domingo, 7 de janeiro de 2024

DEUSES LATINOS – AS VACAS SAGRADAS LATINAS, por A. Felisberto.

 

 

VICTORIA.. 1

VITULA.. 18

VACUNA.. 22

VICA POTA.. 29

MEAN ou Meian.. 34

PAX.. 35

 

VICTORIA

Figura 1:  Victoria de Pompeia.

O culto da Vitória em Roma pode ser rastreado até as religiões itálicas:

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Figura 2: Caesari Divi Filius. Victory, draped, standing left on globe, holding wreath in right hand and palm in left.

O Altar da Vitória foi instalado na casa do Senado romano (a cúria) por César Augusto em 29 AC. C. A estátua representava uma mulher com asas, segurando uma palma e descendo para entregar uma coroa de louros ao vencedor. A estátua foi capturada pelos romanos em 272 AC. C. ao rei Pirro do Épiro.

a Vacuna dos Sabinos, ainda popular no início do Império, interpretada pelos romanos ora como deusa-mãe e protectora dos campos (Ceres), ora como caçadora e protetora dos bosques (Diana), ora como deusa guerreira (Minerva, Bellona), era considerada uma Vitória indígena, protectora de sua terra e de um povo. No final da República, o maior teólogo do tempo de César, Varrão, identificou Vacuna com Vitória; altares em Vacuna trazem como motivos ornamentais a palma e a coroa, atributos comuns de Vitória. Finalmente, Dionísio de Halicarnasso, sem nomear Vacuna, declara que a Vitória foi altamente honrada em Sabinia, e cita como um dos principais santuários da deusa numa ilha no lago sagrado de Cotiliae;

a Vica Pota dos latinos, que ainda possuía um templo na Roma imperial, também passou por ser uma Vitória: Aedes Vicae Potae, em Lívio, aedes Victoriae, em um gramático da época de Nero, designa o mesmo templo, situado aos pés da Velia. De acordo com a tendência da religião romana de qualificar a divindade por cada um de seus atos, Vica Pota teria significado tanto a vitória quanto o poder que resulta da vitória (vincere-potiri); tal, pelo menos, é a etimologia que Cícero dá desse termo;

outra deusa antiga do Lácio, Vitula ou Vitélia, teria simbolizado o regozijo que se segue à vitória (vitulari).

Victoria era a deusa personificada da vitória na antiga religião romana. Ela é a equivalente romano da deusa grega Nikê e foi associada a Bellona. Foi adaptada de Vacuna, a deusa agrícola sabina que tinha um templo no Monte Palatino.- Wikipédia

Não é com altares nem trigo moído que a vitória auspiciosa prevalece. É o trabalho incansável, a coragem rude, a energia de espírito insuperável, o zelo ardente, a contundência, o meticuloso, que conferem a vitória e a força total no manejo das armas. Se os homens em guerra Se faltar isso, então, mesmo que uma Vitória dourada abra suas asas brilhantes em um templo de mármore, uma figura elevada que custou um grande preço, ela não estará ao lado deles, e suas lanças viradas parecerão mostrá-la ofendida... É a mão direita de um homem, e um Deus Todo-poderoso, não uma guerreira com cabelos penteados, pairando descalça, amarrada com uma faixa, enquanto o manto que cobre seus seios inchados flui em dobras soltas sobre seu peito...Queres tu, rica Roma, adornar o teu Senado? Pendurar os despojos que as armas e o sangue conquistaram; amontoar, para assinalar a tua vitória, as coroas dos reis que mataste; mas quebrar os horríveis ornamentos que representam os deuses que tu rejeitaste. Então será te preservada no meio do templo a memória da vitória não conquistada apenas na terra, mas além das estrelas. - Prudentius, Contra Symmachum (Against Symmachus II).

O status quaestionis foi muito bem resumido numa importante monografia de Tesse Stek. Em primeiro lugar, concorda-se agora que, com a possível excepção da repressão das bacanais, a República Romana não mostrou qualquer sinal de intervenção religiosa directa fora do território do próprio ager Romanus2. Em segundo lugar, os estudiosos concordam que a associação entre a influência religiosa romana, a colonização e certas evidências materiais (isto é, presentes votivos anatômicos, pocola e templos da Capitólia) é altamente complexa, e a maioria dos argumentos depende de evidências que não podem ser datadas antes do primeiro século AC.

Stek emprega uma abordagem muito cautelosa e critica firmemente o erro metodológico de atribuir automaticamente um valor particular de identidade (“romano”) a certos tipos de evidências materiais (por exemplo, presentes votivos anatômicos). Contudo, em diversas passagens da sua monografia, opta por considerar Vitória uma deusa tipicamente romana, carregada de forte significado político. No santuário de Pietrabbondante, onde foi encontrada uma dedicatória à deusa, ela é considerada um exemplo de “modelo romano […] apropriado e usado contra Roma”. Ela é uma “deusa romana [...] evocada muito provavelmente na esperança de uma vitória sobre os romanos” (p. 50). O mesmo acontece com as dedicatórias a Vitória ligadas ao vicus Supinum (Trasacco, AQ), onde Vitória deveria ser considerada uma “introdução ‘romana’” (p. 164). Embora Stek não exclua totalmente uma ligação a cultos anteriores (ele argumenta que Victoria deveria estar relacionada com Vica Pota, que se acredita ser a protetor do vicus), ele pensa que o “conceito/divindade de Victoria parece ter sido uma resultado muito específico dos processos sócio-políticos na própria Roma no final dos séculos IV e III a.C., levando à popularidade e mesmo à invenção de qualidades divinas neste período”, e in vicus Supinum a deusa deve ser interpretada como um sinal de Romanização através da influência da colónia vizinha de Alba Fucens (p. 164)4. Pensando assim, Stek está em muito boa companhia: Adriano La Regina, o primeiro editor da inscrição de Pietrabbondante, e Cesare Letta, que publicou muitas contribuições importantes sobre a epigrafia da região do Lago Fucine, ambos acreditavam que as dedicatórias a Victoria deveriam ser entendidas como imitações de modelos romanos, enquanto Rufus Fears argumentava que Vitória, juntamente com outras virtudes ou qualidades divinas, devem ter-se desenvolvido sob a influência helenística não antes do século III a.C.6. Anna Clark, que publicou um trabalho recente e importante sobre Qualidades/Virtudes divinas na Roma Republicana, costuma ser muito cautelosa ao ver nas Virtudes divinas exemplos de “Romanidade”, e alerta-nos que este tipo de divindades era muito mais antiga que o Helenismo. No que diz respeito a Vitória, porém, ela vê nos idiotas de Pietrabbondante e Trasacco a introdução de uma deusa romana: no primeiro caso teríamos uma Vitória politicamente carregada, “apropriada de Roma e inscrita contra Roma de uma forma que lembra um pouco o propósito da cerimônia romana de evocatio”[1] (p. 198), neste último ela “parece novamente ter sido adotada de Roma” (p. 199). (...)

1. Victoria em Roma:

Victoria é legitimamente considerada parte do fenómeno religioso geral representado pelas Virtudes ou Qualidades divinas 13. Este não é o lugar para discutir os problemas relacionados com o estudo dessas divindades, mas alguns fatos básicos devem ser declarados para abordar o assunto deste artigo. Os textos republicanos tardios de Cícero e Varrão tendem a descrever essas Virtudes como divindades que levam o nome do benefício que proporcionam 14. Neste sentido, portanto, Vitória é a deusa que confere a vitória, Salus confere bem-estar e segurança, etc.

Na Antiguidade, as virtudes divinas nunca são associadas a personificações. A personificação era uma ferramenta retórica denominada prosopopeia em grego e conformatio em latim, que consistia em criar personagens ficcionais e atribuir-lhes determinada aparência e discursos 15. Os personagens fictícios evocados diante do público em discursos poderiam ter sido quase qualquer coisa: uma cidade, uma pessoa viva ou morta, um deus ou deusa, uma qualidade. Os exemplos mencionados em antigos manuais de retórica deixam claro que a personificação não era empregada apenas na oratória, mas também na literatura e no teatro. Uma passagem de Dion Crisóstomo deixa claro que as personificações também são usadas nas artes visuais, e os artesãos poderiam empregá-las à vontade (Orat. 4, 85). O primeiro estudioso a associar personificações neste sentido às religiões antigas foi Jacob Grimm, mas essa interpretação não encontra qualquer justificação nas evidências antigas 16. Isso significa que quando encontramos ocorrências de Victoria em textos literários ou representações iconográficas, devemos distinguir quando ela pretende ser uma deusa e quando ela é simplesmente uma personificação da vitória, um personagem ficcional que poderia ser usado em vários níveis de comunicação. Só podemos ter a certeza de que Vitória é uma deusa quando encontramos provas directas de adoração, como a menção de sacrifícios ou templos em textos literários, ou inscrições que atestam dedicações a Vitória como deusa. portanto, no que diz respeito a este artigo, não considerarei as fontes antigas nas quais Vitória é, em maior ou menor grau, uma personificação, como em algumas passagens de Plauto ou Tito Lívio 17.

Dionísio de Halicarnasso escreve que havia um antigo santuário de Nike no Palatino, que foi fundado por Evandro e os Arcadianos e que ainda era homenageado com sacrifícios em sua época (1, 32, 5). Com a notável excepção de Franz Altheim, que pensava que Vitória era de facto uma deusa romana arcaica 18, os estudos modernos tendem a não dar a esta informação qualquer tipo de crédito 19. Acredita-se, na melhor das hipóteses, que Dionísio possa estar se referindo a alguma outra deusa, posteriormente identificada com Vitória, como Vacuna, Vica Pota, ou outras 20. Contudo, se a informação dada por Dionísio fosse fiável, seria razoável pensar que ele está a falar de Vitória, e não de alguma outra deusa que também poderia ser referida como Nike. Muito provavelmente Dionísio está simplesmente se referindo ao templo republicano médio, cuja presença talvez tenha sido projetada na Roma Arcaica por antiquários republicanos tardios. Não se pode excluir, contudo, que existisse um local de culto de Vitória anterior ao templo republicano médio: como veremos, as evidências de Praeneste tornam esta possibilidade pelo menos plausível. Uma estátua de Vitória no Fórum esteve envolvida num prodígio ocorrido em 296 a.C., quando foi encontrada do seu pedestal (Zonar. II p. 170 Dindorf = Cass. Dio 8, 28). Ao mesmo tempo, sangue, leite e mel foram derramados nos altares do Capitólio. Um certo Mânio, o etrusco, explicou os dois prodígios como favoráveis aos romanos, porque a Vitória avançou e os altares do Capitólio ficam manchados de sangue quando se celebram triunfos 21.

O primeiro templo de Victoria em Roma foi fundado por L. Postumius Megellus em 294 AC. Lívio afirma que antes de deixar Roma para travar a guerra em Sâmnio, Póstumo, então cônsul, dedicou um templo de Vitória no Palatino, que financiou com fundos recolhidas quando era edil curule (Lívio 10, 33, 9) 22. Os romanos começaram a cunhar moedas representando Vitória por volta de 250 aC 23. Em 216, o Senado aceitou como presságio de vitória a oferta de uma estátua dourada de Nike oferecida por Hierão de Siracusa, aliado de Roma desde a primeira guerra púnica, e colocou a estátua numa parte do Capitólio, onde provavelmente era um monumento e objeto de adoração (Lv 22, 37)24. Posteriormente, o templo de Vitória no Palatino foi usado para abrigar a pedra negra da Magna Mater quando foi trazida para Roma em 204 aC (Liv. 29, 14, 14). A Magna Mater foi trazida a Roma após uma consulta aos livros sibilinos, que se seguiu a um prodígio: é possível que ela tenha sido colocada no templo de Vitória como presságio de vitória 25. Um outro templo foi construído por M. Pórcio Catão, que liderou uma difícil campanha na Espanha em 195 a.C.: após seu retorno celebrou o triunfo, e dois anos depois dedicou um templo a Vitória Virgem 26 (Liv. 35, 9, 6). Uma moeda de 89 a.C., emitida por M. Cato, representa uma Vitória sentada com a inscrição VICTRIX e é normalmente interpretada como a estátua de Vitória Virgem (RRC 343/1, com o comentário de Crawford). Sula ergueu troféus para comemorar sua vitória no local da batalha de Queronéia em 86 a.C., com uma dedicação a Marte, Vénus e Vitória, e mais tarde instituiu o ludi Victoriae em 82 a.C., de 26 de outubro a 1º de novembro 27. César instituiu, por sua vez, ludi Victoriae em 45 a.C., celebrada de 20 a 30 de julho 28.

3. Vitória na Itália Republicana. As evidências relativas à adoração de Vitória na Itália são principalmente epigráficas.

Figura 3: Vitória em espelhos vindos de Praeneste (Palestrina).

Os cultos locais são atestados por dez inscrições, e outras evidências vêm de textos literários. Seis das dez inscrições não são dedicatórias votivas, mas lendas sobre instrumenta domestica, cistas e espelhos prenestinos. A maior parte das evidências está em latim, com uma inscrição em oscan. As evidências mais antigas são as representações de Vitória em espelhos e cistas vindas de Praeneste. Um espelho de excepcional importância também evidencia o culto à Fortuna (CIL 12 2498)33, datado de cerca de meados do século IV a.C., onde os caracteres podem ser reconhecidos por estarem rotulados com inscrições (Fig. *3).

Em primeiro plano vemos Fortuna abraçando Minerva, e ao fundo um personagem chamado Hiaco cavalga uma carruagem puxada por feras, com outras feras ao seu redor, enquanto uma Victoria alada o coroa. A estreita associação entre Fortuna e Minerva provavelmente significa que Fortuna é aqui entendida como uma deusa. Franchi De Bellis argumentou recentemente que Hiaco deve vir do grego Iakchos e deve, portanto, ser identificado com Baco / Dionísio 34. Escusado será dizer que a cena que representa o triunfo de Hiaco é bem a hipótese linguística de uma derivação do latim triunfo de thriambe, e a possível ligação com cerimónias em honra de Dionísio 35. Seja como for, a presença de Vitória num contexto que parece ser mais cerimonial do que puramente mitológico, ao lado de Fortuna e Minerva, pode indicar que Vitória deve ser interpretada como uma deusa e não como uma personificação. Victoria também está representada numa cista que representa um encontro de vários deuses e deusas, identificados com inscrições (CIL 12 563 = ILLRP 1198)36. Os personagens centrais da cena são Minerva (menerva) e Marte (marte), com a ajuda de outros deuses. Victoria (vitoria) está nas mãos de Minerva, segurando uma coroa de flores. A cista deverá ser datada da primeira metade do século III a.C. É razoável pensar que neste contexto de encontro divino Vitória deveria ser interpretada como uma deusa. O mesmo deve ser observado em relação a uma cista datável do século III a.C., na qual os caracteres também são identificados com inscrições (CIL 12 568)37.

Iuppiter ([dies]pater) senta-se em um trono, ao lado de uma personagem feminina ferida (provavelmente Iuno), seguido por uma cista. Aqui estão outros espelhos e cistas dos séculos IV/III aC representando Vitória, mas parecem representar cenas meramente mitológicas nas quais Vitória preferiria parecer uma personificação, e que dificilmente podem ser usadas como evidência de um culto, embora as cenas representadas permaneçam aberto à interpretação 38. Outra evidência importante consiste em um strigil marcado, contendo a inscrição ΥΓΙ(Γ)ΕΙΑ ΝΙΚΗ (IG 14 2408, 12 = n. 95 Jolivet)39.

(...)

Se esta interpretação estiver correta, teríamos uma deusa com o epíteto nike no século IV ou no início do século III aC, na Itália central – talvez de Praeneste, o provável centro de produção. A escolha da língua grega para os strigils produzidos localmente é certamente significativa e implica uma aspiração a um certo grau de identidade grega, embora elaborada de forma distintamente local. A partir desta evidência, parece que Victoria já era adorada em Praeneste no século IV a.C., o seu culto foi influenciado por diversas influências que incluíam elementos gregos, e pode mostrar ligações com a cerimónia de triunfo.

(...)

Segundo Letta estas inscrições confirmam a presença de um templo de Victoria. Letta observa que a deusa Vitória não parece ser popular entre as populações sabelicas e a sua introdução em Supinum deve ser interpretada como uma influência romana direta. A presença de magistrados chamados questores também provaria que as instituições marcianas foram profundamente influenciadas pelos romanos já no final do século III aC. Letta acredita que Vitória foi introduzida na região nas mesmas circunstâncias da dedicação da inscrição mais antiga, ou seja, nas fases finais da guerra de Aníbal e foi, portanto, adoptada de Roma, talvez através da influência da colónia próxima. ônio de Alba Fucens 46. sua interpretação é seguida tanto por Anna Clark quanto por Tesse Stek47. Cesare Letta acredita que os deuses atestados na região de Marte entre os séculos III e II a.C. não apresentam fortes influências romanas, apesar da adoção precoce da língua latina na área, e acredita que Victoria seja a única exceção 48. Victoria, no entanto, não é atestada em Alba Fucens, e me pergunto até que ponto é plausível que ela tenha sido percebida como uma divindade romana pelo povo de vicus Supinum.

Um altar inscrito de Victoria (ILLRP 30 = CIL 12, 2631: Victo|rie) foi encontrado em Macchiagrande, nordeste de Veii, perto de um dos portões da cidade. No local foram encontrados oito altares, seis com dedicatórias a Apolo, Iuppiter Libertas, Minerva, Pitumnus 49, e um a um dis deabus coletivo (ILLRP 27-29, 31 = CIL 12, 2628-2630, 2632). Degrassi datou as inscrições no século III aC (d ILLRP 27-31). Segundo Torelli, a área sagrada foi provavelmente criada por colonos romanos, e o grupo de deuses deveria ser uma mistura de elementos locais e romanos, que se relacionariam com a conquista romana de Veii no século IV a.C.50. O culto a Vitória teria sido estabelecido, portanto, para celebrar a conquista romana e o início da colonização. Torelli sugeriu recentemente que a área sagrada deveria ser datada entre os séculos III e II aC 51. Acredito que isso torna improvável qualquer ligação direta com a conquista romana da cidade. Além disso, temos evidências epigráficas de Veii mostrando que os etruscos ofereciam presentes às deusas em latim já a partir do século III a.C.52. Isso torna ainda mais duvidoso que Vitória aqui deva ser percebida como uma divindade romana peculiar.

Sabemos de uma inscrição osca numa tábua de bronze com uma dedicatória a Vitória (Víkturraí) de dois indivíduos, Marus Staius e Lucius Decitius, encontrada perto do Templo B em Pietrabbondante (Imagines Italicae, Terventum 20 = Sabellische Texte, Sa 24). 53. A estrutura foi notoriamente interpretada como um santuário federal dos samnitas durante a Guerra Social (aparentemente, o santuário deixou de ser usado imediatamente após a guerra, embora isto seja contestado) 54. A dedicação a Vitória costumava ser a única inscrição votiva conhecida nas proximidades do santuário, e Adriano La Regina, o primeiro editor da inscrição, sugeriu que todo o templo era provavelmente dedicado a Vitória. Ele também argumentou que a ocasião da inscrição pode ter sido um episódio da Guerra Social, porque a popularidade de Vitória entre os aliados italianos é atestada pela sua cunhagem, na qual Vitória é atestada 55. Contudo, como discuti acima, a evidência numismática não pode ser associada à deusa Vitória de uma forma simples. Já mencionei que Anna Clark e Tesse Stek relacionam a Vitória em Pietrabbondante com a Guerra Social e a consideram uma deusa romana. O editor de Imagines Italicae, contudo, parece ser mais cauteloso neste ponto, pois data a inscrição no século II a.C. (ad loc.). As circunstâncias da dedicação são totalmente obscuras e, portanto, é duvidoso que tenha algo a ver com a Guerra Social. Oscan Víkturraí é tecnicamente um empréstimo do latim, e isso pode implicar uma derivação de Roma ou Lácio 56. No entanto, isso não implica que a deusa fosse considerada romana, pois a sua presença num santuário samnita sugere fortemente o contrário. Descobertas recentes em Pietrabbondante incluem a dedicação de uma estátua de Hanúseís, que se acredita ser o equivalente oscano de Honos e, neste caso, certamente não é um empréstimo 57. Por mais que possa parecer tentador postular uma ligação estreita entre a inscrição de Victoria e a Guerra Social, ficaria cético quanto a fazê-lo. É um pequeno presente votivo privado, e uma interpretação excessivamente política e anti-romana da inscrição é duvidosa. Se a datação proposta em Imagines Italicae estiver correta, a inscrição pode não ter nada a ver com a Guerra Social. (...)

