

> grego bizantino φω-τία (phōtía) = fogueira, chama, brilho, luz.

Micen. wo-i-ko-de / wo-ko-de = (voikos > oikos) = ir para casa (???)

Micen. wo-ko = casa = fogo (do lar) = Pho-ko = «fogo» <> Lat. Focus.

«Fosco» = «fusco» < Lat. fuscus = *foscus

< ***Pha-®usco ó Pha-ruxo > «Fa-rr-usco».

Origem etimológica oficial: alteração de ferro + -usco.

Para que o proto helénico pʰáňňō < φᾰ́ + ἰνέω / (inéō) = evacuar luz.

= φᾰ́ος (pháos, “luz”),

Formas alternativas:

φαῦος (phaûos) — Eólico

φόως (phóōs) — Épico,por assimilação.

φῶς (phôs) — Atico, contraído.

Φᾰ́ος (pháos) < φαῦος (phaûos) < proto-helénico *pʰáwos < Mic. *Ka-ko

                                                    > φόως (phóōs) > φῶς (phôs).

Assim sendo, o Mic. Ka-ko, de que deriva o deus latino do fogo Cacus significaria inicialmente “o que é luminoso como o fogo” e brilhante como o cobre, razão porque veio a dar nome ao cobre grego e a calcopirite.

A Terra tomou-se de dor, as doenças, silenciosas, matavam famílias inteiras. As primeiras lágrimas cortaram a face nova do homem novo. Não suficientemente contente, Zeus resolveu vingar-se do próprio Prometeu, entregando-o a Hefesto, seu filho, e aos seus seguidores, Krakós e Bia (o Poder e a Violência).

Zugurate < Kiphur-at, lit. “a cobra fêmea”

< *Ki-kur-ash, lit. “Ki, a deusa terra Mãe como montanha de fogo”

= «vulcão» <= | zigur Kiphur < Kikur kaki > ash > At |

=> Zigurat

Zigurat terra da lava do fogo serpentino, de fogotemplo montanha da cobra do fogo sagrado dos vulcões!

Porém, a variante mais plausível seria o casal formado a partir de Ki, a deusa Mãe das antigas culturas matriarcais mediterrânicas:

Ki => K(aeiou) => v.g. «Caio/Gaia», etc.=> Kiw(er) => Deus e Zeus, etc.

Ki => K(aeiou)k(aeiou) => v.g. Kako/koka => Foebus Hebe, etc.

Ki => K(aeiou)k(aeiou) k(aeiou)  => v.g. Kakiko/kikita.

    = > Dahaka, Daksha, etc. < Ka-Kaka.

Dahaka = Or Azhi Dahaka, the three-headed dragon of Persian myth, he struggled with Atar, son of Ahura Mazdah, who finally bound it with strong chains on a high mountain. Dahaka was however destined to escape near the end of the world, and destroy a third of the world before he was slain.

Zahha-k ou Zohha-k, Zahak-e, Ta-zi é uma figura malefica da mitologia Iraniana evidente no folclore Iraniano antigo como Aži Da-Ha-ka, o nome pelo qual aparece também nos textos do Avesta.

Zahak, traduction en pahlavi de l'Avesta personnifie le serpent Azhi Dahaka qui est le mal incarné, sévissant à Bawru (Babylone).

Em pérsico médio ele é chamado Daha-g ou Ser-var-Asp, com o significado posterior de "[ele que tem] 10,000 cavalos".

Dahaka (Grande Serpente) é uma figura demoníaca que aparece nos textos e na mitologia persa Zoroástrica, onde é um subordinado de Angra Mainyu. Os nomes alternativos incluem Azi Dahak, Azhi Dahaka e Dahak. Dahaka é descrito como um monstro similar a um dragão de três cabeças.

Zahak est représenté par un homme avec deux têtes de serpent lui poussant sur les épaules où il a été embrassé par Ahriman; "la tête humaine dénote l'homme physique, et les deux têtes de serpent le principe manichéen dual -- le dragon et le serpent étant tous deux des symboles de sagesse et de pouvoirs occultes" (TG 333).

Diz-se que tem mil sentidos, para matar serpentes, escorpiões e outras criaturas venenosas. Diz-se também que pode controlar as tempestades e trazer doenças.

Pour garder les serpents calmes, il devait les nourrir avec des cerveaux humains. Chaque jour un certain nombre de personnes étaient tuées et leur cerveau était donné aux serpents. Kaveh, après avoir perdu 17 fils qui ont été tués pour satisfaire l'appétit des serpents, eut soif de justice et de vengeance, s'est rebellé contre Zahak et obtint le support du peuple.

