Figura 1: Estandarte da bandeira nacional num juramento de bandeira do exercito português
Figura 1: Estandarte da bandeira nacional num juramento de bandeira do exercito português
STANDARTE ou da Chanson de Roland ao «estandarete» popular: uma arqueologia da nomeação simbólica. A palavra, «estandarte» como o pano que a tece, não se limita à sua forma: ela convoca, orienta, cura e resiste. O que aqui se propõe é uma arqueologia da linguagem que restitua à palavra “estandarte” a sua dignidade cerimonial, cruzando etimologia, mito, oralidade e gesto político. O que se ergue ao vento não é apenas tecido porque é sobretudo memória. |
I. Definições e Confusões Semânticas: A distinção entre bandeira, padrão e estandarte.
Por definição o estandarte distingue-se de uma bandeira por esta ser a forma genérica dum padrão de armas desenhada num pano enquanto o estandarte se reporta a bandeira hasteada e montada em suportes próprios.
Adiante veremos que a confusão entre estes dois conceitos teceu as vicissitudes do estandarte.
O termo estandarte distingue-se da bandeira por ser uma insígnia hasteada em suporte próprio, com função cerimonial e simbólica. A sua origem é complexa, surgindo em variantes como estendard, estandard, standart, e em formas latinadas como standardum ou standarum.
II. A Palavra
Muitos exemplos se poderiam dar do quanto de duvidoso anda pelo campo da etimologia particularmente no que respeita às línguas mais recentes, ainda que muito faladas pelas mesma razões de sempre: fala-se sempre sobretudo do que está na moda e que é sempre “o que está a dar”…dinheiro ou nas vistas!
Ao longo da história, as línguas predominantes foram sempre as línguas francas fosse por razões de conquista fosse por motivos comerciais. O Inglês é uma caso típico que consegui associar a razão de império à de negócio. Porém, os novos-ricos nem sempre são os mais avisados ainda que possam ser os mais cheios de orgulho e presunção! O Inglês está longe de ser já uma língua padrão ainda que comece a falar-se por toda a parte um Inglês estandard.
Pattern (n.) = 1324, "the original proposed to imitation; the archetype; that which is to be copied; an exemplar" [Johnson], from O.Fr. patron, from M.L. patronus (…).
Patron = "a lord-master, a protector," c.1300, from O.Fr. patrun (12c.), from M.L. patronus "patron saint, bestower of a benefice, lord, master, model, pattern," from L. patronus "defender, protector, advocate," from pater (gen. patris) "father." Meaning "one who advances the cause" (of an artist, institution, etc.), usually by the person's wealth and power, is attested from 1377; "commonly a wretch who supports with insolence, and is paid with flattery" [Johnson]. Commercial sense of "regular customer" first recorded 1605. (…)
Extended sense of "decorative design" first recorded 1582, from earlier sense of a "patron" as a model to be imitated. (…)
The difference in form and sense between patron and pattern wasn't firm till 1700s. Meaning "model or design in dressmaking" (especially one of paper) is first recorded
The dates beside a word indicate the earliest year for which there is a surviving written record of that word (in English, unless otherwise indicated). This should be taken as approximate, especially before about 1700, since a word may have been used in conversation for hundreds of years before it turns up in a manuscript that has had the good fortune to survive the centuries. -- http://www.etymonline.com/index.php
O termo standar de que os brasileiros já se aproveitaram tem em português o óbvio equivalente semântico no termo «padrão» que mais não é que um compromisso fonético entre o *pedrão, ou grande pedra com que se fizeram os padrões da história trágico-marítima lusitana e a semântica de patrão que ditava as regras e as lei do patriarcado que substitui o matriarcado do neolítico pré-histórico. E a este propósito conviria dizer que muitos anglicanismos fazem fortuna nas línguas alheias não tanto porque as línguas latinas mais velhas não tenham termos próprios para traduzir os modismos inventados pelo génio industrioso dos anglo-americanos, mas, sobretudo, porque os termos quase sempre singelos e pouco inovadores nas línguas mãe fazem furor nas línguas latinas pelo seu exotismo aparente. A inversa nem sequer terá acontecido com a última semântica do “patron” posterior a 1700, que a língua inglesa terá recebido dos portugueses no fundo do baú das parcelas de império marítimo que os lusos tiveram de dar de mão beijada aos ingleses, uma vez que seria uma mera antonomásia em moda dum termo inglês, por sinal nem muito antigo. Obviamente que é foneticamente difícil fazer derivar pattern do O.Fr. patron quando é foneticamente óbvio que isso terá acontecido literalmente com o Engl. Patron. Pelo contrário, não será este que deriva directamente do latino pater mas o Engl. pattern, e não do genitivo patris mas do adjectivo paternus, sobretudo porque a confusão gramatical patente denuncia a sua origem popular e crioula, ainda durante a domínio romano da Bretanha.