Victoria pode ter sido adorada no Lago Cutilia. Dionísio de Halicarnasso escreve que no meio do Lago Cutilia (perto de Reate) existe um culto local de Nike, a quem eram oferecidos sacrifícios regulares 62. Tem sido costume nos estudos modernos, pelo menos desde Preller, identificar esta Nike com a deusa Vacuna. Embora o argumento raramente seja explicado, esta reconstrução baseia-se, por um lado, num fragmento de Varrão, que acredita que Vacuna deve ser identificada com Victoria (Ant. rer. div. fr. 1 Cardauns), por outro lado, no suposição de que Dionísio deveria seguir Varrão no que diz respeito à história inicial do Lácio. Acho que ambos os pontos são questionáveis. aqui estão dois argumentos contra a identificação entre Nike mencionada por Dionísio e Vacuna. Em primeiro lugar, deve notar-se que conhecemos pelo menos seis interpretações de Vacuna além de Victoria (Ceres, Minerva, Diana, Vénus, Bellona, dea vacationis *63), e é totalmente arbitrário dizer que Nike aqui significa Vacuna.

*63 Pseudoacr. ad Hor. Ep. 1, 10, 49: Vacuna alii Cererem, alii deam vacationis dicunt, alii Victoriam, qua favente curis vacamus. Vacunam apud Sabinos plurimum cultam quidam Minervae, alii Dianam putaverunt; nonnulli etiam Venerem esse dixerunt; sed Varro primo rerum divinarum Victoriam ait, quo dea maxime hi gaudent, qui sapientiae vacant (= Varr. Ant. rer. div. fr. 1: Cardauns); Porph. ad Hor. Ep. 1, 10, 49: Vacuna in Sabinis dea quae sub incerta specie est formata. Hanc quidam Bellonam, alii Minervam, alii Dianam dicunt.

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Figura 4: Vitória nua entre varias divas nuas num frisos enigmático  duma cistae de Praenestina.

Outros dizem que Vacuna é Ceres, outros a deusa do lazer, outros Victoria, com quem nos cuidamos com vagar. Entre os Sabinos, alguns pensavam que era Minerva, outros pensavam em Diana; alguns até disseram que era Venus; mas Varrão diz que a primeira das coisas divinas é a Vitória, na qual essas deusas se alegram acima de todas as que estão vazias de sabedoria (= Varr. Ant. rer. div. fr. 1: Cardauns); Porfo. para Hor. Ep. 1, 10, 49: Vacuna é uma deusa dos Sabinos que foi formada sob uma forma incerta. Alguns a chamam de Bellona outros de Minerva, outros de Diana.

Em segundo lugar, não é certo que Dionísio aqui siga Varrão, e Jacques Poucet demonstrou que provavelmente não o fez 64. Deve-se concluir que esta passagem provavelmente se refere a Victoria e não a Vacuna. não há dúvida de que o culto deve ter existido na época de Dionísio ou de sua fonte. As evidências que discuti até agora mostram que Vitória era adorada até à região de Marte já no final do século III a.C. não há nada de improvável, portanto, num culto a Vitória em Sabinia no século I a.C., ou antes. Na época de Dionísio, o santuário poderia ter desfrutado de uma popularidade renovada, como aconteceu com muitos santuários italianos sob Augusto 65. (...)

Conclusões:

A evidência italiana para a deusa Vitória apresenta um quadro complexo e com várias camadas de desenvolvimento, o que convida a uma reconsideração radical tanto da interpretação tradicional de Vitória como uma deusa importada das monarquias helenísticas como da ideia de que ela era uma divindade peculiarmente romana. As evidências de Praeneste, e do espelho de Hiaco em particular, sugerem que no século IV a.C., muito antes da dedicação do primeiro templo em Roma, pode ter havido contextos cerimoniais não-romanos nos quais o culto de Vitória se desenvolveu e esses contextos foram provavelmente triunfais. Como em outros aspectos, consideramos o intercâmbio entre Roma e Praeneste muito importante para a história religiosa do antigo Lácio. Um contexto triunfal para o desenvolvimento inicial do culto de Vitória em Roma é confirmado pela interpretação do duplo prodígio relativo à estátua de Vitória no Fórum e nos altares do Capitólio, ocorrido em 296 a.C. em Roma. Os dois prodígios estavam ligados porque o Capitólio era o local onde se celebravam as vitórias (Cass. Dio. 8, 28: ta niketeria, ou seja, triunfos). Isto parece apontar para um desenvolvimento inicial do culto de Vitória num amplo contexto latino, em vez de num contexto especificamente romano. Uma influência grega antiga pode ter estado presente no desenvolvimento do culto a Vitória no Lácio, como mostra o strigil marcado em grego com as palavras ὑγιεία e νίκη, provavelmente epítetos de uma deusa. Embora seja plausível que existisse um santuário de Victoria em Reate, considerado arcaico no século I aC, a natureza da informação que possuímos não nos permite situá-lo no amplo contexto italiano. O santuário pode ter sido muito antigo e, neste caso, é razoável supor que a região desempenhou um papel no desenvolvimento inicial do culto à deusa Vitória no século IV a.C., ou pode estar relacionada com a expansão adicional do culto de Victoria nos séculos III e II AC. A imagem delineada acima demonstra claramente que o modelo proposto por Weinstock para o desenvolvimento de Victoria deve ser rejeitado. A deusa não foi importada pelos romanos das monarquias helenísticas e depois espalhada pelo resto da Itália por causa de suas conquistas militares. Pelo contrário, foi o resultado de um processo de longo prazo no Lácio e talvez noutras regiões, que envolveu elementos ligados a várias identidades locais e linguísticas, incluindo a iconografia grega e as cerimónias triunfais latinas. A cunhagem italiana representando Nike / Victoria ilustra a complexidade dessas interações no que diz respeito à iconografia. Por um lado, Victoria / Nike está representada nas moedas de cidades gregas na Itália a partir do século I a.C., e temos evidências de que os italianos que representaram Victoria / Nike nas moedas durante a Guerra Aníbal alegaram uma conexão direta com esta tradição grega (ver o Moedas lucanianas discutidas acima). Ao mesmo tempo, deve-se observar que as únicas cidades que cunharam moedas com Victoria / Nike nas quais há boas evidências do culto à deusa são Roma e, talvez, Cápua que lança sérias dúvidas sobre a suposta conexão direta entre as representações de Vitória em tipos de moedas e a adoração da deusa Vitória. A cunhagem, entretanto, deve ter sido um fator muito poderoso na difusão da iconografia. Evidências posteriores parecem mostrar uma possível influência romana ou latina na difusão da deusa a partir do Lácio, mas os contextos em que Vitória é adorada não são politicamente carregados. portanto, é bastante claro que ela não foi percebida como um sinal de “romanidade”. O caso de Cápua é particularmente importante para o meu argumento. Em Cápua pode ter havido um culto a Vitória, mas a história de Vestia Oppia não pode ser usada para demonstrar a percepção do “romanismo” da deusa. A inscrição de Veii vem de um território que estava sob controle romano, mas parece não haver nenhuma ligação direta com a conquista romana da cidade. A inscrição de vicus Supinum provém de uma comunidade provavelmente independente que sofreu diversas influências culturais, especialmente da Etrúria, Lácio e Campânia. É possível que Vitória tenha sido introduzida em associação com a língua e a cultura latinas, embora não seja certo que os adoradores a tenham percebido nestes termos. O caso de Pietrabbondante também mostra claramente que Vitória foi transformada numa deusa osca e que não foi acusada politicamente. Os primeiros vestígios da adoração da deusa Vitória na Itália são mais antigos que as monarquias helenísticas e não são de Roma. A partir do século III a.C., ela se torna cada vez mais popular, mas isso não parece estar ligado ao ascendente poder romano. Várias comunidades caracterizadas por diferentes identidades, línguas e culturas veneravam a sua própria Vitória de uma forma específica e distinta. Essas diferenças também foram expressões de diferentes maneiras de conceber o conceito. Victoria pode ser considerada um elemento de unidade e de distinção, mas não pode ser vinculada a uma identidade única e específica. -- How Roman was Victory?*he Goddess Victoria in Republican Italy, Daniele Miano.

E evidente que a entidade divina relacionada com a virtude do triunfo vitorioso da guerra teria que ser anterior à romanidade não apenas porque os textos republicanos tardios de Cícero e Varrão tendem a descrever essas Virtudes como divindades que levam o nome do benefício que proporcionam...e que neste sentido, portanto, Vitória é a deusa que confere a vitória, Salus confere bem-estar e segurança, etc. mas porque sempre foi este o papel das divindades: dar sentido e razão de ser à realidade. A questão que aqui se coloca e continua mal aflorada no texto acima longamente descrito: How Roman was Victory?*he Goddess Victoria in Republican Italy, Daniele Miano é a de saber se a deusa Vitória correspondia a um culto arcaico à deusa mãe da vitória dos latinos, que parece ter sido Vica Pota, e eventualmente dos italianos que tudo aponta ter sido Vacuna, ou uma mera personificação da vitória, um personagem ficcional que poderia ser usado em vários níveis de comunicação, que poderíamos considerar como tradução em latim do conceito da virtude que os romanos apreendiam quando em 216, o Senado aceitou como presságio de vitória a oferta de uma estátua dourada de Nike oferecida por Hierão de Siracusa, aliado de Roma desde a primeira guerra púnica, e colocou a estátua numa parte do Capitólio, onde provavelmente era um monumento e objeto de adoração (Lv 22, 37)24. Para o autor em referência, Daniele Miano, “a evidência italiana para a deusa Vitória apresenta um quadro complexo e com várias camadas de desenvolvimento, o que convida a uma reconsideração radical tanto da interpretação tradicional de Vitória como uma deusa importada das monarquias helenísticas como da ideia de que ela era uma divindade peculiarmente romana” o que parece querer dizer quea deusa da vitória da romanidade e a virtude desta deusa, já antes presente na grega Nikê, parecem confundir-se com o nome da deusa que veio a ser a Vitória da latinidade. No entanto tudo aponta para que o nome da “virtude” da Vitória tenha sido criado dentro da língua latina para traduzir o conceito da deusa grega Nikê.

A personificação latina ou deusa da vitória está frequentemente presente tanto nas cistas quanto nos espelhos. Ela é visível em 24 dos 90 corpos cistas, duas ou três vezes com seu nome inscrito, 54 e em 25 dos 206 espelhos, duas vezes com inscrição. Nem todas as mulheres aladas são Victoriae. Minerva nas cistas 16 e 46, Iris na 69 e Thetis no espelho 117, Aurora segurando uma sítula no espelho 147 e uma mulher parecida com Lasa com ramos no espelho 150 também têm asas.

As cistas mostram Vitória com ou sem coroa na presença de Aquiles (55, 101), Belerofonte/pégaso (32, 55 73), os Dióscuros (27, 31, 56 66, 108), Meleagro (6), Pólux (8, 68) e numa cena da guerra de Tróia (42). Ela simboliza a (futura) vitória de um herói em um duelo, guerra ou esporte (93). Ela também está presente em cenas que mostram sucesso no amor: O Julgamento de Alexandre (9), Helena e Alexandre (2, 89) e provavelmente Tétis (75). A famosa cista 5 mostra uma cena única com inscrições: Menerva (Minerva) cuidando de um jovem Marte acima de um dolium com fogo ou um líquido fervente na presença de outros deuses. Victoria está presente duas vezes, atrás de Menerva segurando uma coroa de hera e novamente sem inscrição, em pequena escala, voando acima de Menerva, para ilustrar a vitória de Marte sobre a morte, já que logo acima dele Cérbero é visível. Não está claro se a cena representa a iniciação de Marte (um batismo de fogo?; banho lustral?), nascimento, renascimento, libertação ou proteção contra o submundo. 57 A cena provavelmente mostra um mito local que não é conhecido nas fontes escritas da antiguidade. Duas Victoriae estão presentes, drapeadas e nuas, em um elaborado banquete/simpósio olímpico (59 (friso superior) onde têm o mesmo status que os outros deuses. O friso principal ilustra o sacrifício iminente dos troianos. Uma Victoria drapeada e uma Minerva armada estão no extremo direito. Victoria também está presente na cena de batalha do friso inferior. Em um caso, Victoria dançando ou descendo pode receber oferendas de um atleta (provavelmente um cavaleiro), prestes a coroá-lo com dois gravetos (94) .

Vinte e cinco espelhos mostram Victoria em outros contextos. Tal como a sua homóloga grega Nikè, ela está prestes a matar ou dominar um touro (67 e 156). Ela está presente em cenas que mostram o triunfante Dionísio montando uma triga e quadriga (86 e 91), Apolo e Mársias (107), Hércules (108, 109, 170, 127 (acima de uma biga desenhada por centauros)58, 99, 139), Sol passando por Tritão (21), Aurora montando uma triga com uma estrela atrás dela (100) e Júpiter? (74). Sol e Aurora representam a vitória da luz sobre as trevas. A coruja e a cobra no espelho 21 podem referir-se à viagem do Sol durante a noite. 59 Única é a mulher alada tocando flauta ao lado de uma dançarina com castanholas e um menino dançarino, que pode ser Amor (75). A cena é dionisíaca se a mulher que toca castanholas for uma mênade como na cista 116. 60 Vitória também está presente nas cenas de amor: como companheira de Vênus (espelhos 121, 137), e de Alexandre / Páris (62 com Minerva) e 163 (inscrito). No espelho 103, uma Vitória (Victoria) vestida de pé pousa a mão esquerda no ombro de uma mulher sentada, semi-envolta (Anima / Psique como pingente de Cupido?) ou de uma hermafrodita diante do cabelo masculino, rotulado com o enigmático certo. À esquerda, Venus segura a mão direita de forma protetora acima do Cupido. Victoria está de pé com um cisne em frente a um homem coberto com uma cortina ou a uma mulher com um ramo (97). A Victoria alada no espelho 38 segura um escudo que é o atributo usual de Minerva. Uma mulher coberta toca seu ombro. No espelho 55, um homem ou mulher sentado em uma cadeira cumprimenta Victoria, que está ao lado de um herma priápico. O espelho 159 (fig. 5) mostra Victoria segurando gravetos, em frente a uma mulher sentada, coberta com um sakkos como cobertura para a cabeça.61 Ao fundo, voltada para a esquerda, uma mulher coberta com um véu.62 A cena pode ser situada em um cenário divino ou contexto celestial, a julgar pela roseta e pequenos círculos que podem simbolizar estrelas. Esta interpretação é corroborada pelo espelho 2 (fig. 6) que mostra uma mulher semelhante velada, aqui com a boca coberta, uma mulher central, relaxada, drapeada, uma mênade como veremos, com mangas pontilhadas segurando um escudo, ladeada por grandes estrelas , e uma Victoria nua. A mulher descontraída com mangas pontilhadas, aqui certamente uma mênade,63 também está presente no espelho 10 (fig. 4) de frente para uma mulher vestida, enquanto Pã, à direita, se afasta. Entre essas senhoras está uma estrela. No dia 20 (fig. 7) uma mulher com mangas pontilhadas abraça um jovem sátiro. Ela abre o véu diante de uma silen que segura um filé. Com base nessas comparações, o espelho 159 provavelmente mostra um cenário dionisíaco. O mesmo pode ser verdade para o espelho 5, onde uma mulher nua no centro, provavelmente Vênus, é flanqueada por uma mulher coberta com um pano cuja mão esquerda segura um graveto e cujo dedo indicador direito está apontando para cima e por uma mulher velada cuja boca e parte do nariz está coberto. Dificilmente existem semelhanças composicionais entre as cenas de Victoria nas cistas e aquelas nos espelhos. Apenas Alexander/Paris coroado por Victoria está presente em ambos os meios de comunicação. Além disso, cenas de cistas e espelhos mostrando pessoas ou pássaros com uma coroa, um filete ou um ou dois ramos também simbolizam a ideia de vitória.

Nos espelhos 57, 71 e 166, uma coroa, ou filete, está pendurado acima da cena. Um filé paira sobre Hércules que segura uma clava e um cantharus no espelho 46. Na cista 1 um pássaro voa, com um filé, em direção a Perseu que segura a cabeça da Medusa. Como não há Victoria, Minerva ou Minerva alada 64, o filete deve simbolizar o sucesso do herói. Nas cistas 50 e 51, um pássaro com um ramo voa em direção a duas mulheres nuas em um labrum sob o qual uma silen sentada toca flauta.65 No espelho 18, um jovem semi-envolto segurando uma coroa de flores agarra uma mulher semi-envolta que está torcendo o cabelo dela. Quanto ao Amor com um dos atributos citados veja abaixo. 66 No espelho 83 Apolo tocando lira segura uma coroa de flores. No 47, uma Ariadna nua coroa Dionísio sentado e semi-envolto com uma coroa de flores na presença de Minerva. No dia 78 ela provavelmente recebe uma coroa de flores de uma bacante. Uma Vênus nua (?) oferece um filé a um guerreiro nu em 48. O espelho 49 mostra três mulheres nuas em uma cena de banheiro. A mulher central segura um ramo. O espelho 82 (inscrito) mostra Juno, com um ramo, e Júpiter, em um altar, tocando-se, e Hércules com sua clava. A cena pode ilustrar a reconciliação de Hércules com Juno, com referência à fertilidade (hermas mostrando vagina e falo). No 160, um silen nu segurando um caduceu oferece uma coroa de flores a uma mulher envolta em um ramo, ao lado de um objeto guirlandado sobre uma base que lembra um epinetron (protetor de joelho) usado em atividades têxteis. No 199, uma mulher sentada e coberta oferece um ramo a um guerreiro nu, em pé, com lança e escudo. A ideia de vitória também é visível em 72. A vitória é celebrada numa cena realista, em que um jovem semi-drapeado e uma jovem semi-drapeada estão ambos sentados e brincando numa sala à tabula lusoria. As inscrições dizem: opeinor à esquerda do homem e devincam te(d) à direita da mulher. Franchi De Bellis assume que a mulher diz ‘eu vou bater você’ (vencer) a que o homem responde ‘opino (que sim)’. 67. -- Ideologia de elite em Praeneste. Sobre as imagens de espelhos e cistas em formato de pêra, em: BABESCH 91 (2016) 105-128. Bouke Van der Meer, Universidade de Leiden.

Na verdade, as representações de Vitória das cistas e dos espelhos de Praeneste, tal como descritas por Bouke Van der Meer da Universidade de Leiden, não nos garantem uma descrição da personalidade de uma divindade especificamente romana, nem sequer nos garantem que estas representações tivessem sempre o nome da deusa romana da Vitória.

De facto, foram muitas as deusas aladas do helenismo e no formalismo figurativo etrusco até Atena era alada, sendo por isso difícil, à falta de explicito sobrescrito do nome, saber se estamos perante Vacuna, Vica Pota, Vitória ou Nikê senão mesmo a equivalente etrusca destas deusas do triunfo e da «vitória» não apenas em guerras, lutas e contendas como em disputas amorosas, lúdicas ou fúteis e banais.

Na maioria dos casos estas representações têm um contexto grego ou helenístico e se levarem o nome da deusa romana da Vitória é como se o nome destas entidades fosse traduzido para o latim.

Se parece que os romanos herdaram os atributos figurativos da Vitória da deusa sabina Vacuna e das latinas Vica Pota e Vítula, também nos parece ser do tipo dos deuses alegóricos criados propositadamente para traduzir idêntica deusa grega do triunfo nos jogos e contendas da vida civil e militar herdada da helenista Nikê. Ora, essa alegoria parece ter nascido do termo latino comum Victor, o vencedor e campeão, que teria por feminino victrix e não Vitória. Por isso se estranha que a deusa Vitória tenha tido o epíteto implícito de Vitória Victrix de acordo com Tonio Hölscher.

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Figura 5: Ref Porcia 7 AR Quinarius: M Porcius Cato AR quinarius. 89 BC. Head of Liber right, crowned with an ivy wreath, M•CATO behind, differing symbols below / Victory seated right, holding palm and patera. VICTRIX in ex. Syd 597c, Cr343/2b.