Aži (ažiš nominativo) é o que Avesta formula para "serpente" ou "dragão" e é cognato do palavra Sanskrit ahi termo Védico para "serpente" e sem uma implicação sinistra. Azi e Ahi são remotamenterelacionados ao ophis grego, anguis latino, ambos significado "cobra".

O significado original de daha-ka é incerto. Entre os significados sugeridos está "picante" (fonte incerto), "queimando" (cf. o Sanskrit dahana), "homem" ou "másculo" (cf. de cantonês daha), "enorme" ou "estrangeiro" (cf. o Scythian Dahae e o dasas Védico). Em mitologia Persa, Daha-ka é tratado como um substantivo próprio, e é a fonte do D.ah.h.a-k (Zahha-k) do Sha-hna-eu.

Aži Daha-ka é a fonte do pérsiaco moderno, do curdo (Hazhdiha) e na palavra Urdu azhdaha ou ezhdeha (azdaha-g do Persa Médio) significando "dragão", frequentemente usado nos dragões expostos em uma bandeiras de guerra.

Em um texto pos-Avestico, o De-nkard, Aži Daha-ka é possesso de todo possíveis pecados e más deliberações, oposto do de rei bom Jam. O nome Daha-g (Daha-ka) é interpretado como tendo significando "dez (dah) pecados". A sua mãe é Wadag (ou O-dag), descrita como uma grande pecadora que cometeu incesto com o próprio filho.

Diz-se que Aži Daha-ka vivia na fortaleza inacessível de Kuuir-inta na terra de Baβri onde ele adorava o yazatas do Avesta Arədvī Sūrā, (Ana-hita), divindade dos rios, e Vayu, divindade do vento e da tempestade. Baseado na semelhança entre Baβri e Ba-biru do antigo Persa (a Babilônia), os autores posteriores localizaram Aži Daha-ka na Mesopotâmia. Aži Daha-ka pediu a este dois yazatas poder para despovoar o mundo. Sendo representantes do Bem, claro que eles recusaram. Num texto do Avesta, Aži Daha-ka tem um irmão nomeado Spitiyura. Junto eles atacam o herói Yima (Jamshid) cortando-o ao meio pela com uma serra, mas é então abatido pelo yazata A-tar, o espírito divino de Fogo.

Este dragão foi derrotado pelo herói Thraetaona ou Fereydoun, mas não podia ser morto, por isso foi selado à montanha Damavand onde ficará até ao fim do mundo quando então será morto por Keres-aspa.

E o resto é mistura de lenda e mitologia!

Dans le Shahnamah de Ferdowsi, les personnages dans ce mythe deviennent des personnages historiques: "Il est donc évident que Zahak représente la dynastie assyrienne, dont le symbole était le purpureum signum draconis -- le signe pourpre du dragon. Depuis une époque très lointaine (Genèse 14) cette dynastie régnait sur l'Asie, l'Arménie, la Syrie, l'Arabie, Babylone, la Médie et la Perse. Elle a finalement été défaite par Cyrus II et Darius Ier le grand après '1000 ans' de règne.

Mais do que a óbvia semelhança do mito de Aži Daha-ka com o de Cacus latino é o facto de os adeptos das teorias indo-europeias não trem reparado nisso. Se a morada de Aži Daha-ka não é numa gruta do monte Aventino mas no cume dum monte babilónico Kuuir-inta, que só poderia ser um zigurate, a essência do mito permanece a mesma. Pois bem, o 53º epíteto de Marduque era Enkukur, literalmente senhor do Kukur, o zigurate por antonomásia!

Kuuir-inta < Minoic. *Ky-Kur-(in) tu > Zi-gur-eto > «zigurate».

Obviamente que este deus teria que ser o dragão de Marduque. Se este deus não teve nos seus 50 epítetos nenhum explicitamente Caco foi filho de Enki que era seguramente também Kaku. De resto alguns dos seus epítetos reportam para este étimo:

2. Marduk < Marthuk *Mar-Kuka > 4. Marukka, «The Son, The Majesty of the Gods > *Mar-Kuka Ki > *Mar kikus > 5Mershakushu. Deste modo, *Mar-Kuka seria o nome virtual de transição para Marte.