Voltando ao termo standar:
Standard = 1138, "flag or other conspicuous object to serve as a rallying point for a military force," from O.Fr. estandart, probably from Frank. *standhard, lit. "stand fast or firm," a compound of words similar to Gothic standan "to stand" and hardus "hard”. So called because the flag was fixed to a pole or spear and stuck in the ground to stand upright. The other theory connects the O.Fr. word to estendre "to stretch out," from L. extendere. Meaning "unit of measure" is 1327, from Anglo-Fr., where it was used 13c., and is perhaps metaphoric, the royal standard coming to stand for royal authority in matters like setting weights and measures.
O interessante é que de todos os sentidos etimológicos possíveis o inglês padrão vulgarizou precisamente o sentido prático mais recente de padrão precisamente pela via das unidades de medida padronizadas que os ingleses não aceitaram da revolução francesa por terem derrotado Napoleão.
Se uso e abuso da fala facilita a diversificação das palavras é sobretudo o poder político quem fixa a semântica dominante.
Os Ingleses dizem que o seu standard deriva do antigo francês dos francos como aglutinante de stand-hard que os ingleses poderiam produzir por si mesmos. Por outro lado voltaram a importar de França o estandart.
III. A Chanson de Roland e o Gesto Nomeado A análise dos versos e da insígnia de Maomé.
Uma das primeiras aparições ocorre na Canção de Rolando, onde o autor chama estandart à insígnia de Maomé e Termagante, levada perante o emir Baligant. O poema, escrito entre 1040 e 1115, deriva de tradição oral e foi fixado em manuscritos medievais, incluindo uma versão anglo-normanda.
A Canção de Rotllan teve um impacto profundo em toda a Europa desde a sua origem, com o herói Rotllan surgindo em versões locais como Roldán (Espanha) e Orlando (Itália). Ele representa o arquétipo do cavaleiro cristão: leal em combate, valente e disposto a morrer. A canção servia tanto para entreter como para incitar os ouvintes a participar nas Cruzadas, dado o seu tema de luta contra os sarracenos.
Embora o manuscrito mais antigo date do final do século XII, acredita-se que o poema seja bem anterior. Com cerca de 4000 versos, a palavra em questão aparece apenas três vezes, todas no episódio de Baligant, o emir da Babilónia; trecho que o estudioso Gaston Paris atribui a um autor distinto.
Figura 2: As oito fases da Canção de Roland em uma imagem; ilustração de Simon Marmion de um manuscrito iluminado das Grandes Chroniques de France (século XV), actualmente no Museu Hermitage
3265. Li amiralz mult par est riches hum
Dedavant lui fait porter sun dragun
E l'estandart Tervagan e Mahum.
[O Emir é um grande homem
Diante dele carregou o seu dragão
E o estandarte de Tervagan e Maomé.]