A princípio, observemos o epíteto Victrix, que pode ser visto nessas moedas sob a imagem de Victoria Virgo; de acordo com Tonio Hölscher, este epíteto deve ser explicado como uma fórmula tautológica ou pleonástica implícita (Victoria Victrix) destinada a aumentar o poder da deusa em questão. 55 No entanto, na minha opinião, seria mais plausível pensar que o epíteto não se relaciona com a deusa, mas com a própria Roma, cujo nome aparece frequentemente no anverso das moedas cunhadas em homenagem a Vitória Virgem; assim, Victrix significaria Roma Victrix. (*)

56 [Johann B. Keune]. Victor (Vitrix). In: Wilhelm H. Roscher (ed.). Ausführliches Lexikon der griechischen und römischen Mythologie. Vol. VI. Leipzig 1937, Sp. 292. (…)

No entanto, este certamente não foi o único festival do ano em sua homenagem, porque, numa passagem que descreve a lendária instalação dos Arcádios de Evandro no sudoeste do Palatino, Dionísio de Halicarnasso descreve o culto oferecido no Palatino a Nike (Victoria), da seguinte forma: Díon. Hal., AR, I, 32, 5. “No cume da colina eles separaram o recinto da Vitória e instituíram sacrifícios a ela também, durando todo o ano, que os romanos realizavam ainda na minha época.” Tradução de E. Cary. – Romanos do século III a.C. em Frente à Deusa Vitória e seu Templo: Da argamassa e das pedras ao destino coletivo, Kārlis Konrāds Vē, Dr. (Universidade Paris-Sorbonne).

(*) Por outro lado há que notar que Roma se identificava com as deusas da Vitória particularmente com a sabina Vacuna tal como aparecia em moedas plageando figurativamente a deusa Atena de Atenas.

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Figura 6: Moeda da República Romana, representando Vacuna (?), uma antiga deusa sabina, identificada por antigas fontes romanas e estudiosos posteriores com inúmeras outras deusas, incluindo Ceres, Diana, Nike, Minerva, Bellona, Vênus e Victoria.

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Figura 7: M. Marcius M. f. AR Denarius. Rome, 134 BC. Helmeted head of Roma right; XVI monogram below chin, modius behind / Victory in biga right, M MARC ROMA in two lines below horses, divided by two ears of corn.

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Figura 8: Rome, circa 250-240 BC. Head of Roma to right, wearing Phrygian helmet; symbol behind / Victory standing to right attaching wreath to long palm frond; ROMANO to left, ΞΞ to right.

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Figura 9: Gold stater of Alexander the Great (17mm, 8.59 g, 3h). Memphis mint, circa 336-323 BC. Head of Athena right, wearing crested Corinthian helmet decorated with griffin, and necklace / AΛEΞANΔP-OY, Nike standing left, holding wreath in extended right hand and cradling stylis in left arm; kerykeion below right wing.

Victor, enquanto nome próprio, só aparece no latim tardio cristão. Embora parecesse que deste modo teríamos também o triunfo do pensamento utilitarista de que são as coisas, concretas ou abstractas, que dão nome aos deuses, a verdade é que, no limite, tal só terá acontecido no caso de deuses alegóricos que na realidade apareciam como coisas divinas de conveniência ideológica e política. Como não temos informações sobre a deusa romana da Vitória que nos esclareçam se esta deusa seria uma divindade de tradição romana por direito próprio ou se seria uma criação alegórica da época de Cícero, para fazer o papel de Nikê no panteão latino, partimos do pressuposto que esta deusa foi uma das primeiras alegorias da fértil teologia republicana romana de conveniência política.

«Victor» < Lat. Tardio vi(n)ctor = raiz do supino vic- + -tor = «venc-e-dor»

< Lat. vincō, vin-cere (= «vencer») vī(n)cī, vi(n)c-tum

Assim sendo, Vi(n)ctória = Lat. vi(n)ctor + -ia = a «glór-ia» do «vencedor»

< *Vi-na-na ki-taria

No entanto, a etimologia proposta para o latino vinco não é convincente.

Vinco < proto-itálico *winkō, do proto-indo-europeu *wi-n-k-, infixo nasal de *weyk- (“superar”), de onde também o gótico weihan (“lutar”) e o antigo eslavo eclesiástico вѣкъ ( věkŭ, “idade, longo período de tempo”).

Desde logo porque salta por cima da tradução directa deste termo latino para o inglês win e cuja etimologia proposta para esta última peca da mesma enfermidade: nada esclarece sobre o natureza e sentido de consensualidade universal da raiz última deste termo.

Win < inglês médio winnen, do inglês antigo winnan (“trabalhar, espremer, labutar, incomodar-se; resistir, opor-se, contradizer; lutar, esforçar-se, lutar, enfurecer-se; resistir”) (compare o inglês antigo ġewinnan (“conquistar, obter, ganhar; suportar, suportar, sofrer; ficar doente”), (...). Cognato com winnen do baixo alemão, winnen holandês, ge-win-nen alemão, vin-de dinamarquês, vin-ne norueguês e vinna sueco.

Sendo os termos comuns derivados de termos eruditos anteriores e estes de nome derivados de teologias ainda mais anteriores ou seja míticas fica claro que é mais fácil encontrar a etimologia dum nome divino autêntico e original do que dum nome comum ou do nome dum deus alegórico. No caso do latino vincare é fácil de encontrar neste várias idéias que passaram para o português como «vencer», «vingar» e «vincar» mas é mais difícil reparar que no análogo luso «fincar» próximo do inglês «finger» para dedo.

Engl. finger < inglês médio fynger, finger, do inglês antigo finger (“dedo”), do germânico proto-ocidental *fingr, do proto-germânico *fingraz (“dedo”), do proto-indo-europeu *penkʷrós, de *pénkʷe ("cinco").

Claro que não é estranho que de vez em quando o PIE acerta pois seja lá qual coisa for o que se oculta por detrás de *pénkʷe ("cinco") a verdade é que cinco são os dedos duma mão e dez (< decem), ou seja um «dígito» (< Lat. digitus > «dedo) a soma dos dedos das duas mãos com que se «vinca» a garganta do oponente, se «vinga» a honra da família, e se vence a luta pela sobrevivência. Ora a origem do «digito» está no latino «dico» que deriva da Deusa Mãe Idaea, Dictina ou Dice. Quanto ao conceito de «fincar» os dedos como as aves de rapina há que revisitar a mitologia da Esfinge.

 

Ver: A ESFINGE E A DEUSA MÃE LEONINA (***)

 

Assim a idéia anteriormente proposta noutro capítulo de que a Vitória seria literalmente a Vaca taurina da aldeia fica prejudicada embora se aceite que esta etimologia «popular» espontaneamente possível tenha influenciado a aceitação popular desta alegoria romana.

«Vitória» < Lat.Victoria < Wica-Tauria, lit.A vaca da aldeia”

< Lat vicus) ??? < Kiki-Tar > Ishtar???

«Vigo» < Lat. vicus< etrusco viku < proto-itálico *weikos

<proto-helênico ϝοῖκος (wóikos) < grego micênico (wo-ko /wojkos ("casa")

>grego antigo οἶκος (oîkos, "casa")

ó sânscrito víś, ("espaço de moradia"), gótico (weihs, "aldeia, lugar").

 

Ver: DA ÉTICA À ESTÉTICA

 

A evidência pode ser vista nas passagens citadas a seguir. Tito Lívio II, 7, 12, depois de contar como, no primeiro ano da República, P. Valério despertou suspeitas ao começar a erguer uma casa no cume do Velia, e como, indignado com a inconstância do povo, ele decidiu construir no sopé da colina, diz:

"Delata confestim materia omnis infra Veliam, et, ubi nunc Vicae Potae est, domus in infimo clivo aedificata = Todo o material foi imediatamente trazido para baixo de Velia e, onde hoje fica Vica Potae, foi construída uma casa na encosta mais baixa.(...)

Pota é a possuidora vitoriosa, ou a deusa poderosa na vitória. Mas como explicar o “Diespiter Vicae Potae filius”? Até onde sei, não existe nenhum mito que nomeie Vitória como a mãe de Júpiter (ou melhor, Diespiter, pois Sêneca distingue uma da outra). Talvez fosse possível identificar Vica Pota com Vitória e ao mesmo tempo explicar "Diespiter Vicae Potae filius", relembrando o mito grego segundo o qual Zeus suplantou seu pai, Cronos, e até agora poderia ser chamado de filho de Vitória. No entanto, se Séneca tinha um mito grego em mente, por que ele deu às duas divindades nomes distintamente latinos? (...)

Ball, seguindo Schenkl, aponta o fato de que Cícero aparentemente identifica Dispiter e Plutão com Plutus, e que Fedro chama Plutus de filho de Fortuna. Ele sugere ainda que "Sêneca...pode ter mantido uma reminiscência de algumas dessas associações em vista das negociações financeiras de Diespiter.

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Figura 10: Victoria num mural duma domus romana. (Bartoli, Recueil de peintures antiques trouvees a Rome.)

VITULA

Os comentários de Buecheler e Ball, por mais plausíveis que sejam, certamente não conseguem dar uma explicação satisfatória da piada em sua totalidade. Desejo oferecer uma interpretação, de natureza radicalmente diferente das já mencionadas, principalmente sobre a etimologia de Vica Pota. (*) (*) Em Religion u. Kultus d. Romer, Muller's Handbuch V, 4, 196, Wissowa parece-me estar muito errado quando diz que alguns dos gramáticos antigos derivaram Vica Pota de vinco e potior, outros de victus e potus, e que Sêneca provavelmente tinha a última derivação em mente. Pelo contrário, as "Victua et Potua" de Arnóbio (III, 25) nada têm a ver com Vica Pota, mas são análogas em formação e significado àquelas outras abstrações divinizadas, Educa, Cuba, Statina,

Dizer que "Victua et Potua" de Arnóbio (III, 25) nada têm a ver com Vica Pota é levar demasiado à letra a mitologia, coisa que nem Cícero faria. Obviamente que Arnóbio era um apologista cristão recém convertido que pretendia ser mais papista do que o papa na sua luta contra o paganismo mas não deveria ser inteiramente néscio e ao nomear Victa & Podua esquecendo Vica Pota ele estaria a fazer o que os restantes retóricos romanos faziam: misturavam mitologias arcaicas romanas com as de outros locais da Pax Romana Itálica.

25. Unxia, diz meu oponente, preside a unção de postes de porta; Cinxia (*) sobre o afrouxamento do cinto; As mais veneráveis Victa (**) & Podua atendem a comer e beber. Ó interpretação rara e admirável dos poderes divinos! Os deuses não teriam nomes se as noivas não tivessem manchado os postos de porta de seus maridos com pomada gordurosa; Não se fossem os maridos, quando agora se aproximam ansiosamente, desatassem a donzela; Então os homens não comiam nem bebiam? Além disso, não está satisfeito por ter submetido e envolvido os deuses em cuidados tão indecorosos, você também atribui a eles disposições ferozes, cruéis, selvagens, sempre se regozijando nos males e destruição da humanidade. – Arnobius, ADVERSUS NATIONES.

(*) Unxia e Cinxia foram epítetos dados a Juno como protetora da noiva no casamento. Ao entrar na casa do marido, a noiva consagrou-se a Juno Unxia amarrando lã nas ombreiras das portas e ungindo-as com óleo e gordura. Como a deusa Cinxia presidiu o desatamento do cíngulo, o cinto: ela deveria zelar pela fidelidade da noiva ao marido. Ver Martianus Capella 2. 149. Para Unxia, cf. H. Steuding, "Indigitamenta", LM 2. 227; para Cinxia, Steuding, ibid. 2. 195; para ambos, WH, Roscher, "luno", ibid. 2.589; L. v. Preller, Romische Mythologie 2 (3ª ed, por H. Jordan, Berlim 1883) 2I 7* Veja também abaixo, 7. 21.

(**) Os testos receptus de Arnobius referem neste ponto: Victa, Vitua e Vita e não se sabe se seriam entendidas pelos editores e copista como equivalentes.

Artigo III. Dos outros deuses, que eram presididos de maneira semelhante, Lucina deu à luz Juno, Unxia da unção, Cinxia, ou deusa virgem da replicação dos cintos, e Victua e Potua da comida e bebida. (...)

Mas para estas coisas: “Victa e Potua são as mais sagradas”, diz Arnóbio, “elas alcançam vitória e poder”. (Arnob., lib. III, página 115.) Mas Enodácio Donato em suas observações a Terêncio: eles passaram do leite e dos berços. E Virgílio: Nem deus nem deusa eram dignos desta mesa, nem desta cama. Probus gravou isso. (Donat. em Terent. Phormion., ato. 1, cenário 1.) Agostinho, porém, os chama de Potina, que é uma bebida; e Educam, que fornece alimentos (Augusto, livro IV de Civit., capítulo 11, página 97). Mas ele, portanto, explode ambas essas divindades ridículas; porque os israelitas no Egito, sem Educa e Potina, comeram e beberam. Mas mais tarde. “Se alguém”, diz ele, “contratasse duas amas para uma criança, uma das quais não daria nada além de comida, e a outra nada além de bebida, assim como estas empregaram as duas deusas, Educa & Potina, para esse propósito, isto é, para atraí-lo, e algo semelhante à mímica seria visto acontecendo em sua casa. (E. lib. 6, cap. 9, p. 156.) Mas estes são sem dúvida os mesmos, que são chamados de Victa e Potua por nosso Arnóbio, se não houver nenhum erro incomum do bibliotecário em seu texto. Mas ele, não menos que Agostinho, os proíbe e rejeita com desprezo e zombaria, e na verdade com razão. -- Migne Editors, Dissertatio Praevia In septem Arnobii disputationum Adversus Gentes Libros. (Auctore Dom Le Nourry.)

Mais difícil é o caso de Victa (texto da ed. Marchesi) e Potua, dos quais este é o único atestado. Reconheceremos a distorção, por falsa etimologia, uictui potuique, de uma mesma deusa, Vica Pota, antiga divindade romana da vitória 27 que ainda tinha, no final da República e início do Império, o seu templo no sopé de Velia e seu festival no calendário.

Ascônio, no século I DC. BC, sempre interpreta com precisão, mas moderniza seu nome 28. Aenobio, por sua vez, segue na direção oposta. Ele, ou sua fonte, em outras palavras, Varro? O seu nome foi provavelmente, na sua lista, substituído pelo de outras duas entidades, muito varronianas, que têm as mesmas funções: Educa (-la, -lia, -sa) e Potina29, duas indigitações da pequena infância, com as quais Vica Pota, esquecida e pouco conhecida, fica aqui confusa.

Pota = Potua, isso é óbvio, mas não é suficiente para explicar a falha: os primeiros termos de cada série ficam sem ponto de comunicação. Teríamos também o prazer de trazer uma nova entidade, Vitula, cuja família de palavras, uitulari, uitulatio (os gritos de alegria que pronunciamos ritualmente, por exemplo por ocasião de uma vitória), chamou a atenção dos antiquários, em particular, duas vezes, de Varrão: LL 7, 107 uitulantes (em Naevius) em Vitula; e DR Estamos assim perante duas sequências, uita uitula uictoria / Educa Potina, em que uma diz respeito à vitória, a outra a beber e a comer. Victa Potua está na encruzilhada das duas, uma deusa única da vitória reinterpretada (por Varrão?) como doadora de comida e bebida. O problema etimológico, para ela e para Vitula, coloca-se nos mesmos termos: a escolha entre uictoria e uita. É, pode-se conjecturar, num contexto análogo, se não no próprio quadro desta discussão, que Arnobio conseguiu encontrar o nome de Vica Pota, reinterpretado por ele, ou já por sua fonte, no segundo sentido, com exclusão do primeiro. Especialmente porque a ligação sugerida com Vitula não deixa de acrescentar algum valor à lição do manuscrito P, uita. A correção Victa, devida a Sabaeus, impôs-se aos editores modernos. Mas só tem a tradição e é, na nossa opinião, o menos satisfatório que existe. Três soluções são possíveis: ou mantemos o texto de P, Vita, ou corrigimos, seja restabelecendo Vica, ou por analogia com Potua potui, que dá Victua uictui (F. Ursinus). Já a Victa tem todas as desvantagens: o formulário não é atestado, o que também acontece com a Victua; mas, ao contrário do Victua, nem sequer é refeito de forma satisfatória no uictus. Victua é menos arbitrária e mais lógica (ou analógica). Mas perguntamo-nos, no final de um debate que guarda vestígios da confusão mental da qual os próprios antigos não escaparam, se não podemos preservar o texto Vita, mesmo que nos choque com Potua: Arnobio não partilha necessariamente do nosso gosto pela simetria. Com Laverna, deam furum (3, 26, 1), permanecemos na hipótese. A “deusa dos ladrões” também vem de Varro? Podemos conjecturar (Card., para demonstrá-lo. - Leitora Amobe de Yarron, JACQUELINE CHAMPEAUX.

Lat.Vitula > Lat. Vidula, > Lat. Tard. vitela > viella

???> viēla ? > viōla < fiōla (medieval) < franco *fiþulā.

= uma vaca jovem, novilha, vitela, bezerra.

Contraparte feminina de vitulus (“vitelo, bezerro”). É bastante incerto se a palavra para instrumento de cordas vem desta fonte, mas pode estar relacionada a cordas feitas de intestinos de gado; também pode ser um empréstimo do franco *fiþulā (“violino, violino”). A verdade e que os instrumentos de cordas mais arcaicos eram feitos com bucrâneos.

Vitulus 'bezerro [m. o] (Cato+) Derivados: vitellus 'pequeno bezerro (PI), 'gema de ovo' (Varro+), vitulinus 'de bezerro (PL+).< PIt *wet-elo- 'de um ano, bezerro. Cognato It: U vitlu [acc.sg.m.], vitluf, uitlu [acc.pl. m.] vitlaf, uitla [acc.pLf.] < *ueteIo-, -a- 'bezerro'. PIE *uet- 'ano'. Cognatos IE: veja s.v. vetus.

Vitula: a deusa romana da alegria e da vitória. > vitula-tio =

Vitulatio era uma ação de graças anual celebrada na Roma antiga em 8 de julho, um dia após a Nonae Caprotinae e após a Poplifugia em 5 de julho. A Poplifugia é um festival menos conhecido e de origem obscura até para os próprios romanos; Macróbio diz que marcou uma retirada romana dos etruscos em Fidenae durante a invasão gaulesa, e que o Vitulatio comemorou a sua vitória de retorno. Foi um dies religiosus, um dia de proibição religiosa em que as pessoas deveriam abster-se de realizar qualquer atividade que não fosse atender às necessidades básicas.

A deusa homônima Vitula [ela] personificava a alegria e da vida (vita).

De acordo com Vergilio, ela recebia as ofertas das primícias.

O verbo vitulari significava cantar ou recitar uma fórmula com entonação e ritmo alegres. Macróbio diz que vitulari é o equivalente ao grego paanizein (παιανίζειν), "cantar um hino", uma canção que expressa triunfo ou ação de graças. Ele oferece, no entanto, uma gama antiquada de etimologias, incluindo uma de victoria, “vitória”. Uma explicação moderna relaciona a palavra Vitulatio com vitulus, "novilha", o animal que serviu como bode expiatório ritual em Iguvium, conforme descrito nas Tábuas de Iguvine.

Se Vitula recebia as primícias era a Deus Mãe Gaia, Copia, Opus, Abundantia e Fortuna e por isso coroada como Cibele e também por isso Vica Pota, a potínia das aldeias e vicus.

Como se referiu antes que os textus receptus de Arnobius para Victa & Podua referem: Victa, Vitua e Vita sem que se saiba se seriam entendidas pelos editores e copista como equivalentes, aceita-se, por hora e até prova em contrário, que o seriam e com bastas razões até pela própria etimologia da «Vida».

«Vida» < Lat. vita < proto-itálico *gʷītā < *Ga-wita < Ka-Kita > Gaia.

                              > Oscan: biita(m) < βίοτος (bíotos, “ser vivo”)

< Greg. Ant. βῐ́ος (bíos).

Possivelmente corresponde a um derivado do proto-indo-europeu *gʷihwo-teh2 (compare o grego antigo βίοτος (bíotos, “vida”), o irlandês antigo bethu, bethad, o irlandês beatha, o galês byway, o antigo eslavo eclesiástico животъ (životŭ, “vida” ), gyvatà lituano (“vida”), viver em sânscrito (jīvitá), Avestan gayo (acusativo ǰyātum) ("vida") < Gaia

Portanto a vida deriva da deusa Mãe da Gaia Ciência e a Vera Natura, deus da vida natural e da alegria e que como Arnóbio ainda sabia ao referi-lo para Victa, Vitua ouVita como deusa da alimentação e da comida pelo que Vica Pota que só se separaram em duas entidades para serem Vitua & Potua, da comida e da bebida, porque inicialmente eram variantes da Deusa Mãe Gaia. Entre os latinos era Ops e Copia e todas deusas da Fartura Natural e da Boa Sorte nas lutas da vida e logo deusas vitelinas da Vitória, como Vacuna foi.

