Figura 1: Figuração teatralizada da tragédia de Medeia num vaso grego helenístico (rectificação cibernética do autor).
A relação da tragédia de Medeia com o mito de Cíbele está patente na figura central deste vaso que, de forma consciente ou não, retrata uma Deusa Mãe das cobras em postura de Perséfone ou de Hecate. Nesta representação Medeia faz lembrar mais uma Medusa do que Cíbele. No entanto, Medusa seria apenas uma variante deformada e caricatural de cultos arcaicos e sanguinários à deusa mãe, de que as Virgens Mães, amazonas e caçadoras eram uma pálida evocação, (mais no caso de Artemisa & Acteião do que de Atena). De resto, Medeia era também da Frígia, e daí a violência feminina dos seus ciúmes, afinal, na linha dos cultos sanguinários de Cíbele de quem era possivelmente uma sacerdotisa.
A lenda de Medeia aparece neste vaso grego como representação helenista da mesma tragédia de Eurípedes onde transparece o arcaísmo vingativo, particularmente na forma de sacrifícios de crianças em louvor da deusa das feiticeiras que era Hecate, aqui representada com os atributos de Deméter, o carro de cobras aladas!
Figura 7: Apoteose de Medeia no papel de Medusa, a vingativa deusa mãe!
Figura 2: Cíbele & Hecate ou a Deusa Mãe e a filha Korê (< Kaur-et > «Gorete»). Figura 3: Deméter & Perséfone. |
Na mitologia grega, Medeia era filha do rei Eetes, da Cólquida (actualmente, a Geórgia), sobrinha de Circe (aparecendo, ainda, como filha de Circe e Hermes ou como irmã de Circe e filha de Hécata) e que foi, por algum tempo, esposa de Jasão. (…) Filha do rei Eetes e princesa da Cólquida, Medéia é por vezes descrita como sacerdotisa de Hécate e, por vezes, como filha da deusa, o que explicaria os seus conhecimentos profundos das artes mágicas. (…) A história de Medeia começa depois de Jasão ter chegado à Cólquida, do Reino de Iolcos, para reivindicar o velocino de ouro para si. Como é frequente em muitos mitos, Eetes promete-lhe o velo, desde que o herói cumpra uma tarefa.
A tarefa de Jasão constituía um desafio impossível, típico dos pesadelos mais tenebrosos dos cultos iniciáticos, contado como um misto de histórias infantis nos ritos de passagem, visões alucinadas de guerreiros arcaicos drogados e imaginação desenfreada típica de um guionista de ficção científica de banda desenhada moderna. De facto, ter que lavrar um campo com dois touros gigantes de cascos de bronze e que expeliam fogo pelas narinas, oferecidos por Hefesto só pode ser um delírio futurista dum tractor agrícola de Apolónio de Rodes (século III a.C.), o autor da Argonautica que se baseou em material a que tinha acesso na famosa biblioteca de Alexandria e…quiçá, num pesadelo resultante da visão da eolípila de Heron de Alexandria. Do mesmo modo o mito de Talo é uma interpretação helenística dum mito arcaico relativo a um qualquer engenho cretense que seria um protótipo do farol de Alexandria da época do calcolítico cretense se não fosse apenas um mito em volta do vulcão de Santorini.
Ver: TALO (***)
No entanto, o mito de Medeia parece tanto mais complexo e aterrador quanto mais arcaico já era na época clássica!
Figura 4: Medeia e o carneiro no caldeirão mágico.[1]
Em Corinto, a felicidade de Medeia foi de pouca duração. Já com filhos de Jasão, foi alvo da intriga do rei Creonte que influenciou Jasão a deixá-la, de modo a casá-lo com a sua filha, Creúsa (ou Glauce). Tendo convencido Jasão, tratou de banir Medeia de Corinto. Esta, contudo, antes de abandonar a cidade, ainda conseguiu vingar-se, novamente aliando astúcia com magia. Fez chegar às mãos de Creúsa um vestido e jóias - um presente literalmente envenenado, já que cada acessório tinha sido embebido numa poção secreta. Assim que a sua rival se vestiu, sentiu o seu corpo invadido de um fogo misterioso que logo se espalhou para o seu pai, que a tentou socorrer, bem como para todo o palácio - episódio este que tem semelhanças com a morte de Héracles, por obra de Nesso. Alguns narradores contam que Medeia, em fuga, não teve possibilidade de levar consigo os filhos que, perante a negligência de Jasão, foram apedrejados até à morte pela família de Creonte, como vingança.
Creusa < Ker-usa, lit. «Ker, a variante negra de Medusa,
< Ker-usha < Kar-kika > Harphi(a) > Harpia.
Kur-ish = Ish-kur(a) > Ishtar.
Fazendo-se amiga das filhas do rei Pélias, convenceu-as de que era capaz de rejuvenescer quem ela quisesse.
Para o provar, mandou esquartejar um carneiro velho e colocou-o dentro de um caldeirão com uma poção fervente. De seguida, retirou o animal, inteiro e de bastante boa saúde. (…).
As raparigas, Amphinome, Euadne, Peisdice, Pelopeia, excitadas de amor incestuoso filial, correram a espostejar o pai e a lançar os seus pedaços dentro do caldeirão de Medeia.
Como seria de esperar dos limites da magia, não voltou a sair de lá com vida. Depois deste incidente macabro, Medeia fugiu com o seu amado para Corinto.
Figura 5: Fuga de Medeia para Corinto. (Estampa anónima do Museu Britânico. Comparar com originar do sarcófago seguinte).
Figura 6: Sarcófago de Medea no Altes Museum de Berlin.
Assim, a suspeita de que a lenda de Medeia despontaria do húmus duma fértil mitologia relacionada com arcaicos mistérios de Elêusis relativos ao culto da terrível Deusa Mãe das cobras cretenses, parece fundamentada tanto na ambiência da úbris telúrica da tragédia de Eurípedes, quanto na etimologia intuitiva do nome de Medeia
Medeia < Ama-Geia < Ama-Kika, lit. “Deusa Mãe Terra”!
A história lendária de Medeia foi soberanamente descrita em Eurípedes como uma saga à úbris da loucura do amor-próprio ferido de morte!
Contudo, a versão mais conhecida é ainda mais sombria e deve-se a Eurípides, na sua tragédia Medeia, apresentada pela primeira vez em 431 a.C.. Aqui, é a própria Medeia quem mata os filhos antes de fugir para Atenas, não num acesso de loucura, mas num ato de fria e premeditada vingança em relação ao marido infiel. Eurípides foi, na altura, acusado de ceder perante um elevado suborno de cidadãos coríntios que preferiam uma versão onde não fosse o povo daquela cidade a cometer o infanticídio.
A corrupção das fontes de informação por interesses políticos é tão antiga como o poder mágico do saber e da ideologia.
Ver: MEDUSA (***)
[1] Manipulação cibernética, com cores do autor, de desenho publicado por: Harrison, Jane Ellen and D.S. MacColl. Greek vase paintings; a selection of examples, with preface, introduction and descriptions.
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