3329. Carles li magnes, cum il vit l'amiraill
E le dragun, l'enseigne, e l'estandart,
[Carlos o Magno, quando viu o emir
E o dragão, a bandeira e o estandarte,]
3551. Baliganz veit sun gunfanun cadeir
E l'estandart Mahumet remaneir.
[Baligant vê o seu gonfanon cair
E o estandarte de Maomé permanece (indefeso).]
Figura 3: A morte de Rolando na Batalha de Roncevaux, iluminada c. 1455–1460 de Jean Fouquet.
Ao falar das bandeiras, o poeta (ou talvez poetas) utiliza as palavras "enseigne" ou "gunfanun" ou, num caso, "orie flambe". O que era então o "Estandarte de Maomé" que o autor desta secção tem em mente? A história que está a contar é, obviamente, puramente mítica, de tal modo que ele, ou o inventor original do mito, deve ter encontrado a palavra e o objecto que conotava noutra ligação qualquer. -- CAMBRIDGE NAVAL AND MILITARY SERIES GENERAL EDITORS SIR JULIAN S. CORBETT, LL.M., F.S.A. H. J. EDWARDS, C.B., C.B.E., M.A.
O próprio nome de Rolando tem muitas variações linguísticas em pontos medievais muito próximos do determinando Cantar de Roldán (> Roldão) em navarro, Canzone di Orlando em italiano, Chanson de Roland em Francês, e Roland também em Inglês, Rolando em português e espanhol, Rotllan o Rotllà em catalão, Rolán em galego, Errolan em eukara.
Origem etimológica profunda
Etapa | Forma | Significado |
Proto-Indo-Europeu | *kreH- | “gritar, chorar”??? |
Pré-Germânico | *kréh₂tis / *kréh₃tis | raiz de fama, clamor |
Proto-Germânico Ocidental | hrōþi + land → Hrōþiland | “terra da fama” ou terra do herói? |
Franco Antigo / Francônio | Hrōþiland, Hruodland, Hruotland | terra do herói / épico |
Latim Medieval | Hruodlandus, Rotholandus | formas latinadas para uso literário e clerical. |
2. Variações linguísticas medievais
Língua | Forma do nome | Observações |
Francês antigo | Roland | Forma canónica da Chanson de Roland |
Navarro | Roldán | Base do Cantar de Roldán |
Espanhol | Roldán / Orlando | Dupla tradição épica |
Português | Rolando / Roldão | Roldão como forma popular derivada |
Italiano | Orlando / Rolando | Orlando Furioso |
Catalão | Rotllan / Rotllà | Preservado em lendas pirenaicas |
Galego | Rolán | Forma medieval habitual |
Basco | Errolan | Adaptação fonética local |
Occitano | Rotland | Variante regional |
Alemão | Hruodland / Roland | Presente em estátuas e lendas urbanas |
Holandês / Germânico | Roeland / Roelant | Formas populares e literárias |
Proto-Germ. Ocid. *hrōþi < Proto-Germanic *hrōþiz
< pré-germânico *kréh₂tis ou *kréh₃tis, < proto-indo-europeu *kreH- (“gritar, chorar”). ó sânscrito कीर्ति (kīrti, “discurso, relato; fama, renome”.
Ou antes: Her-rōþi > hrōþi + land > *Hrōþiland > B. Lat: Hruodlandus
> Rotholandus > *Rotland > Roland > Rolando ó Orlando ó Errolan
> *Rotland > Rotlan > Rotllan > Rotlà > Rotllà
> Roldán > Roldão.
Assim a etimologia do termo standard remontaria supostamente ao franco standhard (“ficar firme”) relativa à irigem da língua que primeiro o escreveu, embora alguns autores proponham uma origem latina alternativa em extendere (“estender”).
A palavra foi usada para designar um objecto visível que servia de ponto de reunião militar, como o poste capturado por Roberto da Normandia em 1099, descrito como longissima hasta quod vocant standart.