 

VACUNA

Vacuna era a deusa do lazer rural, adorada pelos Sabinos.

The name of the Valerii is connected with the verb valere, and with the divinities of victory and of health. Therefore, just as Valeria was considered a deity who cured the sick, so Valerius Publicola lived in a place called Vica Potcs,—that is, Victoria Potens. This was near, or actually within, the temple of the Penates. The Horatii, on their part, seem to be related to the god Horatus, who announced to the Romans the victory of Silva Arsia.

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Figura 11: L. Valerius Acisculus AR Denarius. Rome, 45 BC. Laureate head of Jupiter to right; acisculus and ACISCVLVS behind, all within laurel wreath / Anguipedic giant facing, holding thunderbolt that has pierced his side, and raising other hand overhead; [L] • VALERIVS in exergue.

Nota 21 Não é necessário insistir no facto de o nome Italia derivar de Vitellia. Quanto a Vitellia, quae multis locis pro ftumine coleretur, ver Suet., Vit., i. Este autor refere-se também à via Vitellia, perto de Roma. Devemos colocar em estreita ligação com Vitélia a deusa Sabina Vacuna, que, segundo Varrão (em Acr., ad Horat., ep., I. 10.49) era igual à deusa Vitória. Da mesma forma, é provável que a deusa Vitória, adorada no Palatino, fosse apenas a deusa da Vitulatio. Para a deusa Vitória adorada sob a forma de um touro, veja as notas do capítulo sobre os Horácios.

They were, at any rate, the representatives of Jupiter Hastatus or Quirinus. (…)

CAP IX HORATII AND VALERII

Em Lavinium, Juno foi originalmente adorada sob a forma de uma cabra, e Acca Larentia (e, talvez, Valeria Luperca, também) foi homenageada sob a forma de uma loba. Temos razões para acreditar que de maneira semelhante a deusa da Vitória era reverenciada sob a forma de um touro (???) e de uma vaca. Isto pode ser provado pelo termo Vitulatio, que (de acordo com um antigo analista) significava Victoria, 45 e também pelo facto de os antigos romanos e outros povos adorarem a deusa Vitellia. 46

O touro e a vaca eram os totens nacionais de diversas raças itálicas. Nas moedas da Guerra Social vemos o touro vencendo o lobo sabeliano. Da mesma forma, na batalha de Sentinum, os romanos consideraram o aparecimento do Lupus Martius como um presságio de vitória. É óbvio então que sob a forma de uma vaca eram adoradas tanto a deusa Vitella como a deusa Vacuna, a deusa Sabina da Vitória. 47

E como Vitélia estava ligada a Evandro e aos Fauni, nossos pensamentos naturalmente se voltam para o templo da Vitória situado acima da gruta do Lupercal. Os antigos, aliás, afirmavam que a festa da Vitória, assim como a do Lupercal, tinha sido fundada por Evandro. 48 Parece que deveríamos ligar a estes cultos a estátua de Valéria que, nas moedas daquela família, foi representado montado em um touro.[2]

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Figura 12: Denarius Valeria: Lucius Valerius Acisculus; ACISCVLVS / L•VALERIVS - Head of Apollo Soranus right, wearing diadem surmounted by star; behind, pickaxe above part of moneyer mark. Border of dots; sometimes laurel-wreath border. / Europa seated on bull walking right, holding billowing veil. Part of moneyer mark in exergue.

49 Os Valerii, então, parecem ter ligado sua origem ao culto desse animal. Finalmente, como veremos num capítulo subsequente, foi a partir de um touro que a família romana dos Minúcios traçou a sua origem. 50.

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45 Calp. Piso, and Hyll., in Macrob., III. 2.14.

46 Suet., VitelL, r.

47 Concerning Vacuna, see Varro, in ACR., ad Horat., Ep., I. 10.49 i cf. Dion. Hal., I. 15.

48 Dion. Hal., I. 32.

49 Babelon, Monn. d. I. rep. rom., II. p. 519.

50 With this sacrifice of bulls are to be connected the ludi saeculares, which the Valerii affirmed to have been established by them. Val. Max., II. 4.5; ZosiM., II. I sq.

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21 Não é necessário insistir no facto de o nome Italia derivar de Vitellia. Quanto a Vitellia, quae multis locis pro ftumine coleretur, ver Suet., Vit., i. Este autor refere-se também à via Vitellia, perto de Roma. Devemos colocar em estreita ligação com Vitélia a deusa Sabina Vacuna, que, segundo Varrão (em Acr., ad Horat., ep., I. 10.49) era igual à deusa Vitória. Da mesma forma, é provável que a deusa Vitória, adorada no Palatino, fosse apenas a deusa da Vitulatio. Para a deusa Vitória adorada sob a forma de um touro, veja as notas do capítulo sobre os Horácios.

-- Ancient legends of Roman history by Pais, Ettore, 1856-1939; Cosenza, Mario Emilio, 1880-1966.

Notar que a maioria dos autores considera que os Denarius Valeria representam a Europa raptada por Zeus na forma de um touro. Mas, por outro lado, como não é necessário insistir no facto de o nome Italia derivar de Vitellia e de que, para os gregos a Europa era a Itália da Magna Grécia é aceitável que o rapto de bela Europa fosse o da jovem vaca Vitélia quer porque os mitos do pecado de raptos de gado eram comuns e Europa pode ter sido entendida na Itália do culto de Vitélia como sendo *Kau-rapta, literalmente a Corrupta (Vitélia) enquanto “vaca raptada”...pelo próprio filho, Dispater.

 

Ver:O RAPTO DA BELA EUROPA (***)

 

Wikipedia: Aqueles que a consideravam indígena e autóctone (Vespasiano e Tito Tácio) a definiram como filha de Sabo, rei mítico dos Sabinos, e neta de Sanco (deus dos juramentos, principal divindade masculina Sabina). Segundo outras narrativas (Varrão e Dionísio de Halicarnasso), a deusa chegou à Itália com os pelasgos. Em qualquer caso, Vacuna possui os traços da grande mãe mediterrânea (Pestalozza 1964, 2019; Bonanno & Buttitta 2021). Afinal, Sabina era habitada desde o Paleolítico. Ela é a deusa dominante do panteão do povo sabino, cujas origens arcaicas estavam ligadas à cultura osco-úmbria, e talvez também aos gregos de Esparta. (...)

Mesmo para os antigos a deusa era um enigma. “Vacuna in Sabinis dea sub incerta Species est formada”, escreve Horacio: Vacuna é misteriosa, indescritível, indefinível, quase invisível. Seu santuário está dilapidado, arruinado, abandonado. Ela e ela também estão em silêncio.

Os autores que a descrevem não deixam de sublinhar que se trata de uma divindade muito antiga e obscura. A deusa parece querer esconder a sua identidade, até porque está associada e confundida com outras divindades da Itália antiga: Vitória, Bellona, Diana, Minerva, Ceres, Vénus. (...)

A iconografia que a representa é escassa, quase inexistente. Seus traços simbólicos são vagos, pois está associada ao ciclo da produção agrícola, com destaque para a fase final da colheita: traço comum a quase todas as divindades femininas das culturas pré-modernas fundadas na agricultura. No entanto, algumas conotações sobre ela são específicas dela:

a aposta no intervalo que se segue ao trabalho da última colheita, ou na hora do meio-dia, a hora sem sombra, que envolve uma ênfase especial na dimensão do descanso depois do trabalho, no vazio que se segue à actividade;

a ligação com a água, nas espécies frias e em todas as suas formas, desde as chuvas às nascentes até aos lagos, com destaque para as propriedades oraculares e taumatúrgicas do elemento aquático.

George Dumézil acolhe com satisfação a leitura de Ovídio, pois o conceito de vácuo precisa do vazio (ausência, vazio), e observa que a invocação da deusa é especialmente intensa quando nos deparamos com o vazio deixado por alguém que nos é querido. Recorria-se a Vacuna para pedir que uma ausência (devido a guerra, viagem ou doença) não terminasse mal. Graças à sua polissemia, a deusa teria sido capaz de “preencher muitas formas de “vazio” (Dumézil 1985; Nicolai 2020). A interpretação de Frazer desenvolve o tema de um vazio sendo preenchido pela renovação, seguindo o padrão dos ritos de passagem (van Gennep 1909) e destacando os poderes de regeneração da deusa. Ele a define como “uma deusa médica, dotada de poder de cura” (Frazer 1929). (...)

O atributo das asas é muito importante: é um indicador seguro do arcaísmo do culto a Vacuna. As deusas aladas, associadas ao voo dos pássaros, evocam a época original do pensamento religioso que associava o sagrado feminino (ab illo tempore) ao céu, ao sol e às estrelas. E era um céu não dualista, como aquele introduzido mais tarde pelo patriarcado. O céu feminino era um céu que continha e abraçava. Estava em cima, mas também embaixo, nas laterais, em toda a volta. Um céu envolvente e não um céu distante e divisivo como o patriarcal, que opunha alto e baixo, homem e mulher, certo e errado, bem e mal. As asas de Vacuna dão esta profundidade e esta tensão a uma divindade que, ao mesmo tempo, está enraizada nas profundezas mais inacessíveis e misteriosas do ventre terrestre. (...)

Trebula Mutuesca

Horace fala de um pequeno templo dedicado à deusa, já em estado de abandono, perto de Rieti. Entre os vários cultos, identificados em diversas campanhas de escavações, no Santuário de Trebulano (Trebula Mutuesca), destaca-se a sua presença - ainda que em diálogo intercultural com Ferónia, Mercúrio e Apolo - especialmente nas inscrições vasculares. Com base nos fragmentos de cerâmica pintados de preto encontrados, Giulio Vallarino, a partir de 2007, levantou a hipótese da presença do culto à deusa (século 2012 a.C.). A área do templo foi identificada na área onde se encontra a igreja de S. Vitoria (Vallarino 2020). (...)

Aquae Cutiliae (...)

O lago (hoje, Paterno) é uma área pantanosa muito maior e definida Lacus Velini, foram considerados sagrados por algumas características que levaram a reconhecer o sinal do divino nas estranhezas e maravilhas do território. Uma surpreendente ilha automotora parecia navegar nas águas geladas do atual Lago Paterno, talvez outrora o local do santuário de Vacuna, habitado por espíritos femininos a quem eram devidos sacrifícios e oferendas: as Lymphae Commotiles. (...)

A área, que Plínio define como “umbilicus Italiae”, inspirava medo e respeito. É possível, embora não certo, que ali mesmo estivesse localizado o santuário da deusa Vacuna (Alvino-Leggio 2006). O culto que ali se realizava, e que segundo Varrão era dedicado a Lymphae Commotiles, deve ter sido portanto de natureza taumatúrgica e oracular. A ligação entre Vacuna e as ninfas do lago parece ser confirmada por uma leitura moderna do seu nome, que não está ligada ao latim vácuo, mas sim a um lacus e lacuna, justificando a definição de Dionísio de Halicarnasso que fala dela como "a senhora do lago" (Prosdocimi 1989).

A Vacunae Nemorae

Não só as águas foram associadas à Vacuna: também as matas e a vegetação em geral. Plínio, o Velho, fala sobre eles, situando-os no vale superior de Velino. O culto era praticado em pequenos altares montados na mata, mas provavelmente também em cavernas, como a do Monte Tancia frequentada até a década de 2003. (...)

Aqui está uma velha decrépita sentada entre meninas:

celebra um sacrifício a Tácita, mas ela mal fica em silêncio,

e com três dedos ele coloca três grãos de incenso na soleira

onde um ratinho abriu uma passagem secreta;

então com palavras mágicas ele amarra alguns fios em um fuso escuro,

e enrola sete feijões pretos na boca.

Depois ele queima a cabeça de uma sardinha no fogo

ele costura perfurando-o com uma agulha de bronze e cobrindo-o com piche;

ele também derrama vinho nele: e o que resta do vinho

ela ou seus colegas bebem, mas ela bebe mais.

“Amarrei línguas inimigas e olhares malévolos”,

diz a velha indo embora e saindo bêbada.

(Glóriasde Ovídio , II, 571-582).

Nicolai tem razão: os versos não estão explicitamente ligados a Vacuna, mas a deusa Sabina tem todos os traços distintivos da deusa Tacita, ou Muta, como também é chamada Vacuna.

Ovídio relembra a história de Tacita-Muta, a ninfa tiberina Lara que tem a audácia de proteger a ninfa Juturna da agressão do adúltero Júpiter. Lara “não segura a língua”, pelo contrário, avisa Juturna sobre a perseguição que está ocorrendo, e Júpiter, como punição, a deixa muda. O mito – de origem grega, retomado por Ovídio para ilustrar a Feralie de Fevereiro que celebrava os mortos – tem como pano de fundo a zona do Lácio, onde é mais rica em água, pântanos e vegetação.A ninfa, de facto, “ora se escondia no bosque entre aveleiras, ora mergulhava nas suas águas familiares”. A referência ao reino de Vacuna está ligada, no rito relatado por Ovídio, ao feijão e ao peixinho cuja boca está costurada. A presença do fuso evoca uma forma de magia primorosamente feminina contra a calúnia e o mau-olhado. As tradições folclóricas de muitas culturas ainda associam o feijão, em forma de doce, aos mortos e ligam as deusas silenciosas ao submundo. -- Vacuna, a deusa que existe e não existe, de Enrica Tedeschi.

Levantamentos arqueológicos realizados na Sabina, a cerca de 50 km de Roma, pretendiam reconstruir a antiga paisagem agrícola e pastoril. Eles identificaram vestígios interessantes de pequenas fazendas familiares romanas em Montenero, Sabino e Mompeo (província de Rieti), aldeias localizadas perto da Via Salaria (a “via do sal”) e do riacho Farfa, um afluente do rio Tibre, que em tempos antigos, eram ambos as principais rotas comerciais da Itália central, ligando Roma aos Apeninos e à costa do Adriático. Lá foi encontrada uma rede de canais e tanques subterrâneos, canos de água fictícios e piscinas, às vezes interligados. Muitos deles ainda são usados hoje, dado o baixo crescimento populacional e a falta de desenvolvimento industrial moderno desta área e ao seu isolamento, apesar da proximidade de Roma. Além disso, a área de estudo contém uma pedra votiva dedicada à deusa da água sabino-romana Vacuna, uma deusa multiforme Sabina e Central-Itálica com muitas características e funções, também conhecida como Minerva-Bellona-Victoria, Feronia, Caerere ou como Angerona-Angitia. Tratava-se de um santuário agropastoril ao culto da água, cuja relevância antropológica ainda sobrevive nas feiras anuais de gado e no culto local à Santa Maria das parturientes. -- Irrigação, exploração de águas subterrâneas e culto da água nos assentamentos rurais de Sabina, Itália Central, na época romana A. Di Leo; M. Tallini.

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Figura 13: Rieti-Valle-santa-reatina.

Derivar o nome da deusa Cloaquina dum termo plebeu é uma ofensa à deusa respectiva e um erro crasso porque além de virar o protocolo da purificação ao contrário repete o erro de fazer derivar as palavras de verbos e não de adjectivos como parece ser a regra de bom senso: primeiro encontram-se, inventam-se ou fabricam-se os objectos e só depois é que se actua com eles. De facto, mesmo que se postule a existência do verbo etrusco *cluva, continuamos a questionar: e de onde derivou este? Ora, em rigor, se tal fosse o caso, contra o qual nada se teria contra, a resposta seria: *cluva deriva do nome da deusa das purificações pela água da chuva que seria *Clu-Vacuna e seria, portanto, o nome desta que passaríamos a indagar. Ora, desde logo, parecer-nos-ia tratar-se de um nome composto por um nome virtual *Clu mais o da deusa Vacuna, antiga deusa sabinade natureza incerta (Pomponius Porfírion refere-a como sendo de incerta specie) mas que segundo Varro seria idêntica à deusa latina Victória e à grega Nikê e de etimologia relacionada com a deusa Vaca.

To conclude the study of Vacuna, the fact is we know very little. Her cult did exist throughout the Sabine territories, as the archeological remains demonstrate. She was most probably associated with water, rain, and the agricultural cycles so important to a mostly rural population. Her true meaning to those that worshipped her, however, is a mystery. -- Vacuna: The Hidden Goddess – Veiled in the Mist of History.

Vacuna. An obscure, ancient Sabine goddess, who (from her name) was assumed to be a patron of leisure, but her identity is obscure. Varro connected her with *Victoria, and others with Bellona, Diana, Minerva or Venus. Horace writes of a dilapidated shrine to her near his farm, and Pliny mentions her grove in Reate. This may have been on the island of Lake Cutilia (modern Velino), where the ice-cold waters of the goddess of the lake were thought to be a cure for diarrhoea; they failed however in the case of the emperor Vespasian, who died of the disease despite taking the 'aquae Cutiliae'. [Horace Ep 1.10.49 with Porphyrion; Ovid Fasti 6.307-8; Pliny NH 3.109]

Assim sendo, Vacuna seria uma deusa de Rea-te, cidade supostamente fundada pela deusa Rea quando esta desceu do alto dos montes Reatinos que circundavam o lago Cutilia para se purificar nas águas frias deste depois do nascimento dos deuses olímpicos.

Hutena & Hutellura (também Hudena e Hudellura; ḫdn ḫdlr em textos alfabéticos ugaríticos) eram deusas do destino e parteiras divinas na mitologia hurrita. (…) Além de determinarem destinos, Hutena e Hutellura também eram deusas do nascimento e da obstetrícia. Como tal, eles provavelmente eram responsáveis por moldar o feto durante a gravidez.

Não poderemos saber se o lago Cutília deriva das deusas hurritas do Destino Hutena & Hutellura ou se estão apenas relacionadas com estas por meio da mitologia pelágica do mar Egeu que se perdeu com o fim da cultura minóica. Seja como for, fica a suspeita duma relação que será mais que fonética. Não deixa no entanto de ser estranho que os nomes destas deusas do destino e parto ressoem como deusas do «cutelo» e da «cutelaria», ou seja, da faca sagrada como era Taveret.

Hutena& Hutellura < Ku-tana / Ku-tellura > Ku-Tellus> Cutília.

De facto o lago Cutília era uma zona pantanosa onde a malária seria endémica o que veio a dar fama às águas do lago Cutilia, não tanto pela sua portabilidade uma vez que “as águas do «reatino» são consideradas entre as melhores da Itália”, mas pela fonte de águas quentes que brotaria da gruta da deusa Vacuna pela sua capacidade para curar a diarreia sobretudo frequente na malária das crianças.

In his book about theories on the origin of the Saturnalia, Macrobius narrates that the Pelasgians, one of the earliest people who inhabited Latium, had been expelled from their original territory and, having wandered through many places, at last arrived in great numbers at Dodona in Epirus. There they asked the local oracle where they could settle permanently. The oracle's responsum was that they should go to the Saturnian land of the Siculi and Aborigines, to Cutilia, where there was a floating island. They were to expel the locals, then sacrifice a tenth of whatever they had taken as booty (praeda) to Phoebus and to Hades. Human captives were explicitly included: they were instructed to "send the heads and phota ('lights,' also 'lives') to the father".

Having followed the instructions of the oracle, they arrived at Lake of Cutilia and occupied the island. This island was formed by overgrown plants and its growth had been favoured by the murkiness of this marsh, as [clarification needed] was said to have been of Delos.

After expelling the Siculi the Pelasgians occupied the lands. They offered as a sacrifice to Apollo the tenth part of the prey and built a shrine to Dis and an altar to Saturn, naming the feast Saturnalia after him. They continued for a long time to perform human sacrifices in order to offer heads to placate Dis and Saturn, until Hercules came to those lands and persuaded their descendents to replace the human heads with masks and to honour the altar of Saturn with lamps, since phota, "lights," may mean "lamps"as well as the "light" of men's lives.

Outro aspecto interessante pelo seu arcaísmo é a relação da cidade de Riate, com sacrifícios humanos a Dis Pater e a Saturno. Não deixa de ser estranho que na apocolocinose[3] de Séneca a Claudio, Vica Pota é a mãe do Diespiter ela seria então Rea, como Vacuna e Victoria também seriam, visto que com elas se relacionvam, quer pela função quer pela fonética.