Kuka, Cacus, Kicus ou «Cuco», Caio ou «Gaio», devem ter sido as variações mais arcaicas do nome do esposo de KiKeia ou Gaia. O casal de deuses Ki & Eia foi dos mais primordiais. O mais estranho nesta série de nomes é apenas o étimo *Mar- > *Mer- que terá dado o *Mel / Mol dos deuses do corredor sírio, Melkarte e Molok. De facto, Molok é quase Marduk (> Maluk) e Melkart é uma obvia variação do mesmo mote deste grupo que matem invariante o étimo *Mel- e altera o Kikus de Enki pelo seu teónimo majestático Kar > Gal presente no nome de Anshar (< An kar).

17. Ziku < Kiku; 18. Agaku < Há-Kaku Ka-kaku < *Kakiku, seguramente um arcaico nome para o deus menino filho do deus Caco, o deus do fogo primordial.

42. Dumu-duku, (< Dumu = «damo», masculino de dama? Duku < Thuku < Kuku) 43. Lugal-duku, 44. Lugal-shuanna, < Ku Anna.

Se Ku = «cu» e se foi tido como o equivalente masculino de «cona» (e se de facto o não o foi sempre foi-o virtualmente na maledicência comum) então <= Ku-Anna, lit, marido da deusa Shuana / Avest. Ana-hita.

Obviamente que os latinos herdaram o seus mito dos hititas que o terão recebido de fontes citas e indo-arianas inimigas dos babilónios e a inclusão de Hércules será aqui uma mera confusão de Ovídio deste herói com as semelhanças deste com Atlas. No mito de Aži Daha-ka, de facto era Atlas, um deus do fogo e dos cones vulcânico como Talos e o vingador do mostro telúrico que originalmente teria sido a deusa mãe das cobras cretenses na forma babilónica de Tiamate. No moto persa este deus vingador do cataclismo que destruiu o matriarcado teria sido o deus do fogo Atar > Atal > Atlas / Talos. Mais longe e ais distante ainda no tempo e no espaço o eco deste mito terá acabado no mito hindu de Daksha.

Azhi Da-haka = cobra deusa Kaka = Tiamat.

En leyendas hinduistas posteriores, Daksha se convirtió en un prayapati (‘padre de [gran] prole’, progenitor de toda la humanidad) o uno de los hijos del dios Brahmá. 

Una de sus hijas (a veces se dice que la más joven) era Dakshaiani, El asceta Shivá le hizo creer que era una encarnación de la diosa Shaktí, y la invitó a vivir con él. Daksha se lo prohibió, aduciendo que Shivá era un extraño y sucio asceta que estaba rodeado de toda clase de personas enfermas y monstruosas, que visitaba los crematorios y se cubría con las cenizas de los muertos y que no lograría cubrir sus necesidades, pero Dakshaiani lo desobedeció y se fue con Shivá.

(…) Este enemistad culminó en un gran sacrificio de caballo que él había organizado, donde invitó a todos sus amigos, conocidos familiares, rishis (sabios yoguis), cortesanos y súbditos. Conscientemente excluyó a Dakshaiani de la lista de invitados. Incluso en la entrada de su casa puso una estatua de Shivá (que ya empezaba a ser considerado un dios), de la cual se burlaba y que ensució con comida.


Figura 10: Shivá vuelve a su morada con el cadáver de su esposa Dakshaiani (Sati) clavado en su tridente.

Dakshaiani, atraída por la idea de participar del importante iagñá, supuso que la hija del rey sería bienvenida aunque no hubiera sido invitada. Según el Bhágavata Puraná, Shivá le aconsejó que no fuera, pero al verla tan decidida, envió a un grupo de sus discípulos con ella. Cuando Dakshaiani llegó, su padre la trató con desdén, pero Dakshaiani mantuvo su compostura.

Cuando Daksha hizo un discurso en que se burlaba de Shivá, su hija Dakshaiani, herida en el corazón se arrojó al inmenso fuego del sacrificio y se suicidó.

Los dioses tomaron el cadáver y lo cortaron en pedazos (como se hace con el caballo que se sacrifica en el ashua medha iagñá). Donde cayeron sus pedazos se construyeron templos.

Al enterarse de la muerte de Dakshaiani, los asistentes de Shivá (que la esperaban afuera) entraron en la ceremonia y mataron a varios de los presentes. Sin embargo, el sabio Bjrigu invocó a los demonios, quienes atacaron a los sirvientes de Shivá, que se tuvieron que retirar hasta la morada de Shivá. Éste, al oír las noticias de la muerte de su única esposa, Shivá enfurecido tomó una rasta de sus enmarañados cabellos y la estrelló contra el piso. Surgió entonces el terrible Virabhadra.