Durante o século XII, o estandarte evolui para uma máquina cerimonial, como a usada por Ricardo I em 1191: uma viga sobre rodas, reforçada com ferro, que sustentava a bandeira real. Este objeto era centro de cura, orientação e autoridade. A batalha de Northallerton (1138) ficou conhecida como Batalha do Estandarte por envolver uma estrutura semelhante.
A transição do nome do suporte para o pano que ele sustentava começou no século XIII. Em 1282, o vexillum de São Jorge em Génova torna-se o Stantarium B. Georgii. Em Inglaterra, o termo estandartz aparece em 1323, referindo-se a bandeiras com armas reais feitas de lã de Aylesham. Contudo, o nome estandarte não se aplicava a qualquer bandeira, mas a um tipo específico, descendente do gonfanon, com caudas reduzidas e forma afilada.
No final do século XV, os arautos fixam a forma: caudas curtas e arredondadas, cruz de São Jorge em chefe, lema e crachás no corpo, mas sem brasão completo. Assim, o estandarte real passa a designar oficialmente a bandeira das armas reais, uso que persiste desde os tempos Tudor.
Propõe-se aqui uma lei de ressonância fonética popular: quando o povo não sabe a origem, escuta a rima. E quando a rima ressoa com o gesto, ela torna-se nome verdadeiro. Assim, labarum, standardum, estandarete, labaru e lauburu não são apenas palavras — são formas de nomear o pano cerimonial, o verbo funerário, o gesto que convoca o invisível com vento e intenção.
O termo estandarete, como forma diminutiva de estandal, representa o símbolo modesto mas significativo, que não comanda — convoca. E o labaru, recolhido em lápides cántabras, talvez seja o verbo funerário original, anterior ao lauburu basco. A rima entre labarum e standardum não é capricho — é restituição poética, escuta popular, tentativa de nomear o gesto com o nome que convinha.
IV. O Estandarte Cruzado: Função e Forma O termo “standard” passou por uma notável evolução semântica desde o século XI, reflectindo transformações culturais, militares e simbólicas no uso das bandeiras. Inicialmente, designava objectos cerimoniais ou militares que nem sempre eram bandeiras, mas postes altos com emblemas, ou mastros montados em carroças usados como ponto de reunião em batalhas.
A fonte mais provável deste conhecimento é a Primeira Cruzada. Durante a luta pela posse de Jerusalém no verão de 1099, Roberto da Normandia, em combate pessoal, apreendeu de um dos os emires sarracenos um objeto que é descrito como um poste muito longo coberto de prata, tendo no topo uma bola ou maçã dourada (pomum aureum). Isto foi chamado de «estandarte», uma palavra que era evidentemente naquele momento de introdução recente, para o contemporâneo historiadores, alguns dos quais foram testemunhas oculares dos eventos que relacionar, têm várias maneiras de a soletrar e geralmente se referem a ele de tal forma uma forma de indicar que a palavra não era de uso familiar. [3 E.g. Albert of Aix: longissima hasta quod vocant standart. Baldric of Dol: admiravisi stantarum. Peter Tudebode: Quod stantarum apud nos dicitur vexillum. Robert the Monk: vexillum admiravissi quod standarum vocant.] Segundo a Alberto de Aix este «estandarte» foi transportado à frente do exército do "Rei da Babilónia" e era o centro em torno do qual a flor do exército se reunia e para o qual os retardatários regressavam. Alguns anos mais tarde, Fulcher de Chartres observa a captura de mais três "estandartes", mas não os descreve. -- CAMBRIDGE NAVAL AND MILITARY SERIES GENERAL EDITORS SIR JULIAN S. CORBETT, LL.M., F.S.A. H. J. EDWARDS, C.B., C.B.E., M.A.
Um exemplo marcante é o “standard” capturado por Roberto da Normandia durante a Primeira Cruzada, descrito como um poste prateado com uma esfera dourada no topo, símbolo de autoridade e centro de coesão para o exército.