Bene vero, quod Mens, Pietas, Virtus, Fides consecratur manu; quarum omnium Romae dedicata publice templa sunt, ut, illa qui habeant (habent autem omnes boni), deos ipsos in animis suis conlocatos putent. nam illud vitiosum, Athenis quod Cylonio scelere expiato Epimenide Crete suadente fecerunt Contumeliae fanum et Inpudentiae; virtutes enim, non vitia consecrare decet. araque vetusta in Palatio Febris et altera Esquiliis Malae Fortunae detestataque omnia eius modi repudianda sunt. quodsi fingenda nomina, Vicae Potae potius vicendi atque potiundi, Statae standi cognominaque Statoris et Invicti Iovis rerumque expetendarum nomina, Salutis, Honoris, Opis, Victoriae.

É bom também que o Intelecto, a Piedade, a Virtude e a Boa Fé sejam arbitrariamente deificados; e em Roma os templos foram dedicados pelo Estado a todas essas qualidades, com o propósito de que aqueles que as possuem (e todos os homens bons as possuem) acreditem que os próprios deuses estão estabelecidos dentro de suas próprias almas. Pois isso foi uma coisa ruim que foi feita em Atenas, a conselho de Epiménides 1, o cretense, quando, após o crime de Cylon ter sido expiado, eles estabeleceram um templo à Desgraça e à Insolência; 2 pois é apropriado divinizar as virtudes, mas não os vícios. O antigo altar da Febre no Palatino e o Esquilino da Má Fortuna, bem como todas as outras abominações desse tipo devem ser eliminadas. Mas se devemos inventar nomes para deuses, devemos antes escolher títulos como Vica Pota, derivado de vencendo (Vitória) e possuindo (Poder), e Estado, da ideia de permanecer firme, e epítetos como os do Fortalecedor e Invencível, que são dado a Júpiter; De igual modo, os nomes das coisas que devemos desejar, como Segurança, Honra, Riqueza e Vitória. -- Marcus Tullius Cícero, De Legibus, II, 11.

 

VICA POTA

No seu opúsculo Vica Pota no “The American Journal of Philology, 1903, Vol. 24, N.º 3, Charles Hoeing demonstra que Vica Pota era equivalente a Cibele.

Na verdade vica é o feminino de vicus que significaria a aldeia onde a deusa era adorada e que esta protegia como Dis-Pota como sua Potnia Teron, abelha-mestra, dona, patrona, senhora, disponsina ou potinija. Senso assim, a deusa Vitória seria sua filha ou no mínimo a vaca taurina do aldeamento onde pontificava Vica Pota.

Numa conjectura não amplamente aceita, Ludwig Preller pensou que Vica Pota poderia ser identificada com a divina figura etrusca Lasa Vecu. Se soubéssemos os argumentos dos que contrariam estas teses talvez nem os entendêssemos porque parece óbvio que se a identificação não for com esta deusa etrusca, pelo menos Victória terá que ser identificada com um nome comum seguramente de origem etrusca, como é o caso de Veturia.

40. Então as mulheres casadas se reuniram em grande número na casa de Veturia, mãe de Coriolano, e Volumnia, sua esposa. [2] Se isso foi política pública ou medo da mulher, não consigo descobrir; em todo caso, eles prevaleceram com eles que tanto Veturia, uma mulher idosa, quanto Volumnia deveriam levar os dois filhos pequenos de Marcio e ir com eles para o acampamento do inimigo; e que, como as espadas dos homens não podiam defender a Cidade, as mulheres deveriam defendê-la com suas orações e lágrimas. [3] Quando chegaram ao acampamento, e chegou a Coriolano a notícia de que uma grande companhia de mulheres estava à mão, a princípio, como se poderia esperar de alguém que nem a majestade da nação poderia mover, como representado em seus enviados, nem o horror da religião, conforme transmitido ao coração e aos olhos pelas pessoas de seus sacerdotes, ele mostrou ainda maior obstinação em resistir às lágrimas das mulheres.

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Figura 14: A Deusa Vica Pota também foi às vezes identificada com Victoria.

[4] Então um de seus amigos, levado pela conspícua tristeza de Veturia a distingui-la entre as outras mulheres, que estava entre a esposa de seu filho e seus bebés, disse: “A menos que meus olhos me enganem, sua mãe está aqui e seu esposa e filhos”. [5] Coriolano levantou-se como um louco de seu assento e, correndo ao encontro de sua mãe a teria abraçado, mas suas súplicas se transformaram em raiva, e ela disse: “Deixe-me saber, antes de aceitar seu abraço, se eu venho para um inimigo ou para um filho; se eu sou uma cativa ou uma mãe em seu acampamento. [6] É a isso que a longa vida e a velhice infeliz me trouxeram, que eu veja em você um exilado e depois um inimigo? Você poderia devastar este país, que lhe deu à luz e o criou? [7] Sua raiva não caiu de você, não importa o quão hostil e ameaçador fosse seu espírito quando você veio, quando você passou do limite? Não ocorreu a você, quando Roma estava diante de seus olhos: “Dentro daquelas paredes estão minha casa e meus deuses, minha mãe, minha esposa e meus filhos?” [8] Então, se eu não tivesse sido mãe, Roma não estaria agora sitiada! Se eu não tivesse filho, teria morrido uma mulher livre, em uma terra livre! [9] Mas agora não posso sofrer nada que possa ser mais vergonhoso para você ou mais miserável para mim; nem, por mais miserável que eu seja, serei assim por muito tempo: são estes que você deve considerar, para quem, se você continuar, morte prematura ou [p. 351] longa escravização está reservada.” Os abraços de sua esposa e filhos, após esse discurso, e as lágrimas de toda a companhia de mulheres, e suas lamentações por si mesmas e por seu país, finalmente romperam sua resolução. [10] Ele abraçou sua família e os enviou de volta, e retirou suas forças de diante da Cidade.

Tendo então levado seu exército para fora dos domínios de Roma, diz-se que ele pereceu sob o peso do ressentimento que esse acto causou, por uma morte que é descrita de várias maneiras. Encontro em Fábio, de longe a autoridade mais antiga, que Coriolano viveu até a velhice. [11] Pelo menos ele relata que este ditado estava frequentemente em seus lábios, que o exílio era uma coisa muito mais miserável quando se era velho. Não havia inveja da fama que as mulheres tinham conquistado, por parte dos homens de Roma — tão livre era a vida naqueles dias de menosprezar a glória alheia — e para preservar sua memória o templo de Fortuna Muliebris foi construído e dedicado.12 Mais tarde, os Volsci invadiram novamente o solo romano, em conjunto com os Aequi, mas estes não suportariam mais Attius Tullius como seu general. [13] Em seguida, a disputa sobre se os Volscios ou os Aequios deveriam fornecer um comandante para o exército aliado levou a uma briga, e esta a uma batalha sangrenta. Ali a boa sorte do povo romano destruiu dois exércitos hostis em uma só luta, que não foi menos ruinosa da que foi travada obstinadamente. [T. Livio 2.40].

Se é um facto que as La®sas etruscas (de que parece ter derivado o nome latino dos Lares) eram um nome genérico equivalente das ninfas e outras deidades secundárias da mitologia grega no caso de La®sa Vecu assim seria também ficando apenas por identificar o nome Vecu, Vecuvia, latinizada como Begoi e representada como aia de companhia de Minerva ou pelo menos como profetiza e autora dos Libri Vegoici divinatórios.

Vecu + Ki-(k)a< Vecu-via > Veguvia > Lat. Vegoia.

Vecu + Ana > Vacuna.

Vecu > Vica + Pota = Vica Pota.

Vecu             + Tura > Vecturia >Veturia.

Vi(n)cu > Vica +Tura > Victauria > Vitória.

Nada sabendo de substancial da língua etrusca ficamos com o nome titular Vecu que seria de Rea mas sem o entender no contexto da língua que o criou e sem correspondência segura latina ou grega. Sabemos que vicus era o nome das aldeias latinas. Seria esta a semântica do estrusco vecu? Seria afinal Vecu um nome equivalente de Vesta, deusa dos fogos e lares das aldeias?

«Vigo» < Vicus< Proto-Indo-European *weyḱ- (“village”) > Etrusc. Vecu

> ϝοῖκος (woîkos) > οἶκος (oîkos).

Vacō, vacāre, vacāvī, vacātum = esvasiar< Proto-indo-europeu ??? * hweh- ("faltar; esvaziar"). A forma in vo- possivelmente de vocīvus, deslocada em sílaba pretônica.

Văgus, a, um, adj. root vagh-; Sanscr. vāhas; Gr. ὄχος, wagon; cf. veho, passeando, divagando, deambulando, perambulando, vagando, não fixo, instável, vagabundo (freq. e classe.; syn. errabundus).

A Etimologia de vagus é incerto. De Vaan sugere do proto-itálico *wagos, do proto-indo-europeu *Hwogos, e compara essa forma com o nórdico antigo vakka (“vacilar”), o alto alemão antigo wankon (“vacilar”), winkan (“vacilar”), cambalear”), inglês antigo wincian (“to acenar”). Compare com o grego antigo ὄχος (ókhos), o inglês antigo waġian, o inglês wag e o inglês vag (o verbo).

Como é que Vacuna, enquanto vaca sagrada, passa a significar o esvaziamento é difícil de entender hoje quando nem os romanos já o entendiam.

Então, é bem possível que Vacuna fosse uma deusa da Vitória das aldeias sobre a solidão da natureza que sem ela ficariam vazias e dai a sua relação com a vacuidade e com a ausência implícita no temo papal, sede vacante. Ou então, quase de certeza que é o verbo latino vaco que carece de explicação enquanto conceito relativo a esvasiamento quando, na verdade, seria simples de entender «vacar» como sendo um termo da gíria pastoril referente ao acto de retirar as vacas do estábolo para os pastos...ou de lhe esvasiar os hubres com a ordenha. Por isso ainda  hoje se diz a alguém que nos está a aborrecer: Vai pastar, vai bugiar, vai devagar e pela sobra, etc.

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Figura 15: Villa Private Palermo Piazza Armerina. ROMAN VILLA from the 3rd Century.

De facto, ainda no latim o termo de derivação mais próxima é vagus. Nas línguas ibéricas deriva-se «vacar» do latino vaca e «vagar» do latino vago mas ambos os termos acabam por ter signidicados iguais o que reforça a ideia de que é o termo vago que nos esclarece a etimologia deste termo não tanto pela etimologia indoeuropeia que De Vaan lhe “sugere do proto-itálico *wagos” mas precisamente pela que o francês lhe dá: «Vago ou Vardo: Voiture. En rapport avec la notion de wagon de chemin de fer.» Le mot vient du langage utilisé par les Manouches. E imediatamente nos lembramos dos judeus errantes e dos vagões de ciganos «vagabundos». Assim sendo vagabundos eram ao vagões puxados a vacas e «vacar» ou «vaguear» era sair dum lugar, que ficava vazio e vago, num vagão tirado a vacas e ir para outro vagueando.

Ou seja, mais uma enesima vez se conprova que eram os deses que davam nome às coisas banais e não o inverso e que é sempre temerário e em vão que se procura a etimologia dos eónimos a partir de termos comuns mesmo quando genéricos.

«Vaca» < Lat. Vac(i)ca < ??? Proto-Italic *wokā,

<Proto-Indo-European *woḱéh??? < va-kika < *Vaki-Ana > Vacuna.

Esp. vacuna < vaca + una = «vacina» < lat. vaccinus (“de vaca”)[4].

Quase que seguramente Vacuna seria uma vaca taurina como Juno Sopita e como várias vacas sagradas egípcias eram particularmente Hator e possivelmente a Turan etrusca. Ora, este papel não ficaria mal a Vénus e muito menos a Vénus Cloaquina, se considerada derivada de Vacuna. A relação de Vacuna com as cloacas começa a ficar clara pela sua relação com a água que abastecia Roma vinda do lago sagrado Cutília de Reti onde esta deusa era adorada.

Plínio, o Velho, relata que os romanos e os sabinos, quando se reconciliaram depois que as sabinas foram sequestradas, purificaram-se com ramos de murta no local onde estavam as estátuas de Vénus Cloaquina no tempo em que Plínio estava escrevendo. Ele acrescenta que a murta de Vénus foi escolhida porque Vénus presidia às uniões conjugais.

O termo originado na medicina da Grécia antiga mais próximo da purgação é, nem mais nem menos, o Clis-ter que apenas participa da primeira parte do nome de Cloa-quina. De qualquer modo o culto de Vacuna no lago Cutília para cura das diarreias explica o uso de clisteres desta água bem como a relação deste culto com os conceitos de evacuação de fezes e purificação de pessoas e comunidades. Então o termo Cutília, a deusa das facas dos partos e dos cutelos de cozinha, aparentada com o dueto hurrita Hutena & Hutellura antes referido,começa a fazer sentido como deturpação de *Cloa.

Cutília < Clutila < Clotilda <= *Cloa.

Ainda que Cloaquina tenha a ver com cloacas anatómicas de indefinidas passagens sexuais e, ainda com outros locais de porcaria e imundície já conotada com doenças venéreas nos tempos clássicos por evidência empírica (o que levou a teoria hipocrática dos miasmas e levaria lentamente ao puritanismo anti sexual judaico cristão) a verdade é que este nome tem, sobretudo, conotações fonéticas com a deusa grega Clóris, pelo menos no étimo*Clo-, a deusa do verde cloro e dos cloretos com que se fazem as desinfecções das modernas cloacas sanitárias, facto que não passaria de mera coincidência se a mitologia não fora tudo um mundo de sublimes transcendências onde todo o ideal é possível, quase tudo é como parece e o inefável tem nomes divinos - J !!!.

*An-Kur-Kaki ó *Kur-Kaki-Ana Þ

                               > Kaura-kina > *Korakina.

                              > Kraurakina > Clau-Aquina > Cloaquina.

                                                                                  > Clara.

                                  Clu®a-Kina + Ki => Claura-Kiki-An > (An) Clóris.

                                                        >Cluauthina > Cliodhina > Cliodhna.

                                                                              > Cl(i)oth(i)a(n) > Clota.

De *An-Kur-Kaki poderiam derivar *Kaphur-Naka, deusa das cafurnas dos infernos e *Kaphur-Tina, a divina cobra de água de Tanit,deusas virtuais aparentáveis com Cloaquina, Sr.ª das sagradas cloacas J !!!

 

Ver: TANIT (***)

 

Cliodhna = The Irish goddess of beauty. She later became a fairy queen in the area of Carraig Cliodhna in County Cork.

Clota = The Celtic goddess of the river Clyde.

O étimo divino *Clo- / Clio- de deidades férteis e primaveris aparece ainda na mitologia celta no nome das deusas Cliodina, relacionado com a deusa Clio grega referida em Paltão como esposa de Poseidon, Clo- relacionada com Clotilde e Clovis…e com o nome a moira grega Cloto.

 

Ver: CORES (***)

 

MEAN ou Meian

Mean é uma deusa etrusca do destino e da fama. Ela é associada dos Lasas , embora não necessariamente um deles, embora como eles, ela seja retratada com asas. Em um espelho lindamente gravado, Mean é mostrado em uma cena da lenda da Guerra de Tróia, com Elkhsntre (Alexandros ou Paris), Elenai (Helen) que ocupa o lugar central no espelho, o marido de Elenai, Menele (Menelaos), e ela cunhado, rei Akhmemnun (Agamenon). Elenai está ricamente vestida e sentada em um trono, com o marido ao lado; do outro lado está Elkhsntre, que está quase todo nu e apoiado em uma lança. Do outro lado dele está Mean, que levanta os braços para coroá-lo com uma coroa de flores. Ela está tão nua quanto se pode ficar, exceto por um par de brincos e alguns lindos chinelos decorados em forma de tênis, e ela é muito bem desenhada, bem proporcionada e adorável. Ela, como Lasa Thimrae na extrema direita do mesmo registro, tem grandes asas brotando de suas costas dando-lhe uma aparência angelical. A Seus pés está um pequeno animal com cascos, talvez uma pequena corça ou cervo, ou talvez uma espécie de ovelha magra, já que Elkhsntre/Paris era um pastor. A criatura parece estar com Mean, pois está um pouco atrás dela e se vira para olhar em sua direção.

É difícil dizer exatamente qual é a interpretação etrusca desta lenda grega, mas parece que estão envolvidos temas de destino e amor. Elenai/Helen, a mulher mais bonita do mundo, está sentada entre seu marido e seu futuro amante, e talvez a coroa de Mean seja para mostrar que Elkhsntre receberá o amor de Elenai. Na lenda, Páris foi forçada a julgar quem era a mais bela entre três grandes deusas – Hera, Atenas e Afrodite. Cada um tentou influenciá-lo oferecendo suborno pelo seu voto: Hera prometeu-lhe o governo de toda a Ásia; Atena ofereceu-lhe vitória e sabedoria; e Afrodite prometeu a mulher mais bonita do mundo. Ele escolheu Afrodite. É claro que a mulher mais bonita do mundo já era casada, daí a resultante Guerra de Tróia. O registro superior da cena neste espelho tem Turan , a Deusa do Amor, Hercle (Hérakles), que segura um Erote ou pequeno querubim alado, e o casal marido e mulher de Tinia (Zeus) e Thalna . A presença de um casal, de um Erote e da Deusa do Amor reforça a ideia de que o amor é um tema central: talvez Mean na cena inferior esteja agindo como mensageiro ou procurador de Turan.

Mean também é representado em outro espelho no ato de coroar Hercle quando ele retorna do submundo com o cão de três cabeças Kerberos. Isto indica a conclusão bem-sucedida de Seus Trabalhos, já que a busca por Kerberos foi a décima segunda e última. Eles são acompanhados por Leinth , uma deusa da morte. As asas de Mean e as coroas que ela distribui levaram-na a ser equiparada a Nike (a deusa grega da vitória e associada a Atenas ), e o ato de coroar pode representar conceder fama, bem como sucesso ou vitória. Seu nome em etrusco significa "Magnificência", "Grandeza" ou "Glória", e ela também foi identificada com a Vitória romana , a vitória personificada.

Assim como Alpan, Mean parece ter sobrevivido no folclore toscano como uma fada ou espírito benevolente chamado Meana, considerado um duende amoroso que concede favores a amantes e noivas.

(Filo)Mena < Mean-phi-lu < Meana < Mean, Mean-pe ou Meian < Me-Ana = A senhora das leis do destino e da fama. Em boa verdade, de entre todos os nomes da tradição helenista já referidos apenas Diana / Atena parecem ser aparentadas com a deusa do destino dos etruscos, a deusa Meana.

 

PAX

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Figura 16: PAX Angusta, Imperator Caesari Divi Filius Consul Sextus Libertatis Populus Romanus Vindex. Supreme commander (Imperator). Pax em pé em ângulo para a esquerda, segurando caduceu na mão direita, cista mystica com cobra na direita, tudo dentro de uma coroa de flores.

Pax era uma divindade relativamente não reconhecida durante o início da república, pois tinha pouco a ver com a filosofia romana. No entanto, durante este tempo, as cidades-estados gregas adoravam o equivalente de Pax - Eirene, desde o início da Idade do Bronze, onde a adoração dela atingiu o pico durante a ascensão do império ateniense e a guerra do Peloponeso.

Como Weinstock explicou, a ideia romana e a palavra para paz (pax) derivada de 'pacisci' era vista mais como um pacto que concluiu uma guerra e levou a uma rendição ou aliança com outra facção, em vez da noção atual de paz como a falta de guerra. A paz era vista como a submissão à superioridade romana, era o resultado da guerra e não a sua ausência. A conquista levou à pacificação.

Pax / pacis < Foneticamente paks < proto-itálico *pāks ó Umbr. Pacer!!!

A derivação PIE *péhḱ-s (“paz”) da raiz virtual *pehḱ- (“anexar”) parece feita à medida da paz pelas armas e não corresponde a nada das línguas indo-europeias conhecidas mesmo que virtualmente propostas a martelo como seria o caso do Proto-germânico: *fagraz (“justo”) ó Proto-germânico: *faganaz (“feliz”). Do mesmo modo faz pouco sentido Weinstock fazer derivar pax < pacisci = presente infinitivo ativo de pacīscor porque o que deriva naturalmente neste verbo é o pacto a que a paz, mesmo alcançada à força da subjugação armada, não se resume nem confina.

De resto, o verbo pacīscor é um verbo depoentes que têm um significado restrito à voz ativa, mas sua conjugação é típica da voz passiva, ou seja um verbo criado dentro da língua latina para expressar o conceito militarista da Pax Romana.

Pacīscor, pacīscī, pactus, depoente = fazer um pacto, contrato ou acordo, com.