Según otra fuente[cita requerida] de los dos trozos surgieron Vira-bhadra y el terrible Rudra-kali. De la ira de la diosa Shaktí surgió Bhadra-kali.

Por las órdenes de Shivá entraron en la ceremonia y decapitaron a Daksha y a muchos de los asistentes. Aterrorizados y con remordimiento, los que quedaron le pidieron a Shivá que fuera misericordioso y le devolviera la vida a Daksha y permitiera que el sacrificio se completara. Shivá, el Misericordioso, le colocó una cabeza de cabra y lo resucitó. Con humildad y arrepentido de sus actos inicuos, Daksha se convirtió en otro de los seguidores de Shivá, que le consideraban un dios.

Daksha < Dakisha, literalmente filho da Deusa Ki, ou seja, Enki.

Ora bem, de todos os nomes possíveis para o primitivo casal de deuses do fogo pelo menos um deverá ter sido o antecessor do nome de Deus, enquanto deus da luz, emanando da sarça-ardente.

*Kaku < Kiku > Kihu > Kiw(er)

=> Thiu /Ziu / Diu => Dyau > Teos / Zeus / Dius > dia e Deus.


Figura 11: Karpo (Carpo) era a deusa dos frutos da terra. Ela foi contada entre os Horai (Estações). Karpo era adorado em Atenas ao lado das deusas Auxo (Crescimento) e Hegemone (Líder).

Karpo (Carpo) era a deusa dos frutos da terra. Ela foi contada entre os Horai (Estações). Karpo era adorado em Atenas ao lado das deusas Auxo (Crescimento) e Hegemone (Líder).

Karpo (Frutificação) provavelmente era originalmente apenas um título de Deméter como o deusa dos frutos da terra, assim como Auxo (Crescimento) era um título de Perséfone como a deusa do crescimento da primavera, e Hegemone (Líder) era um título de Ártemis ou Hécate como líder das procissões dos Mistérios.

In Hawaiin mythology, Kapo (< Kapho < *Kaku) is a fertility god.

Hawaiin Kapo < Kapho < *Kaku ou

Hawaiin Kapo < *Kar-Pho > Καρπω / Karpô = Frutos (karpos).

*Kar-Pho + Me-Ana > (Kar) *Pomeana > Pomona.

                                                                   > Hegemona.

Como temos por convicção que os deuses começaram a ser adorados à volta da fogueira aceita-se que passaram a ser representados com a arte rupestre que teve início em volta do sopé dos Pirinéus e nos montes cantábricos. Os cultos do fogo passaram para as ilhas do mediterrâneo, através do que era um istmo de Gibraltar (< Kiwra + altar, lit. “colunas do altares da Kiphura”?) na época pré-diluviana, onde se desenvolveu a ideologia dos reis sacerdotes, precisamente em volta do domínio secreto das tecnologias emergentes do fogo e que culminariam em Creta com os cultos telúricos e vulcânicos das deusas das cobras.

 

Ver: DAGON (***)

 

Ir para: DEUSES DO FOGO III, HEPHAESTUS (***)



[1] Na tradição romana, Hércules fundou um altar depois de matar Caco. Eusébio escreve que Hércules ergueu um altar no Fórum Boário, para comemorar a morte de Caco.

[2] [678] erant etiam illic duo fratres, qui divi appellabantur. horum soror dum ad focum sederet, resiliens scintilla eius uterum percussit, unde dicitur concepisse. postea enixa est puerum iuxta templum Iovis abiecitque. virgines aquatum euntes iuxta ignem inventum sustulerunt, qui a fonte haud longe erat: unde Vulcani dictus est filius. Caeculus autem ideo, quia oculis minoribus fuit: quam rem frequenter efficit fumus. hic postea collecta multitudine postquam diu latrocinatus est, Praenestinam civitatem in montibus condidit. et cum ludorum die vicinos populos invitasset, coepit eos hortari ut secum habitarent, et pro gloria iactare se filium esse Vulcani. quod cum illi non crederent, invocato Vulcano, ut eum filium comprobaret, omnis illius multitudinis coetus est flamma circumdatus. quo facto commoti omnes simul habitaverunt et Vulcani filium esse crediderunt. hinc est 'omnis quem credidit aetas', quasi post dubitationem, et quia sine dubio aetas varia in spectaculis fuit.