· V. A Máquina Cerimonial de Ricardo I O estandarte como eixo de cura e orientação.
No século XII, surge uma forma mais elaborada: uma estrutura móvel com rodas, como a usada por Ricardo Coração de Leão em 1191, que sustentava a bandeira real e servia como ponto de referência, abrigo e símbolo de liderança no campo de batalha. Essa máquina, protegida por soldados, era vital para a moral das tropas porque a sua queda indicava derrota iminente.
Num compromisso com os Sarracenos perto de Acre, no final de Agosto de
Os normandos formaram uma muralha em redor do «estandarte», que, para que fosse mais bem conhecido, não nos descuidámos de o descrever. Consiste, portanto, numa viga longa, como o mastro de um navio, apoiada sobre quatro rodas numa estrutura solidamente fixada e presa com ferro, de tal modo que parece incapaz de ceder à espada, ao machado ou ao fogo. Afixada no topo desta, a bandeira real, vulgarmente chamada de «estandarte», agita-se ao sabor do vento. Para a protecção desta máquina, especialmente em batalha em campo aberto, é designada uma tropa seleccionada de soldados, para que não seja desmantelada pelo ataque do inimigo ou derrubada por qualquer ferimento, pois se por acaso fosse derrubada, o exército ficaria disperso e confuso, pois não saberia em que parte do campo se reunir. Além disso, os corações dos soldados estariam cheios de medo de que o seu líder tivesse sido derrotado se não vissem a sua bandeira ser erguida. Nem os que estavam na retaguarda avançariam prontamente para resistir ao inimigo se, com a retirada da sua bandeira, temessem que algum infortúnio tivesse acontecido ao seu rei. Mas enquanto aquele «estandarte» se mantivesse erguido, o povo tinha um lugar seguro de refúgio. Para lá eram trazidos os doentes para serem curados, para lá eram trazidos os feridos e até homens famosos ou ilustres [5 Unde quia stat fortissime compaginatum in signum populorum a stando standardum vocitatur] exaustos da luta. Por isso, por se manter firme como sinal para todo o povo, é chamado "Estandarte". É colocado sobre quatro rodas, não sem razão, a fim de que, de acordo com o estado do batalha, pode ser antecipado à medida que o inimigo cede ou recuado enquanto eles avançam. . -- CAMBRIDGE NAVAL AND MILITARY SERIES GENERAL EDITORS SIR JULIAN S. CORBETT, LL.M., F.S.A. H. J. EDWARDS, C.B., C.B.E., M.A.
A batalha de Northallerton (1138), conhecida como “Battle of the Standard”, também envolveu uma estrutura semelhante, com uma píxide e três bandeiras. Esse tipo de “standard” tornou-se comum nas forças europeias dos séculos XII e XIII, e o nome passou gradualmente do suporte físico à bandeira que ele sustentava.
· VI. A Transferência do Nome Da estrutura ao pano: o nome migra para o símbolo.
Por volta de 1282, em Gênova, o “vexillum” de São Jorge passou a ser chamado “Stantarium B. Georgii”. Na Inglaterra, a mudança ocorreu um pouco depois, com registros de 1323 mencionando “estandartz” com as armas reais. No entanto, o termo não se aplicava a qualquer bandeira com cruz de São Jorge ou brasão real, mas a um tipo específico — intermediário entre o “streamer” e o “banner”, descendente direto do “gonfanon”.
O uso desta forma de padrão não se limitou aos ingleses; na verdade, parece ter sido de uso geral nos exércitos ocidentais Europa nos séculos XII e XIII, e a transferência do nome do suporte para a bandeira real, ducal ou estadual que O tédio foi uma consequência natural. Esta transferência começou evidentemente a ocorrer por volta do final do século XIII, pois em 1282 o Gonfanon do estado de Génova, até então chamado de "vexillum" de São Jorge, nos Annales Genoenses, torna-se o "Stantarium B. Georgii". Em Inglaterra, a mudança parece ter ocorrido um pouco mais tarde. Fui reunir-me com ele antes do ano de 1323, quando as contas do Tesouro contêm referências a normas (Estandartz, estandardes) com as armas reais e feitas de lã de Aylesham.