< pac(ō) (“chegar a um acordo”) + | -(i)scō (“sufixo incoativo”) < Lat. esca < proto-itálico *eska <*ish-ka > «isca».

Supostamente este verbo relacionaria a pāx (“paz”) com pactum (“acordo”) o que para não ser uma mera especulação irá fazer derivar a paz de pacisci o que nenhuma outra etimologia confirma. De resto,

Pācō, pācāre, pācāvī, pācātum = pacificar, aquietar, acalmar; subjugar. Sinônimos: ī̆cō, percutiō, pangō, feriō = negociar, arriscar, apostar.

Icio > ī̆cō, ī̆cere, īcī, ictum = atacar, bater, golpear.

> foedus icio - faço um tratado <

< mesma raiz do grego antigo αἰχμή (aikhmḗ, “ponta de lança”) e ἴξ (íx, “larva da videira” ó ἴψ (íps, “caruncho”) < pré-grego *ish-ka.

Grego antigo αἰχμή (aikhmḗ, “ponta de lança”) < proto-helênico *aiksmā, < *aiksmans < grego micênico ai-ka-sa-ma< proto-indo-europeu *heyḱ-sm-o/eh- >antigo prussiano aysmis e o lituano iēšmas, jiēšmas (“cuspir, brocar”); em última análise, de *heyḱ- (“picar; ponta afiada, farpa”), a mesma raiz possivelmente do latim īcō (“Eu apunhalo, pico”), proto-germânico *aiglaz, *aiginþs (“atirar, farpa”).

Pois bem a paz pode derivar de muitas maneiras e ser alcançada de muitos modos mas é que ela derive do que parece ter sido nos finais do neolítico: uma vida comunitária «prazenteira» e «plácida» sem ansiedade nem demasiadas preocupações com os vizinhos em meio bucólico e pastoril. Por isso a etimologia mais concordante com a realidade seria esta:

«Pax» < Lat. Pa-x/cis < proto-itálico *p(l)ā-ks, < ??? < *plac-is < plac-itus.

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Figura 17: TI CLAVD CAESAR AVG P M TR P X IMP P P: Head of Claudius, laureate, right, PACI AVGVSTAE: Pax / Nemesis advancing right, holding drapery with right hand, left hand pointing caduceus at snake.

Na verdade, os romanos tiveram a deusa Viri-placa que promovia a paz matrimonial porque «aplacava» a ira do cio e dos ciúmes dos homens”

Viri-placa era “a deusa que «aplacava» a ira e o cio do homem” e foi dada a Juno como sobrenome, designando-a como a portadora da harmonia entre os casais.

Pācō, pācāre, pācāvī, pācātum. = pacificar, apaziguar, aquietar, acalmar; subjugar. < proto-itálico *pakō < *plakō < Plācō, plācāre, plācāvī, plācātum = a-paz-iguar, aplacar, pac-ificar, amenizar, tranquilizar, acalmar, aquietar. Etim: “tradicionalmente incerta” mas seguramente relacionado com placeō, placere, placuī / placitus sum, placitum; (ser plácido, agradável, ser simpático; ser bem-vindo ou aceitável; satisfazer, adequar, dar prazer, etc.)> «prazer»

ó «pascer», «apascentar», dar «pasto» >«pastar» > «pastor» > «pastorear» =

«Pascer» < Lat. pasco, pāscere, pāvī, pāstum = dar de comer, pastorear, etc.

< Lat. pāscor, pāscī, pāstus sum; depoente = ir pastando.

«Páscoa» < latim vulgar pascua, do latim pascha

ó influenciado por pascuum

> pascua ("pastoreio")

Pascua, Æ, pro Pascuum. Glossæ Græc. Lat.: Νομή, ἡ βοσϰή, pastus, pastio, pascua. Charta Ludovici VI. Reg. Franc. ann. 1154. apud Lobinell. tom. 3. Hist. Paris. pag. 34 : Terra est, quam mariscos vocant, in usum communis Pascuæ constituta.

< do grego antigo πάσχα (páskha) < hebraico pésakh ó Acádico passahu, ("acalmar, suavisar") > «pacho» = pano embebido em líquido ou untado de unguento que se aplica sobre uma parte do corpo, a fim de aliviar e combater uma dor ou inflamação; emplastro. < Fr. Parcho?

< proto-itálico *pāskō,< ??? < *Ophi-aska < *KaKi-ash-Ka

                                                                       >Lusitan. Ofiussa.

O Lat. pasco tem o activo perfeito homófono com paveo o que nos «apavora» (!!!) e faz levantar a suspeita de ter sido *pasci, como em pāscor, pāscī, pāstus sum, dando-se assim dar razão à derivação lusa «pasci» que por sinal também significa dar prazer...e ser virtualmente a verdadeira etimologia da divina Paz, a herdeira duma arcaica deusa *KaKi-ash-Ka que, na variante Viriplaca, aplacava o cio dos maridos e que enquanto *Ophi-aska apascentava e aplacava o veneno das cobras e com o caduceu de Istar que conferia aos mensageiros da palavra de deus, como eram as deusas da Vitória, todas as imunidades contratuais.

Evidentemente que o nome virtual *KaKi-ash-Ka duma deusa mãe numa arcaica proto-linguagem não passa disto mesmo: um virtualidade bem engendrada, desde logo porque se trata duma transliteração para a fonética latina depois porque nem todas as virtualidades se concretizam, pelo menos de forma tão clara como o que pode ser idealizado e por fim porque a realidade supera a ficção.

 

 



[1] evocatio, o convite ritual dos deuses dos inimigos, normalmente com promessas de melhor tratamento.

[2] Notar que a maioria dos autores considera que a moeda represente a Europa raptada por Zeus na forma de um touro.

[3] Apocolocyntosis divi Claudii ("A Apocolocintose do divino Cláudio") é uma obra em latim do filósofo estoico Sêneca (4 a.C.-65 d.C.). Literalmente “A Transformação de Cláudio em Abóbora”, é uma sátira sobre o imperador romano Cláudio.

[4] O vírus da varíola de vaca (mais atenuada que a humana) foi historicamente coletado nas pústulas dos úberes das vacas e depois inoculado em humanos para protegê-los da varíola humana.

domingo, 8 de outubro de 2023

DOES THE OLD TESTAMENT REFER TO SACRED PROSTITUTION AND DID IT ACTUALLY EXIST IN ANCIENT ISRAEL? John Day

O ANTIGO TESTAMENTO REFERE A PROSTITUIÇÃO SAGRADA

E EXISTIU ESTA REALMENTE NO ANTIGO ISRAEL?

DOES THE OLD TESTAMENT REFER TO SACRED PROSTITUTION AND DID IT ACTUALLY EXIST IN ANCIENT ISRAEL?

John Day

Traduzido por A. Felisberto do original Inglês com a ajuda do tradutor do Google.

Houve um tempo em que os estudiosos estavam demasiado interessados em ver a prostituição sagrada “debaixo de cada arbusto” (cf. Brooks 1941:228). Estes excessos foram rapidamente superados, mas tem sido geralmente sustentado, até muito recentemente, que ainda existem amplas evidências da existência de prostituição sagrada no antigo Israel e no seu ambiente (Kornfeld 1972; Yamauchi 1973; Fauth 1988). Nos últimos anos, no entanto, vários estudiosos duvidaram da sua existência no antigo Israel, Canaã e no Oriente Próximo. Duas linhas diferentes de pensamento foram seguidas neste contexto. Alguns, como E. J. Fisher, H. Barstad, MI. Gruber e C. Frevel negam que o Antigo Testamento sequer afirme referir-se a ele (Fisher 1976; Barstad 1984: 26-34; Gruber 1986; Frevel 1995:629-737). Outros, no entanto, como R.A. Oden, admita que o Antigo Testamento alude à prostituição sagrada, mas sustenta que as referências são altamente polêmicas e não devem ser consideradas evidências factuais (Oden 1987: 131-53), ou, na visão de P.A. Bird, pelo menos no que diz respeito às alusões à prostituição de culto masculino (1997).K. van der Toom, no entanto, aceita que há provas de actos de prostituição ocorridos dentro do culto israelita, mas pensa que não tinha significado religioso, mas foram simplesmente realizados para angariar fundos para o santuário (van der Toom 1989; 1992). Por outro lado, M. T. Wacker (1992), que também acredita que tais atos ocorreram, vê-os como tendo significado religioso, promovendo a boa sorte, mas não como atos de magia imitativa dentro de um culto de fertilidade. O assunto está, portanto, maduro para ser reexaminado. Ao realizar esta reavaliação e ao defender a opinião de que existe pelo menos alguma evidência de prostituição “sagrada” ou “de culto”, devo deixar claro que estou a utilizar estes termos num sentido lato para me referir a actos de prostituição praticados por um propósito religioso, não estou pressupondo pelo uso desses termos que essas ações foram entendidas como atos de magia imitativa: como será visto abaixo, rejeito especificamente esse entendimento frazeriano.

A tentativa de mostrar que o próprio Antigo Testamento nem sequer pretende referir-se à prostituição sagrada é certamente pouco convincente, pois em todas as três passagens em que a palavra qedesa (literalmente 'mulher santa') ocorre, ela é encontrada em paralelo com a palavra zônah ('prostituta') ou é usado no mesmo contexto, como para sugerir identidade. Primeiro, há a história de Judá e Tamar em Gênesis 38.12-30. No v.15 lemos que Judá pensava que Tamar era uma 'prostituta' (zônah), mas no vv. 21-22 quando seu amigo, Hira, o adulamita, a procura, ele pergunta aos homens do lugar:

'Onde está a qedesa que estava em Enaim à beira do caminho?' E eles disseram: 'Nenhuma qedesa esteve aqui'. Então ele voltou para Judá e disse: 'Não a encontrei; e também os homens do local disseram: "Nenhum qedesa esteve aqui'"[1].

21 e perguntou aos homens do lugar: "Onde está a prostituta cultual que costuma ficar à beira do caminho de Enaim?" Eles responderam: "Aqui não há nenhuma prostituta cultual".

22 Assim ele voltou a Judá e disse: "Não a encontrei. Além disso, os homens do lugar disseram que lá não há nenhuma prostituta de culto".

Isto só faria sentido se qedesa tivesse o mesmo significado que zônah, pois caso contrário os homens não teriam compreendido a natureza da mulher que Judá procurava! Possivelmente Hirah usou o termo qedesa como uma expressão mais elevada ou porque estava perguntando aos canaaneus, mas seja qual for o motivo, não faz sentido, a menos que Tamar seja considerada uma “prostituta de culto”. As tentativas de evitar esta conclusão não são convincentes. Barstad, de fato, admite que não consegue explicar por que Tamar é aqui chamada de qedesa (Barstad 1984: 31). Frevel (1995: 679-80) especula que Judá pode tê-la identificado como uma qedesa com base no seu véu, mas ele entende que esta é uma posição de culto que não tem nada a ver com prostituição. No entanto, Gênesis 38.15 sugere que o véu o levou a acreditar que ela era uma prostituta, se era anormal que as prostitutas usassem véu, é estranho que Judá acreditasse que ela era uma - e podemos comparar 4Ql84, linha 12, onde a sedutora está igualmente velada. Gruber (1986), no entanto, aceita que qedesa significa 'prostituta', mas nega que alguma vez signifique 'prostituta sagrada'. Este é um ponto de vista muito curioso à luz da etimologia e do contexto cultual explícito dos outros exemplos de qedesa e qades (veja abaixo), sendo que o último termo que Gruber acreditando inconsistentemente que significa 'cantora de culto'. Claramente, portanto, qedesa significa 'prostituta sagrada', embora, é claro, Tamar não fosse realmente uma, mas sim fingisse ser uma (1).

(1) É certo que não há menção a um santuário na narrativa, embora deva ser notado que também não é mencionado nenhum outro edifício onde ocorreu a relação sexual. Onde quer que a relação sexual tenha ocorrido, é inexplicável que Hirah perguntasse sobre o paradeiro de um qedesa, a menos que Tamar fosse percebida com base em sua aparência como uma prostituta de culto. Astour (1966) tentou reconstruir um estágio anterior da tradição mentirosa atrás do Gen. 38, em que Tamar não apenas fingiu ser uma qedesa, mas na verdade era uma. Contudo, a reconstrução de Astour é altamente especulativa e muitos argumentos convincentes contra ela foram levantados por Emerton (1975: 357-60)[2].

A conclusão de que qedesa significa “prostituta sagrada” é reforçada por outras passagens. Em Os. 4.14, parte de uma passagem que condena a apostasia religiosa do povo, o profeta declara, 'pois os próprios homens se separam com as meretrizes (zonôt) e sacrificam com qedesôt'[3].

Aqui, novamente, o paralelismo sugere que qedesôt também significa “prostitutas”, cuja natureza sagrada é novamente implícita não apenas pelo significado da raiz, mas também pelo contexto, que se refere claramente à adoração dos lugares altos (v. 13). Aqueles que tentaram contornar esta conclusão óbvia tendem a argumentar que em Os. 4.14 qedesôt é usado para funcionários de culto reprovados que nada têm a ver com prostituição literal, enquanto zonôt é empregado para prostitutas metafóricas em vez de reais, isto é, apóstatas (Fisher 1976: 235; Barstad 1984: 31; Frevel 1995: 667-71). Isto, no entanto, parece forçado aqui, uma vez que a evidência de Gênesis 38, mencionada acima, bem como de Deut. 23.18-19 (ET 17-18) a ser discutido abaixo, é que as qedesot eram prostitutas na verdade. Este deveria, portanto, ser o caso aqui também com a palavra paralela zônot. Além disso, as palavras anteriores em Os. 4.14a descreve claramente a prostituição literal: 'Não punirei suas filhas quando elas se prostituírem, nem suas noivas quando cometerem adultério', de modo que as palavras que se seguem aqui - 'pois os próprios homens se separam com as prostitutas e sacrificam com qedesot - deve logicamente fazê-lo da mesma forma. Gruber (1986), no entanto, embora aceite que qedesot significa 'prostitutas', nega que signifique especificamente 'prostitutas sagradas'. Esta visão constitui uma curiosidade, tendo em vista o claro contexto cultual da alusão acima mencionada, bem como a etimologia.

A terceira passagem onde qedesa e zônah aparecem juntas está em Deut. 23.18-19 (ET 17-18), onde também encontramos a forma masculina qades, aparentemente equivalente a keleb ('cachorro'): 'Não haverá qedesa das filhas de Israel, nem haverá qadese dos filhos de Israel. Não trarás à casa do Senhor teu Deus o salário de uma prostituta, nem o salário de um cão, em pagamento de qualquer voto; pois ambos são abomináveis ao Senhor teu Deus'. Naturalmente, esses dois versículos pertencem um ao outro, e qadesa é equivalente a zônah ('prostituta', como em Gên. 38.15, 21-22 e Os. 4.14) e qades é correspondentemente equivalente a keleb ('cachorro') (2 ).

2) Goodfriend (1995) aceita que qadesa e zônah são paralelos e denotam uma prostituta, mas sustenta que qades é um sacerdote não-javístico e keleb um verdadeiro canino. Isto, no entanto, é forçado, uma vez que se qadesa denota uma prostituta, então qades é naturalmente um prostituto masculino, e se qadesci e zônci são termos paralelos para a mesma entidade, então qades e keleb também o são.

O termo 'cachorro' não precisa ser depreciativo por si só,(3) mais do que qades, e de fato klbm ('cães') aparece como o nome do pessoal do culto que recebe pagamentos no templo de Astarte em Kition (KAI 37 Bl0) .(4) As tentativas de negar que qedesa e qades se referem a prostitutas sagradas tendem a argumentar que os vv. 18 e 19 (ET 17 e 18) não têm nenhuma relação (Fisher 1976: 232-34; Barstad I 984: 27; Frevel I 995: 643-67), mas isso é forçado, por duas razões: Primeiro, como foi visto acima, há duas outras passagens que indicam que qadesa e zônah são sinónimos, o que, portanto, nos leva de perto a conectar o vv. 18 e 19 (ET 17 e 18). Em segundo lugar, supor que estes dois versículos não estivessem completamente relacionados faria com que estes versículos se destacassem como sem paralelo no capítulo, onde os temas individuais nas leis são sempre mais longos e persistem por um mínimo de dois versículos. Mais uma vez, Gruber (1986) curiosamente considera qedesa como significando 'prostituta', mas não 'prostituta sagrada', indo assim contra não apenas a etimologia, mas também o contexto claro do versículo seguinte (v. 19, ET 18) e Os. 4.14, e pensa que qades significa 'cantor de culto'. Isto é extremamente forçado, entretanto, uma vez que qades e qedesa deveriam denotar as versões masculina e feminina da mesma ocupação.

Temos, portanto, três passagens independentes nas quais qedesa ('santo') aparece como um termo paralelo com zônah ('prostituta') e a única explicação natural é que qedesa era uma prostituta de culto. No mínimo indica um hierodula, um dos quais envolvia a prostituição. Como foi visto acima, aqueles que procuram fugir a esta conclusão têm de se envolver em estratégias exegéticas estranhas em cada caso, a fim de evitar a suposição natural de que qedesa e zônah são termos amplamente equivalentes. Se então qedesa significa 'prostituta de culto feminina', qades deve significar 'prostituto de culto masculino'.

(3) Thomas (1960) observa que no antigo Oriente Próximo o cachorro poderia ser sinônimo de servo fiel. Ele observa, por exemplo, o nome pessoal fenício klb'Im ('cão dos deuses'), correspondente a 'bd'lm ('servo dos deuses'), e nomes pessoais teofóricos acádios, como Kalbi-Sin e Kalbi-Marduk ( Tomás 1960: 425).

(4) Embora não possa ser provado, muitas vezes tem sido presumido com base em Deut. 23.19 (ET 18) que eram prostitutos de culto masculino, e isso seria coerente com o fato de que o culto da cipriota Astarte ou Afrodite era frequentemente associado em fontes clássicas à prostituição de culto. Stager (1991: 35), no entanto, pensa que a inscrição de Kition se refere literalmente a cães, mas o facto de receberem pagamento juntamente com outros funcionários humanos no templo torna isso antinatural. (Stager tem que presumir que foram os cuidadores dos cães que foram pagos.)

Como já observei, além de ser encontrado em Deut. 23,18 (ET 17), este termo ocorre em 1 Rs 14,24, 15,12, 22,47 (ET 46) e 2 Rs 23,7. O contexto cultual destas passagens, que associam os qades a fenómenos como lugares altos, o templo pré-josiânico de Jerusalém e o culto de Asherah, confirma plenamente a função sagrada sugerida pela etimologia. Compare a associação do qedesot feminino da mesma forma com os lugares altos em Hos. 4.14 (cf. v. 13). A compreensão de Gruber de qades nestas passagens como 'cantora de culto' não parece apropriada, como já observei acima, uma vez que denota naturalmente o equivalente masculino da qedesa, que, como se viu, deve referir-se a uma prostituta sagrada feminina. A compreensão de Gruber é particularmente forçada em Deut. 23.18 (ET 17), onde qedesa e qades são mencionados lado a lado.

Aqueles que tentam desconectar a função dos qades e qedesa da prostituição tendem a vê-los simplesmente como oficiais subordinados do culto, condenados pelos escritores bíblicos como apóstatas devido à sua formação religiosa canaanéia. No entanto, se isso é tudo, questiona-se por que o qedesot e o qedesim são especificamente escolhidos para condenação e não os canaaneus ou os oficiais religiosos canaaneus em geral. Nenhuma explicação satisfatória para isso foi dada. Se, no entanto, estavam associadas à prostituição, como sugere a evidência bíblica, então temos uma explicação pronta para a razão pela qual foram condenadas. O fato de serem prostitutas também pode reivindicar um apoio considerável nas versões antigas. (5) É também digno de nota que a raiz qds continuou a viver nos escritos rabínicos aramaicos com referência à prostituição (Jastrow 1903, II: 1321), portanto não era simplesmente um termo obscuro do passado bíblico.

(5) A falta de espaço proíbe expor aqui todas as evidências em detalhes, mas pode-se notar que as versões antigas (LXX, Vulgata, Targum, Peshitta) freqüentemente empregam palavras para prostituta ou similares para denotar qedesa e qades, embora existem algumas exceções. Nosso honorável, Kevin Cathcart, teve a oportunidade de traduzir uma das passagens targumicas, Hos. 4.14 (Cathcart e Gordon 1989: 38).

A discussão acima demonstrou que o Antigo Testamento realmente fala de prostituição sagrada em conexão com a adoração de Israel, tanto nos altos como no templo de Jerusalém. É, portanto, natural supor que quando encontramos uma linguagem sexual particularmente vívida usada em outras partes do Antigo Testamento em conexão com a adoração dos lugares altos, esta não precisa ser apenas uma metáfora para apostasia, mas poderia ter referência a atos de prostituição sagrada, como foi o caso em Os. 4.14. No mínimo poderíamos ter um duplo sentido. Por exemplo, em Is: 57.7-8, na sua condenação dos altos, o profeta declara:

Sobre uma montanha alta e elevada você colocou sua cama e lá subiu para oferecer sacrifícios. Atrás da porta e do batente você colocou seu símbolo; pois, abandonando-me, descobriste a tua cama, subiste-a e alargaste-a; e você fez um pacto com eles, amou a cama deles, viu a sua nudez (literalmente, 'um pênis') [4].

Curiosamente, a linguagem sexual ocorre juntamente com uma referência ao sacrifício, como em Os. 4.14. Tal como Oséias, o profeta Jeremias fala da apostasia de Israel em termos de prostituição, e embora muito disto pudesse ser metafórico, se a prostituição sagrada fosse uma característica dos lugares altos, como Oséias. 4.14 sugere, é discutível que seja mais do que isso. Uma dessas passagens é Jer. 3:2, onde, num ataque ao culto considerado sincrético, o profeta declara: 'Levanta os olhos para os trilhos, (6) e vê! Onde você não foi violado? À beira do caminho você ficou sentado esperando amantes como um árabe no deserto...'[5]

A combinação de imagens de prostituição e de dizer ao povo para levantar os olhos torna natural supor que Jer. 3.2 alude à adoração dos altos nas montanhas, como em Jer. 2.20. Outra passagem interessante que tem sido bastante esquecida é Jer. 5:7-8 aonde lemos: 'Como posso te perdoar? Seus filhos me abandonaram e juraram por aqueles que não são deuses. Quando os alimentei, eles cometeram adultério e se feriram (7) na casa de uma prostituta. Eram garanhões vigorosos e bem alimentados, cada um relinchando pela esposa do vizinho'[6].

(6) O significado de shepayim aqui e em outros lugares do Antigo Testamento tem sido muito discutido, mas a tradução 'trilhos' tem muitos a elogiá-lo. Ver Joiion 1906; Gelston 1971: 518-21.

(7) O hebraico yitgodadu tem sido frequentemente traduzido como 'e tropado [para]', supostamente um verbo denominativo de gedud ('tropa'), mas isso não é encontrado em nenhum outro lugar do Antigo Testamento, e se existisse, deveríamos esperar que existisse. significa 'ser ou agir como uma tropa' e ser seguido pela preposição 'el'. Por outro lado, o verbo hitgoded (“cortar-se”) é claramente atestado diversas vezes (Deut. 14.1; 1Rs 18.28; Jer. 16.6; 47.S; Os. 7.14 [emendado]), e a omissão de be antes de bêt é atestado de forma semelhante em outro lugar (por exemplo, Jr 36.22; 37.4). A tradução 'cortaram-se' é seguida por estudiosos linguisticamente perspicazes como McKane (1986-96, I: 117-19), Holladay (1986-89, I: 174, 180) e Zevit (2001: 539, com n. 84). ), deste último são retirados vários dos pontos acima mencionados.

O que é significativo é a referência a pessoas que se cortam, o que é incompreensível se ocorrer num bordel profano, mas faz sentido num contexto de prostituição sagrada, pois sabemos que se tratava de um rito de luto associado à morte de Baal nos textos ugaríticos (KTU 1.5.VI.17-18; 1.6.I.2) e é mencionado em outras partes do Antigo Testamento em conexão com o despertar de Baal (I Rs 18.28) e o desejo de fertilidade (Os. 7.14 [seguindo a emenda geralmente aceita]).

Além disso, esta compreensão estaria em consonância com o contexto idólatra proporcionado pela referência a “não haver deuses”, enquanto a alusão ao relincho da mulher do vizinho mostra que a casa da prostituta é literal e não meramente metafórica. O mesmo verbo, 'relinchar', também é empregado em Jer. 13.27 em conexão com os altos: 'Eu vi suas abominações, seus adultérios e relinchos, suas prostituições lascivas, nas colinas do campo'. Ao usar a imagem ampliada de uma prostituta, caps. Os capítulos 16 e 23 de Ezequiel falam da infidelidade de Israel em geral, tanto na forma de idolatria como de alianças com nações estrangeiras. No entanto, Ezequiel. 16.16 e provavelmente 16.24-25, 31 referem-se especificamente aos altos e, portanto, podem ter em mente não apenas a apostasia religiosa, mas atos reais de prostituição cultual. Parece provável, de fato, que o uso da imagem da prostituição no Antigo Testamento para descrever a apostasia religiosa tenha sido encorajado pela existência de ritos de prostituição sagrada dentro do culto israelita, e mesmo quando a imagem da prostituição é usada metaforicamente, às vezes pode haver uma duble entendre. Outra passagem profética que se refere mais naturalmente à prostituição de culto na opinião de muitos comentaristas (por exemplo, McKane 1998: 33-34), embora muitas vezes esquecida nas discussões sobre a prostituição sagrada (mas cf. van der Toorn 1989: 201), é Mic. 1.7, onde Miquéias diz de Samaria: 'Todas as suas imagens serão despedaçadas, todo o seu salário será queimado no fogo, e todos os seus ídolos devastarei; porque do salário de uma prostituta ela os ajuntou, e ao salário de uma prostituta eles retornarão'. Desde Deut. 23.19 (ET 18) indica que os honorários das prostitutas poderiam contribuir para o santuário, estaria em consonância com isso se fossem utilizados para a confecção de imagens. Uma outra passagem que poderia referir-se à prostituição cultual é Lev. 19.29, 'Não profane sua filha fazendo dela uma prostituta, para que a terra não caia em prostituição e fique cheia de maldade'. É digno de nota que este versículo faz parte de uma série de mandamentos religiosos e rituais, e não éticos (vv. 26-31). Além disso, o verbo 'profano' usado aqui (piel of hll) é empregado em outro lugar no Código de Santidade em conexão com ofensas religiosas e rituais, e não éticas - incluindo outros pecados sexuais, o que sugere que a prostituição cultual está especificamente em mente aqui. (Cf. Lev. 21.9, onde se trata especificamente da filha de um padre se prostituindo, e onde o verbo hll também é usado.)

Admitindo que há alusões à prostituição sagrada no Antigo Testamento, isso não significa que toda passagem que se afirma referir-se a ela deva ser aceita como tal. Por exemplo, em Provérbios 7, a sedutora foi considerada por G. Bostrom (1935: 103-55) como denotando uma prostituta de culto associada à deusa Astarte / Ishtar, mas é muito mais provável que a passagem se refira ao adultério: a mulher declara: “meu marido não está em casa, ele fez uma longa viagem” (Provérbios 7.19), o que parece irrelevante se o trabalho dela fosse ser uma prostituta de culto. (Outras passagens, como Provérbios 2.17 e 6.29, também deixam claro que a mulher solta que permeia esses capítulos é uma adúltera.) Novamente, a tentativa de traduzir hayyôm sillamti nedaray (Provérbios 7.14) como 'hoje devo pagar meus votos' e entender o pagamento recebido pela mulher por seus serviços sexuais como indo para os votos (Bostrom 1935: 106-108; van der Toorn 1989: 198) devem ser rejeitados, pois sillamti é perfeito e deveríamos mais naturalmente traduza 'hoje paguei meus votos'. Além disso, deve-se notar que a literatura sapiencial é notavelmente despreocupada com práticas de culto, especialmente aquelas de natureza questionável, e em qualquer caso há bons motivos para datar Provérbios 1-9 no período pós-exílico, quando a prostituição de culto parece ter sido menos evidente em Israel.

Outra passagem que às vezes se pensa referir-se à prostituição sagrada é Amós 2.7b, 'Um homem e seu pai se casam com a mesma donzela, de modo que meu santo nome é profanado' (Hammershaimb 1970:48-49; Soggin 1987: 87). Embora esta interpretação não possa ser descartada categoricamente, os seguintes argumentos tendem a torná-la improvável. Primeiro, ao contrário de Oséias, Amós parece não estar especialmente preocupado com práticas de culto consideradas como refletindo o sincretismo cananeu, mas parece estar muito preocupado com a imoralidade social geral. Em segundo lugar, a linguagem usada não é particularmente sugestiva de prostituição de culto, pois não só se fala da mulher não como uma qedesa ou zônah, mas sim como uma na'ara, mas também se se tratasse realmente de um caso de culto sagrado a prostituição então não seria apenas uma questão de um homem e seu pai, mas de muitos homens se casarem com a mesma donzela. O contexto preciso da imoralidade sexual aqui referida é, no entanto, mais difícil de identificar. Talvez seja uma questão de incesto, onde numa família alargada não só o jovem marido da donzela mas também o seu pai mantêm relações sexuais com ela (Wolff 1969: 202-203, ET 1977: 167). Alternativamente, poderia ser o caso de uma criada de família ser abusada sexualmente por dois membros masculinos da família, o patrão e o seu filho (Beek 1948: 136; Mays 1969: 46).(8)

(8) A sugestão de Barstad de que a donzela é uma anfitriã marzeah é improvável. Não apenas não há evidências de que o marzeah esteja aqui à vista, mas também não temos nenhum atestado em outro lugar de anfitriãs do marzeah. Além disso, a rejeição de Barstad da conotação sexual normalmente mantida da frase yelekû 'el em Amós 2.7 precisa ser reconsiderada, à luz de expressões comparáveis em acadiano e aramaico que têm esse mesmo significado (Paul 1991: 82).

Ainda outro texto que às vezes se pensa referir-se à prostituição de culto é Jó 36.14, onde lemos sobre os ímpios: 'Eles morrem na juventude e sua vida termina baqqedēšîm'. Aceitando o texto massorético tal como está (que é apoiado pela Vulgata inter efeminatos, 'entre aqueles que se submetem à luxúria não natural' e Targum hek mare zenu, 'como senhores da prostituição'), isso significa literalmente '...e sua vida termina entre os prostitutos do culto masculino'. As prostitutas de culto masculino têm sido entendidas de várias maneiras como símbolos de vergonha (por exemplo, RSV, NRSV, 'e sua vida termina em vergonha'; cf. rn), ou como representantes do mal (por exemplo, NAB, 'e perecem entre os réprobos') , ou ainda, supõe-se que o versículo se refere à curta vida esperada dos prostitutos masculinos de culto como resultado de seu estilo de vida (por exemplo, REB, 'de vida curta como os prostitutos masculinos'; cf. NEB). Nenhuma dessas opiniões parece particularmente convincente: como já foi observado, a literatura sapiencial parece notavelmente despreocupada com práticas de culto questionáveis. A LXX tinha o mesmo texto consonantal, mas lia as vogais de maneira diferente (hupo angellōn) 'por anjos', isto é, baq-qedōšîm e relacionado a isso o Targum de Qumran tem '[e] sua [c]idade (perece) nas mãos de (literalmente "por") os destruidores', o que também pressupõe a visão de que anjos destrutivos estão à vista (cf. (Sl 78.49). Embora esta seja uma interpretação antiga, poucos a aceitaram como o entendimento original; sente-se que se era isso que o escritor pretendia dizer, ele poderia ter se expressado com mais clareza. E.(P.) Dhonne, observando o paralelismo de baqqedēšîm com bannō'ar ('na juventude'), acreditava que qedēšîm é um substantivo plural abstrato que significa algo como 'adolescência' (Dhorme 1926:496,ET 1967: 543-44 ). No entanto, embora isto forneça um bom paralelismo, não há nenhuma evidência real deste significado, e parece bastante aventureiro supor que uma palavra para “adolescência” pudesse desenvolver-se a partir de uma raiz que denota uma prostituta sagrada, mesmo que as prostitutas sagradas fossem caracteristicamente jovens. Concluindo, é incerto como devemos lidar com o baqqedēšîm em Jó 36.14, mas uma referência a prostitutos de culto masculino parece questionável – talvez o texto esteja corrompido[7].

Um estudioso que admite que o Antigo Testamento se refere à prostituição sagrada, mas nega a sua existência real no antigo Israel, é R.A. Oden (1987: 131-53), que argumenta que as alusões bíblicas são meramente polêmicas, semelhantes à acusação de canibalismo contra os primeiros cristãos. Por si só, porém, a ocorrência de polêmica contra a religião cananéia não prova que ela não seja confiável. Além disso, no caso da alusão a Tamar, como qedesa em Gênesis 38, isso é simplesmente parte da narrativa, e não uma peça polêmica contra as práticas cananéias ou cananeias. Na verdade, Tamar pode ser corretamente vista como a heroína do capítulo e a sua ação, ao usar sua prostituição para ganhar um filho é na verdade elogiada por seu sogro Judá (Gn 38.26)! Novamente, seria bastante implausível que a lei em Deut. 23.18-19 (ET 17-18) para incluir polémica não confiável, uma vez que é improvável que uma lei contra a prostituição sagrada fosse construída se ela não existisse. Só se fazem leis contra coisas que realmente acontecem! Mesmo que não seja por outra razão, esta passagem torna implausível a negação de Bird de que o Antigo Testamento fornece evidências confiáveis da existência de prostitutas de culto especificamente masculinas no antigo Israel (Bird 1997). Em Deut. 23.18 (ET 17) ela acredita que a referência às qades foi adicionada pelo escritor do Deuteronômio apenas para fornecer equilíbrio à referência à qedesa feminina, cuja existência ela não nega. Mas é incrível que Deuteronômio proibisse os cultos de prostituição masculina se eles não existissem. Alguns de seus outros argumentos também são igualmente fracos. Assim, em 2Rs 23.7 o texto afirma em conexão com a reforma de Josias: 'E ele derrubou as casas dos prostitutos de culto que estavam na casa do Senhor, onde as mulheres teciam cortinas para Asherah'. Bird sugere que o texto originalmente se referia a depósitos (bāttê haqqodāšim) e não às casas das prostitutas de culto (masculinas) (9) (bāttê haqqedēšîm).

(9) De acordo com Bird (1997: 73), o texto supostamente corrupto bāttê haqqedēšîm teria se referido às casas de prostitutos de culto masculinos e femininos, e não simplesmente a prostitutos de culto masculinos, e considera que a anterior situação inclusiva é historicamente implausível. Contudo, parece não haver base em nenhuma destas suposições.

No entanto, não há nenhuma evidência para esta emenda, nem nas versões antigas, nem em outras, e a proposta de Bird parece motivada por um desejo de eliminar a todo custo os prostitutos de culto masculino do antigo Israel. Mas o fato de a Lei Deuteronômica em Deut. 23.18 (ET l 7) proíbe os prostitutos de culto masculinos de Israel torna inteiramente natural que a reforma de Josias procurasse eliminá-los, uma vez que o rei estava se esforçando para implementar a lei Deuteronómica. O texto massorético de 2 Reis 23.7 deve, portanto, ser mantido, como é geralmente realizada. No que diz respeito à reforma de Asa em 1Rs 15.12, Bird acredita que a referência à eliminação das prostitutas de culto (haqqedēšîm novamente no entendimento de Bird sendo considerado como se referindo tanto às prostitutas de culto masculinas quanto femininas) é simplesmente uma invenção do Deuteronomista. No entanto, a expressão he'ebîr min-hā'āres usada em conexão com a eliminação do qedēšîm não ocorre em nenhum outro lugar na literatura deuteronomística, então parece mais natural seguir a visão usual de que o Deuteronomista aqui depende de uma fonte anterior. Bird então vê as outras referências a qades em 1Rs 14,24 e 22,47 (ET 46) como dependentes de 1Rs 15,12 e reinterpretando o plural inclusivo em um sentido puramente masculino, mas tudo isso parece altamente especulativo.

O que dizer então da acusação de que há falta de provas da prostituição sagrada fora do Antigo Testamento? O termo qds(h) ('santo'), que o Antigo Testamento emprega para se referir à prostituta sagrada, não soa como uma palavra que os próprios escritores bíblicos teriam inventado para um papel tão abominado, mas foi provavelmente substituído pelos próprios praticantes. Os textos ugaríticos, na verdade, empregam a expressão plural masculina qdsm várias vezes em listas de ocupações após o termo khnm ('sacerdotes', cf. KTU 4.29.3; 4.36.2; 4.38.2; 4.68.73) e qds também ocorre sozinho uma vez (KTU l.112.21). Eles denotam claramente o pessoal do culto subordinado aos sacerdotes. Infelizmente, pouco mais podemos deduzir dos textos ugaríticos sobre o papel destes qdsm (10).

(10) Os qds em KTU 1.112.21 cantam, mas seria precipitado concluir com Gruber que todos os qdsm eram simplesmente cantores. Von Soden (1970) chama a atenção para um texto acadiano de Ugarit (RS 16.132) que ele entende como dizendo que um rei elevou alguém de sua posição como qds. Como esta figura tem uma família, von Soden conclui que é pouco provável que os qdsm tenham sido prostitutas[8].

Com base nas referências do Antigo Testamento ao qedesfm e ao qedesot, poder-se-ia esperar que a prostituição sagrada fizesse parte do seu papel, mas não temos provas disso e, uma vez que os textos ugaríticos dizem muito pouco sobre eles, o caminho prudente é suspender o julgamento até que recebemos mais luz sobre o assunto. Foi demonstrado que o acádico qadištu, uma vez geralmente aceite para denotar uma prostituta sagrada feminina, se dedicava à obstetrícia e à amamentação, entre outras coisas, mas WG Lambert (1992: 140-45) acredita que há evidências de que a prostituição também era um dos seus papéis. Ele aponta, por exemplo, para a Lei 40 da Assíria Média, onde as regras sobre o qadiltu (assírio para qadištu) ocorrem entre aquelas relativas à 'concubina' (esirtu) e à 'prostituta' (harlmtu), sugerindo que o qadiltu era algum posição deste último, e especula que o perigo comum de incorrer em impureza ritual pode fornecer uma ligação entre a obstetrícia e a prostituição. À luz desta evidência e das fortes indicações do Antigo Testamento sobre o papel dos qedesôt e qedešim israelitas, é natural supor que também existiam funcionários do culto cananeus chamados qdsm e qdst, que se envolviam na prostituição como parte de suas atividades, mesmo embora no momento isso não seja atestado diretamente nos textos cananeus.

Referências claras à prostituição sagrada no mundo cananeu fora da Bíblia podem, no entanto, ser encontradas numa variedade de textos clássicos e patrísticos (11).

(11) Para citações da maioria dos textos clássicos e patrísticos pertencentes a prostituição sagrada em suas línguas originais, ver Clemen (19J 8: 89-92) e para traduções em inglês ver Oden (1987: 141-44).

Uma objecção que tende a ser feita é que estas fontes estão atrasadas. Isto é verdade, embora o mais antigo, Heródoto, data de meados do século V a.C., provavelmente cerca de um século depois da última provável referência ao Antigo Testamento em Isa. 57,7-8. Além disso, devemos recordar a situação relativa ao sacrifício de crianças: não há referências claras a isto nos textos ugaríticos, mas possuímos muitas alusões posteriores em fontes clássicas, cuja veracidade foi confirmada por achados arqueológicos e inscrições púnicas. Este é, portanto, um caso em que a religião atestada pelo Antigo Testamento tem uma continuidade mais clara com formas posteriores de religião cananéia do que com aquela atestada em Ugarit. O mesmo poderia acontecer com a prostituição sagrada, que pela natureza do caso não deixa vestígios tão óbvios como os corpos carbonizados desenterrados nas escavações púnicas.

R.A. Oden afirma com relação às fontes clássicas referentes à prostituição sagrada: “O que parece ser uma lista de mais de uma dúzia de fontes pode na verdade ser uma lista de algumas fontes, talvez até mesmo e em última análise, uma única fonte: Heródoto' (Oden 1987: 146), cuja confiabilidade ele passa a questionar”. Esta é certamente uma posição inaceitavelmente extrema. As fontes referem-se a diferentes partes do mundo cananeu - Chipre, Norte da África Púnica e Fenícia, esta última incluindo três locais específicos, Biblos, Heliópolis (Baalbek) e Aphaca. Parece, portanto, absurdo afirmar que todos eles derivam de uma fonte, Heródoto, que alude apenas à Babilônia, e de passagem a Chipre. Além disso, Luciano de Samósata, que se refere, com base no conhecimento de primeira mão, à prostituição sagrada em Biblos, na Fenícia, provou ser confiável em outros assuntos, como o próprio Oden admite em outro lugar (Attridge e Oden 1976: 3). Estados Lucianos (De Dea Síria 6):

Vi, no entanto, em Biblos um grande santuário de Afrodite de Biblos, no qual eles realizam os ritos de Adónis, e aprendi sobre os ritos... Eles também raspam a cabeça, como fazem os egípcios quando Ápis morre. As mulheres que se recusam a fazer a barba pagam esta penalidade: por um único dia ficam oferecendo à venda a sua beleza. O mercado, porém, está aberto apenas a estrangeiros e o pagamento passa a ser uma oferenda a Afrodite. (Attridge e Oden 1976: 13-15).