VII. O Estandarte Heráldico e Popular A fixação da forma pelos arautos e a emergência do estandarete.
Nos selos reais medievais, esse tipo aparece no topo dos mastros dos navios, sugerindo sua praticidade e prestígio. No século XIV, o formato foi refinado: duas caudas, corpo afilado, e no final do século XV, os arautos definiram um modelo com caudas arredondadas, cruz de São Jorge no topo, lema e insígnias no corpo, mas sem o brasão completo. Assim, o “standard”, quando qualificado como “real”, passou a designar oficialmente o estandarte das armas reais, uso que persiste desde os tempos Tudor até hoje.
Mas o nome não foi dado em Inglaterra a todas as formas de bandeira ostentando as armas reais ou a cruz de São Jorge. Estava confinado a um tipo específico de comprimento intermédio entre a serpentina e o banner [6 Em 1337, as flâmulas tinham de
Em suma, o “standard” evoluiu de um objeto cerimonial para uma bandeira com função militar, simbólica e heráldica, refletindo a complexa relação entre poder, identidade e representação visual na história europeia.
Porém o nome do estandarte terá vindo de onde?
As línguas cultas do centro mediterrânico há muito que tinham deixado de aglutinar conceitos para produzir novas semântica em parte porque tinham já termos de sobra para quase tudo e depois porque sendo línguas altamente flexionantes e sufixativas não careciam do recurso à aglutinação para criarem novos sentidos bastando-lhes modelar e declinar os que tinham para deles extraírem os sons e aromas mais adequados a cada nova situação.
Depois se permanecessem ainda na fase da rudeza rural da sexualidade explícita poderiam ter criado em vez de «estandarte» um “sempre-em-pé” ou mais próximo da fonética do standard termos como *estendeirito < *estende-hirto ou *esten-direito < *estende-recto.
Obviamente que pela sua obvia liberalidade se tratariam de etimologias de conveniência belicista própria de bárbaros mas não de autores de canções de amor e trovas de amigo!
Também não se discute a raiz semântica sta-.
Stand (v.) = O.E. standan (class VI strong verb; past tense stod, pp. standen), from P. Gmc. *sta-n-d- (cf. O.N. standa, O.S., Goth. standan, O.H.G. stantan, Swed. stå, Du. staan, Ger. stehen), from PIE base *sta- "to stand" (cf. Skt. tisthati "stands," Gk. histemi" cause to stand, set, place," L. stare "stand," Lith. stojus, O.C.S. stajati). Sense of "to exist, be present" is attested from c.1300.
A etimologia de *sta- não difere muito da do latino “cedere” e dos deuses do trono. O sânscrito tisthati parece reportar-nos para um deus Hati, ou seja para o terreno cultural dos hititas germinada nas franjas e na sombra dos impérios minóicos e do crescente fértil que viria a engrossar a corrente sociocultural e crioula dos movimentos bárbaros antigos.
Já os portugueses fazem derivar «estandarte» do provençal estendart
< Lat. extendere = «estender».
Porém, onde foram os provençais buscar o seu estendart? Os provençais, ricos e cultos descendentes de galo-romanos, não eram muito dados a artes marciais mas mais virados aos prazeres da paz e do amor. Procurando equivalências no dicionário luso tropeçamos com o termo «estenderete» como sendo o que foneticamente lhe deveria corresponder.
Ora, «estenderete» é a acção de fazer um «estendal» de cartas sobre uma mesa de jogo. Os ingleses ouviram do estandarte o que quiseram ouvir. Os provençais fizeram do «estendal» o que mais lhe agradava fazer!
«Estandarte» < Prov. estendart < B. Latim *estender-etus
< Lat. extendere > «estendal» da feira
= local onde mais frequentemente se punham à prova
as bitolas da justa medida > «estandarete».
Como a tendas de feira foram durante muito tempo meras lonas estendidas, com possíveis bandeiras identificativas e publicitárias, também de pano batido pelo vento, a semântica do estandarte teria assim começado nas feiras francas dos tempos arcaicos, muitos séculos antes dos francos se terem feito duros com os galo-romanos. A particularidade dos jogos de feira com cartas em estendal deve ter ficado entre os lusitanos como uma forma popular de casino. Com as invasões bárbaras acabaram os casinos de feira e recomeçaram as guerras tribais e de bandeira que fizeram as glórias do estandarte.
Ao longo deste estudo, vimos que o termo estandarte não se limita à sua definição técnica como bandeira hasteada em suporte próprio. Ele é, antes de tudo, um gesto cerimonial, um pano que se estende ao vento com intenção simbólica, seja em guerra, em funeral ou em romaria.
A etimologia germânica (stand-hard), que associa o termo à ideia de firmeza militar, revela-se desnecessária e tardia, uma tentativa de legitimação erudita que ignora a origem popular do termo. Como discutido, o uso de estandart na Chanson de Roland para designar a insígnia de Maomé mostra que o autor nomeou o gesto, não o objecto. O estandarte sarraceno, embora estranho aos olhos cristãos, foi reconhecido como forma de vexillum ou labarum, e nomeado com o termo em voga que era o estandarte dos feirantes.
Mas o gesto popular não se limita à forma fixada pelos arautos. Há uma escuta anterior à gramática, uma nomeação que emerge da rima, da memória oral, da dignidade do pano que convoca. É essa escuta que propomos agora como lei de ressonância fonética popular
VIII. A Ressonância Popular e a Lei da Rima Labarum, lauburu, estandarete: escuta, nomeação e dignidade.
Propõe-se aqui uma lei de ressonância fonética popular:
Quando o povo não sabe a origem, escuta a rima. E quando a rima ressoa com o gesto, ela torna-se nome verdadeiro.
Assim, labarum, standardum, estandarete, labaru e lauburu não são apenas palavras — são formas de nomear o pano cerimonial, o verbo funerário, o gesto que convoca o invisível com vento e intenção.
O termo estandarete, como forma diminutiva de estandal, representa o pano cerimonial portátil, o símbolo modesto mas significativo, que não comanda, mas convoca. E o labaru, como nome ancestral recolhido em lápides cántabras, talvez seja o verbo funerário original, anterior ao lauburu basco, recolhido tardiamente como nome lexical.
A rima entre labarum e standardum não é capricho porque é restituição poética, é escuta popular, é tentativa de nomear o gesto com o nome que convinha. E o nome que convinha não é o que a gramática fixou — é o que o povo soube dizer.
A inspiração do autor, ao nomear estandart a insígnia de Maomé e Termagante na Chanson de Roland, poderá ter emergido da memória viva de um objeto capturado durante a Primeira Cruzada — um poste longo coberto de prata com pomo dourado, descrito por Alberto de Aix como longissima hasta quod vocant standart. Este objeto, mais próximo de um vexiloide do que de uma bandeira propriamente dita, teria servido como centro de reunião, eixo de autoridade, máquina cerimonial em torno da qual se organizava o exército do “Rei da Babilónia”. A palavra estandarte, nesse contexto, não designava ainda uma forma estabilizada, mas sim um gesto visível, uma presença erguida, uma função simbólica em campo aberto.
Porém, o nome estandarte terá vindo de onde?