Outro escritor pagão, Valerius Maximus (Fatorum et Dictorum Memora bilium 2.6.15), que escreveu no primeiro século EC na época de Tibério, atesta a prostituição sagrada no Norte da África Púnica:

À sua glória acrescentarei a desonra das mulheres púnicas, para que possa parecer mais feia em comparação. Em Sicca há um templo de Vénus onde as mulheres casadas costumavam se reunir e sair de lá para ganhar dotes ultrajando seus corpos, com a intenção de realmente vincular um casamento respeitável por um vínculo tão vergonhoso. (Shackleton Bailey 2000, I: 177)

Mais uma vez, não há evidência de dependência de Heródoto, e parece que temos aqui mais uma fonte independente que testemunha a prostituição sagrada noutra parte do mundo cananeu.

Outro local associado à prostituição sagrada foi Heliópolis (também conhecida como Baalbek) na Fenícia, segundo três historiadores patrísticos, Eusébio, Sócrates e Sozomen, que afirmam que o imperador Constantino aboliu o templo de Vênus ali. Eusébio refere-se em sua Vida de Constantino 3.58 a Heliópolis, na Fenícia, onde aqueles que adoravam o prazer desenfreado sob o título de Afrodite haviam, no passado, permitido que suas esposas e filhas atuassem como prostitutas sem restrições. Agora, porém, uma lei nova e punitiva foi emitida pelo Imperador proibindo como crime qualquer um dos antigos costumes...' (Cameron e Hall 1999: 146)

Na mesma obra, Eusébio (3.55) também se refere à prostituição sagrada em Aphaca, outro local da Fenícia. Sócrates (Historia Ecclesiastica 1.18) e Sozomen (Historia Ecclesiastica 5.10.7) eram dependentes de Eusébio. Embora Eusébio fosse um apologista cristão, ele é a nossa fonte mais importante para o reinado de Constantino e muitas vezes teve acesso a fontes documentais anteriores, e este é presumivelmente o caso aqui. Alegações de prostituição sagrada na Fenícia geralmente também são encontradas em Atanásio (Contra Gentes 26) e Agostinho (De Civitate Dei 4.10)

A acusação mais persistente de prostituição sagrada nas fontes clássicas, tanto pagãs como cristãs, refere-se a Chipre, que esteve durante muito tempo sujeito à influência fenícia. É encontrado pela primeira vez já no século V aC em Heródoto (História 1.199) e também ocorre em outros escritores pagãos como Pompeius Trogus, resumido por Justino (Epitoma Historiarum Philippicarum Pompei Trogi 18.5), e Ateneu (TheDeipnosophists 12.5l 6a-b), e os escritores patrísticos Clemente de Alexandria (Protrepticus 2.13.4), Arnóbio (Adversus Nationes 5.19), Lactantius (Divinae Jnstitutiones 1.17.10) e Firmicus Matemus (De Errore Profanarum Religionum 4.10). Lactâncio foi reconhecidamente aluno de Arnóbio, mas a persistência da acusação sugere que havia algo nela, e não há nada que apoie a opinião de Oden de que todos eles podem depender de Heródoto. Na verdade, a persistência da acusação em relação a diferentes partes do mundo cananeu dá credibilidade à crença de que havia algo nele e, além disso, ao fato de que as alusões do Antigo Testamento e as referências clássicas à prostituição sagrada são bastante independentes uns aos outros tendem a apoiar sua veracidade.[9].

É certo que as fontes clássicas estão atrasadas. No entanto, as evidências mesopotâmicas da prostituição nos templos são muito anteriores. Embora alguns estudiosos tenham duvidado que a prostituição nos templos existisse na Mesopotâmia (Arnaud 1973; Menzel 1981, I: 28-29; II: 27*-28*; Oden 1987: 147-52; Westenholz 1989: 250-63), G.Wilhelm (1990) demonstrou que isso ocorreu, e os seus argumentos foram aceites como criteriosos pelo eminente assiriologista W.G. Lambert (1992: 157). Wilhelm (1990: 516-24) fornece evidências incontestáveis da prostituição no templo de Nuzi (século XV/XIV aC), citando um texto em que um homem dedica uma filha para prostituição a Ishtar: '[...] die Mutu (!) !Otubiil[tl (meine Tochter [?])] babe ich/hat er (!) als Schuldhaftling zur Prostitution zu (der Gottin) !Star(Sawaska) hinaufgebracht , und zur Muntfreiheit (?) habe ich/ hat er sie freigelassen [ ...]. Siegel des Sukri-tesfop [...]', que pode ser traduzido como 'Eu/ele(!) criou Mutu(!)!Otubiil[tl (minha filha[?])] como um prisioneiro por dívidas por prostituição para (a deusa) Ishtar (Shaw ashka), e eu/ele a libertei para a liberdade (?) [...]. Selo de Shukri teshschup [...]'. Wilhelm observa que este fragmento mostra a existência da prostituição no âmbito da organização do templo e argumenta ainda que este documento legal vai contra a visão de Amaud de que a prostituição no templo só era tolerada, não oficialmente sancionada, na Mesopotâmia. Também encontramos referências a prostitutas dedicadas a Ishtar no período neoassírio. Assim, na inscrição cuneiforme de Kapara em Tell Halaf (Gozan) lemos a maldição: 'Seus sete filhos ele queimará diante de Adad e suas sete filhas ele conduzirá como prostitutas para Ishtar' (Meissner 1933: 73, no. 8.5 -7)[10]. Da mesma forma, uma maldição em uma das tábuas de Nimrod declara: 'Ele entregará sete sacerdotes e sete sacerdotisas a Adad, que mora em Kurbail, e dará sete prostitutos e sete prostitutas a Ishtar, que mora em Arbail' (Sábio e Kinnier Wilson 1951: 117 e pl. XVI, ND 496: 25-32; comparação por J.N. Postgate em Weinfeld 1972: 144n. 89). Wilhelm conclui que, tendo em vista o texto anterior de Nuzi mencionado acima, não há necessidade de ver tais alusões à prostituição em conexão com Ishtar no período Neo-Assírio como acréscimos de influência estrangeira posterior (como fez Menzel), uma vez que foi já fazia parte de seu culto muito antes.

A prostituição no templo também é atestada ainda mais cedo na Mesopotâmia, no período da Antiga Babilônia. Não apenas Wilhelm (1990: 515), mas estudiosos como J.N. Postgate (1992: 312-13 n. 166) e M.L. Gallery (1980) chamaram a atenção para um texto jurídico da Antiga Babilônia de Sippar (Finkelstein 1968: pl. 22, no. 45) no qual o ofício de prostituta (harimutum) é mencionado junto com outros ofícios do templo (parsum), indicando claramente que a prostituição fazia parte do serviço prestado por algumas mulheres babilônicas a uma deusa. A mesma situação também é atestada em Tell ed-Der (Wilhelm 1990: 515). Ainda antes, na época Suméria, temos testemunho sólido do casamento sagrado entre o rei, representando o deus Dumuzi, e a deusa Inanna (precursora de Ishtar), sendo a deusa presumivelmente representada por uma sacerdotisa (Kramer 1969). Costumava-se pensar que a prostituição posterior nos templos da Mesopotâmia era uma democratização deste rito real, mas não temos nenhuma evidência real para apoiar isso. Inanna / Ishtar era frequentemente chamada de prostituta e era a patrona das prostitutas, portanto a presença de prostitutas em seus templos seria esperada.

Heródoto (História 1.199), em uma passagem muito citada, afirma que era um costume babilónico que toda mulher, uma vez na vida, se prostituísse com um estranho no templo de Afrodite. Há um relato semelhante em Estrabão (Geografia 16.1.20), que provavelmente depende de Heródoto, bem como na Ep. Jer. 43. Embora não tenhamos provas de que todas as mulheres babilónicas tivessem de se prostituir, é plausível supor, como argumenta Guilherme, que isto seja um eco da prostituição praticada pelos hieródulos.

Admitindo que tenha sido demonstrado que existem bons motivos para continuar a acreditar que a prostituição sagrada ocorreu no mundo do Antigo Testamento, permanece ainda a questão de saber por que foi praticada. Embora Robertson Smith já usasse a expressão 'prostitutas sagradas' (cf. Smith 1889: 436), a visão outrora popular de que a prostituição sagrada era uma forma de magia imitativa, encorajando a divindade a trazer fertilidade à terra, é apresentada pela primeira vez de forma inequívoca, então tanto quanto sei, na obra de James Frazer (Frazer 1911-15, IV.I: 39). Nos últimos anos, isso passou a ser questionado por falta de evidências. Nenhuma de nossas fontes antigas afirma que este era o seu propósito e nada que sabemos sobre as antigas divindades da fertilidade do Oriente Próximo indica que elas eram consideradas como trazendo fertilidade à terra através da união sexual com o seu consorte, então não faria sentido tentar imitar isto magicamente. Outro ponto a notar neste contexto é que a existência de prostituição de culto masculino não se enquadra neste conceito. É geralmente aceite que os prostitutos de culto masculino, como os que encontramos em Deuteronômio e Reis, eram homossexuais e, dada a natureza do caso, os seus atos sexuais não podem ter levado a qualquer aumento na fertilidade, por isso é difícil ver como poderiam ter sido considerados para servir para encorajar a divindade a aumentar a fertilidade[11]. (12)

(12) Para Frazer, no entanto, os prostitutos de culto masculinos eram heterossexuais, que 'podem ter desempenhado o papel do Adónis vivo para a Astarte viva das mulheres' (Frazer 1914, IV.I: 17), mas como diz Bird, 'A ideia de fornecer serviços sexuais a adoradoras análogas àquelas fornecidas por mulheres "prostitutas de culto" assume uma visão dos papéis das mulheres que vai contra o que conhecemos tanto do culto, como organizado essencialmente com os homens em mente, e de relações sexuais socialmente sancionadas, que se destinam principalmente a servir as necessidades e desejos masculinos. Parece improvável que qualquer homem israelita permitisse que a sua esposa ou filha tivesse relações sexuais com um estranho, mesmo com um “homem sagrado”, num santuário” [12](Bird 1997:42).

Muito recentemente, van der Toorn (1989) apoiou a ideia de que a prostituição existia dentro do culto, mas que o seu propósito era simplesmente aumentar as finanças do santuário. Embora tenhamos visto acima (contra van der Toorn) que Provérbios 7 não se presta a esta interpretação, Deut. 23.19 (ET 18) implica que o produto da prostituição às vezes era usado no pagamento de votos para o santuário, uma vez que temos aqui uma lei que proíbe a prática, e Mic. 1.7 sugere que as taxas da prostituição contribuíram para a produção de imagens. Parece haver alguma outra evidência de que o dinheiro entregue na prostituição de culto foi usado de alguma forma para o templo: Heródoto refere-se a ele como sagrado e Luciano de Samos fala dele como uma oferenda à deusa. Mas o facto de as fontes clássicas associarem regularmente a prostituição de culto no mundo fenício especificamente com Afrodite, isto é, Astarte, e as fontes mesopotâmicas a associarem particularmente com a deusa equivalente Ishtar, combinado com o facto de não encontrarmos prostituição sagrada associada aos templos de antigas divindades do Oriente Próximo em geral, torna natural supor que a prostituição de culto não era apenas uma forma de arrecadar dinheiro para o santuário, mas também estava de alguma forma relacionada à natureza de Astarte (Afrodite) / Ishtar como deusas da sexualidade, e que as prostitutas teriam sido vistas como suas devotas. Embora não tenhamos provas concretas, o facto de as casas dos prostitutos de culto masculinos estarem no templo num local onde as mulheres faziam tecidos para Asherah (2Rs 23.7), que a prostituição de culto também é mencionada juntamente com o culto de Asherah em l Rs 23.7 14.12-13 e 15.23-24, e que as numerosas estatuetas de pilares nus, amplamente consideradas como representando Asherah, foram descobertas em locais da Idade do Ferro da Judéia (Kletter 1996) torna natural supor que a prostituição de culto também pode ter feito parte do culto de Ashera.

Talvez M.-T. Wacker (1992) tenha razão ao comparar a prática da prostituição sagrada na Índia, bem atestada até aos tempos modernos, onde as Devadasis (“escravas da divindade”) praticam relações sexuais como forma de devoção a uma divindade, e que se acredita trazer boa sorte e bem-estar a quem dele participa. Em geral, porém, concordo que não sabemos muito[13] sobre a prostituição sagrada no antigo Israel e no seu ambiente, mas a sua existência não deve ser negada.

É uma honra e um prazer dedicar este ensaio ao meu bom amigo Kevin Cathcart, que encontrei pela primeira vez há mais de vinte e cinco anos como um genial examinador em minha palestra de doutorado. A gama de sua experiência em línguas semíticas, bem como em estudos bíblicos e do Oriente Próximo em geral, é impressionante[14].

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Traduzido por A. Felisberto do original Inglês com a ajuda do tradutor do Google.


[1] 12 Tempos depois morreu a mulher de Judá, filha de Suá. Passado o luto, Judá foi ver os tosquiadores do seu rebanho em Timna com o seu amigo Hira, o adulamita.

13 Quando foi dito a Tamar: "Seu sogro está a caminho de Timna para tosquiar suas ovelhas",

14 ela trocou suas roupas de viúva, cobriu-se com um véu para se disfarçar e foi sentar-se à entrada de Enaim, que fica no caminho de Timna. Ela fez isso porque viu que, embora Selá já fosse crescido, ela não lhe tinha sido dada em casamento.

15 Quando a viu, Judá pensou que fosse uma prostituta, porque ela havia encoberto o rosto.

16 Não sabendo que era a sua nora, dirigiu-se a ela, à beira da estrada, e disse: "Venha cá, quero deitar-me com você".

17 Ela lhe perguntou: "O que você me dará para deitar-se comigo?"

Disse ele: "Eu lhe mandarei um cabritinho do meu rebanho".

E ela perguntou: "Você me deixará alguma coisa como garantia até que o mande?"

18 Disse Judá: "Que garantia devo dar-lhe?"

Respondeu ela: "O seu selo com o cordão, e o cajado que você tem na mão". Ele os entregou e a possuiu, e Tamar engravidou dele.

19 Ela se foi, tirou o véu e tornou a vestir as roupas de viúva.

20 Judá mandou o cabritinho por meio de seu amigo adulamita, a fim de reaver da mulher sua garantia, mas ele não a encontrou,

21 e perguntou aos homens do lugar: "Onde está a prostituta cultual que costuma ficar à beira do caminho de Enaim?"

Eles responderam: "Aqui não há nenhuma prostituta cultual".

22 Assim ele voltou a Judá e disse: "Não a encontrei. Além disso, os homens do lugar disseram que lá não há nenhuma prostituta cultual".

23 Disse Judá: "Fique ela com o que lhe dei. Não quero que nos tornemos objeto de zombaria. Afinal de contas, mandei a ela este cabritinho, mas você não a encontrou".

24 Cerca de três meses mais tarde, disseram a Judá: "Sua nora Tamar prostituiu-se, e na sua prostituição ficou grávida".

Disse Judá: "Tragam-na para fora e queimem-na viva!"

25 Quando ela estava sendo levada para fora, mandou o seguinte recado ao sogro: "Estou grávida do homem que é dono destas coisas". E acrescentou: "Veja se o senhor reconhece a quem pertencem este selo, este cordão e este cajado".

26 Judá os reconheceu e disse: "Ela é mais justa do que eu, pois eu devia tê-la entregue a meu filho Selá". E não voltou a ter relações com ela.

27 Quando lhe chegou a época de dar à luz, havia gêmeos em seu ventre.

28 Enquanto ela dava à luz, um deles pôs a mão para fora; então a parteira pegou um fio vermelho e amarrou o pulso do menino, dizendo: "Este saiu primeiro".

29 Mas, quando ele recolheu a mão, seu irmão saiu, e ela disse: "Então você conseguiu uma brecha para sair!" E deu-lhe o nome de Perez.

30 Depois saiu seu irmão que estava com o fio vermelho no pulso, e foi-lhe dado o nome de Zerá.

[2] Além de especulativa seria um argumento desnecessário porque em nada alteraria a evidência de que o Gen. 38 se refere a um tipo especial de prostituição que denomina qedesa em contraste com a prostituição comum que a bíblia refere como zônah.

[3] ¹ Eu não castigarei vossas filhas, quando se prostituem, nem vossas noras, quando adulteram; porque eles mesmos com as prostitutas se desviam, e com as meretrizes sacrificam; pois o povo que não tem entendimento será transtornado. Oséias 4:14.

[4] 7 Sobre os montes altos e levantados pões a tua cama; e a eles sobes para oferecer sacrifícios. 8 E detrás das portas e das ombreiras pões os teus memoriais; porque a outros, mais do que a mim, te descobres, e sobes, e alargas a tua cama, e fazes concerto com eles; amas a sua cama, onde quer que a vês. Isaías 57:7-8, Almeida Revista e Corrigida 2009.

[5] Levanta os olhos aos altos e vê; onde não te prostituíste? Nos caminhos te assentavas para eles, como o árabe no deserto; assim, manchaste a terra com as tuas devassidões e com a tua malícia. Versão Almeida Revista e Corrigida.

[6] ⁷ Como, vendo isto, te perdoaria? Teus filhos me deixam a mim e juram pelos que não são deuses; quando os fartei, então adulteraram, e em casa de meretrizes (se ajuntaram em bandos?).

⁸ Como cavalos bem fartos, levantam-se pela manhã, rinchando cada um à mulher do seu próximo. Jeremias 5:7,8

[7] No melhor pano cai a nódua porque toda a argumentação deste parágrafo vai no sentido de que o baqqedēšîm em Jó 36.14, contém uma referência inquestionável a prostitutos de culto masculino.

[8] Este argumento envolve duas falácias: tomar a parte pelo todo e partir do pressuposto que as prostitutas nunca constituem família.

[9] De qualquer modo há que referir que o argumento da dependência de autores anteriores, mesmo quando assumida e usada como argumento de autoridade, não gera suspeita sobre a veracidade do conteúdo porque um autor credível confirma as suas fontes e usa as suas citações mais como reforço de prova do que como fonte absoluta de informação, a menos que explicitamente afirme que “vende o peixe pelo preço que o comprou”.

[10] Tratando-se de uma maldição comprova-se que tanto o sacrifício de crianças como a prostituição sagrada estavam longe de constituírem uma graça divina sendo pelo contrário sentidos como um severo imperativo por castigo divino ou eventualmente voto em situação desesperada.

[11] Notar que este tipo de argumentação usa indevidamente o princípio das cusas actuais esquecendo que os preconceitos sexuais do patriarcado eram de tipo aristotélico onde a mulher era um mero vaso e receptáculo da vis viril. Por autro lado, não podemos esquecer que o pensamento religioso antigo ainda era de tipo xamânico usando a lógica da magia simpática como argumento fundamental e que, no caso da prostituição masculina o sacerdote homossexual seria um mero receptáculo do esperma que os homens davam à deusa para que, em troca, esta em casa lhes garantice a fertilidade ou desse a que lhes faltava.

[12] Obviamente que estamos perante um argumento baseado na racionalidade dos preconceitos sexuais dos judeus, o que é bastante arriscado, mas sobretudo estamos a esquecer que a prostituição sagrada ou era a sobrevivência de tradições canaanitas arcaicas entre os judeus ou mesmo um desvio retrógrado e apóstata da boa prática judaica.

[13] Precisamente porque a tradição judaico cristã nunca quis que soubéssemos o que assim aconteceu enquanto ambos os cleros (judaico e cristão) controlaram a cultura ocidental, como assim se constata.

[14] It is an honour and pleasure to dedicate this essay to my good friend Kevin Cathcart, whom I first encountered over twenty-five years ago as a genial examiner at my doctoral viva. The range of his expertise in Semitic languages as well as in biblical and Near Eastern studies more generally is impressive.