A genealogia do termo não se resolve numa única raiz, mas antes se entrelaça em três fios etimológicos que disputam a origem com a mesma obstinação com que o estandarte se mantém firme no campo de batalha:
Raiz germânica: stand-hard A hipótese mais recorrente entre os filólogos modernos aponta para o franco standhard, composto de standan (“ficar de pé”) e hardus (“duro, firme”). O estandarte seria, assim, aquilo que permanece firme, o que se ergue como sinal para o povo, como atesta o Itinerarium Regis Ricardi: “Unde quia stat fortissime compaginatum in signum populorum a stando standardum vocitatur.” A palavra nasce, portanto, do gesto de permanecer, da função de reunir, da necessidade de visibilidade e orientação em campo aberto.
Raiz latina alternativa: extendere → estendre Alguns autores propõem uma origem latina menos consensual, derivada de extendere (“estender”), que teria dado origem ao francês estendre, e daí estandart como objeto estendido, símbolo visível, bandeira que se mostra. Esta hipótese reforça a dimensão exibicional do estandarte, mas carece da densidade funcional que a raiz germânica oferece.
Raiz cerimonial e oral: tradição cruzada e mito medieval A palavra estandarte aparece pela primeira vez na Chanson de Roland, confinada ao episódio do emir Baligant, e é usada com evidente estranheza lexical; como termo novo, talvez importado, quiçá adaptado. A sua presença em manuscritos anglo-normandos e a sua associação a insígnias sarracenas capturadas durante a Cruzada de 1099 sugerem que o nome pode ter sido reconhecido por função, adotapdo por impacto, fixado por necessidade cerimonial. O estandarte não era apenas um objecto pois era um ponto de convergência, um eixo de cura, um sinal de autoridade visível. A palavra, nesse sentido, não vem apenas de uma língua, mas de um gesto que exigia nome. Assim, o nome estandarte terá vindo não apenas de uma raiz fonética, mas de uma experiência ritual, de uma necessidade simbólica, de uma função que se impôs ao vocabulário como se impõe o estandarte ao vento.
A etimologia germânica do termo estandarte, frequentemente atribuída à raiz stand-hard, revela-se aqui como leitura funcionalista, tardia e anglo-normativa. O que se ergue no campo de batalha não é apenas um poste firme porque é um pano com intenção, um gesto visível, uma convocação simbólica.
Ao seguir as pistas académicas que apontavam para a dureza germânica, e ao recusá-las com escuta crítica e memória cerimonial, este texto restitui à palavra estandarte a sua origem relacional. A nomeação na Chanson de Roland, a captura cruzada do pomum aureum, a máquina de Ricardo I, o gonfanon afilado: tudo aponta para uma genealogia de função, não de forma.
Propõe-se, assim, uma lei de ressonância fonética comunitária: quando a comunidade não sabe a origem, escuta a rima. E quando a rima ressoa com o gesto, ela torna-se nome verdadeiro. Labarum, standardum, estandarete, labaru, lauburu não são apenas palavras pois são formas de nomear o pano que convoca, o verbo que vela, o gesto que se ergue com vento e intenção. E o nome que convinha não foi o que a gramática fixou, mas o que a comunidade soube dizer.
Nunca saberemos se esta razão mas é a verdadeira mas é a parece melhor.
Um glossário cerimonial com os principais termos discutidos, cada um tratado como um gesto:
Termo | Função Cerimonial | Origem Etimológica | Observações |
Estandarte | Gesto visível, eixo de reunião | Frankish standhard / Lat. extendere | Nomeado por função, não por forma |
Gonfanon | Bandeira vertical com caudas | Francês medieval | Antecessor direto do estandarte |
Labarum | Insígnia imperial cristã | Latim tardio | Ressonância funerária e cerimonial |
Pattern | Modelo a imitar | O.Fr. patron / Lat. paternus | Confusão entre patrono e padrão |
Estandarete | Forma diminutiva e portátil | Popular portuguesa | Símbolo modesto, mas convocatório |
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