quarta-feira, 16 de junho de 2021

IV A VIDA POLÍTICA E MESSIÂNICA DE JESUS 4. JESUS O MAGO, por arturjotaef.



Nos evangelhos sinópticos, as histórias de Baptismo, Tentação e Transfiguração atribuem todas as experiências de Jesus que o colocam na matriz da tradição mística judaica. Em torno dessas três experiências definidoras, podemos arranjar uma penumbra de outros textos ou motivos no retrato sinóptico de Jesus: seus “sinais e maravilhas”, especialmente sua interacção com o reino demoníaco e sua pretensão de revelação extraordinária, relatos isolados de actividade visionária (Lucas 10:18; 22: 43–44) e outras passagens que foram plausivelmente interpretadas como um reflexo directo ou indirecto da experiência mística. -- The New Testament and Rabbinic Literature, by Reimund Bieringer, Florentino García Martínez, Didier Pollefeyt and Peter J. Tomson.

 


 

 

 

CRISTO MÁGICO.

 

 

Uma pesquisa com imagens antigas

de sarcófagos cristãos,

 

 

William Storage e Laura Maish

 

Jesus geralmente aparece nos antigos sarcófagos cristãos no papel de mágico. Isso é uma surpresa para muitos espectadores modernos. A tradição católica sustenta que a diversidade das crenças cristãs primitivas decorre de heresias que se ramificaram de um núcleo original de ortodoxia. É difícil conciliar essa visão das raízes da diversidade primitiva da crença cristã com os livros do Novo Testamento - que presumivelmente representam os primeiros escritos cristãos - e muito menos as obras heréticas refutadas pelos primeiros apologistas como Justin Mártir e Tertuliano. A história cristã também sustenta que, enquanto seitas gnósticas como os valentinianos existiam na cidade de Roma, elas morreram lá ou se conformaram no terceiro século, e que a crença cristã naquela época era muito semelhante à de hoje. Em contraste, as imagens dos antigos sarcófagos romanos, esculpidas em pedra, são evidências do cristianismo incompletamente formado em Roma, no final do século IV. Essa imagem funerária mostra claramente o problema de interpretar a antiga comunidade cristã apenas através de textos do clero.


Os sarcófagos cristãos têm sido amplamente negligenciados como uma ferramenta para estudar o cristianismo primitivo. Eles são muito menos vulneráveis a serem revisados para alterar seus detalhes ou significado para se adaptar à teologia actual do que os materiais escritos. Isso é verdade, apesar do implacável trabalho de "restauração" visível em muitos dos sarcófagos, realizado, por exemplo, por antiquários que tentam aumentar o valor de um item ou talvez por apologistas do século 18 preocupados com a falta de cruzamentos na arte cristã primitiva. Essas restaurações são geralmente muito aparentes e raramente obscurecem a composição original (ocasionalmente fornecendo humor, quando o retrato da mulher falecida é recarregado como Jesus ou quando um soldado é recarregado como Pedro). Além disso, os sarcófagos existentes chegaram até nós através de um processo muito mais aleatório (menos selectivo) do que os textos cristãos, que, independentemente de qualquer reescrita, foram seleccionados por sua adequação às agendas eclesiásticas enquanto outros eram proibidos ou abandonados e esquecidos. Onde temos apenas pequenos fragmentos dos primeiros manuscritos cristãos, há muitas informações antigas escritas em pedra que podem ser inspeccionadas em primeira mão por qualquer pessoa que tenha acesso aos grandes museus e igrejas do mundo. Certamente, alguns sarcófagos foram re-trabalhados e outros são falsificações modernas, mas muitos existem, particularmente em Roma, com imagens que podem ser solidamente identificadas como obras dos séculos III e IV. Surpreendentemente, as histórias contadas pelas imagens do sarcófago são muitas vezes diferentes das dos evangelhos.

Nenhum sarcófago cristão pode ser datado firmemente do início do século III, e mesmo estes são raros e disputados [[1]]. Várias teorias foram propostas para essa falta de evidência do cristianismo primitivo. Alguns sugerem, com base em Êxodo 20: 4 ("não fará de você um ídolo"), que os primeiros cristãos rejeitaram ícones como os judeus do mesmo período. Isso parece improvável, especialmente porque as evidências mostram que o judaísmo não foi completamente anicónico durante o mesmo período. Por exemplo, escavações do século XX na Dura Europos revelaram uma sinagoga primitiva com iconografia rica. Os primeiros escritores cristãos relatam que roupas cristãs e objectos domésticos eram ricamente decorados com ilustrações bíblicas. Esses primeiros escritores, como Tertuliano (On Modesty, 7.1) e Clemente de Alexandria (O Instrutor, 3.11.59 - "deixem nossos selos serem uma pomba, ou um peixe, ou um navio correndo diante do vento, ou uma lira musical. ... ") não parecia ser crítico de tais usos da arte cristã. Charles Murray, em sua investigação exaustiva, concluiu que não houve condenação real dos pais da igreja primitiva da iconografia não idólatra nos primeiros séculos do cristianismo. Evidências arqueológicas sugerem que a arte viva era uma característica proeminente do cristianismo primitivo.

Uma razão mais provável para a falta de arte cristã antes do século IV é que o número de cristãos era muito pequeno. Considera-se cada vez mais que relatos escritos descrevendo o cristianismo como um componente importante da Roma do primeiro e do segundo século são falsificações posteriores. A análise da autenticidade das menções seculares do cristianismo está além do escopo desta discussão, mas alguns pontos resumidos são úteis. Por exemplo, as breves menções do cristianismo em Josefo e Suetónio são suficientemente problemáticas (por exemplo, brevidade, linguagem inconsistente, falta de citação de escritores subsequentes cujo argumento se beneficiaria de citá-lo) para levantar questões da sua autenticidade. Da mesma forma, a descrição de Tácito da "vasta multidão" de cristãos perseguidos por Nero é inconsistente com outras histórias romanas contemporâneas. Mesmo as descrições do ministério de Paulo em Roma nos Atos dos Apóstolos sugerem que o cristianismo era um clube minúsculo na época de Nero. Se autêntica, a passagem de Tácito indica seu desgosto por Nero e talvez as atitudes em relação aos cristãos no tempo de Tácito. Contra sua autenticidade, Eusébio, o historiador da igreja do século IV, não faz menção à passagem quando claramente seria do seu interesse fazê-lo.

Muitos estudiosos da Bíblia concluem que Actos foi uma adição tardia aos livros do proto cânone cristão; uma tentativa de fundir as epístolas atribuídas a Paulo e alguns dos grandes evangelhos que circulavam na época. Talvez mais importante - pelo menos para a presença do cristianismo em Roma - Actos introduz - e desenvolva extensamente - a ideia de sucessão apostólica, ausente nos evangelhos, mas absolutamente essencial para uma seita hierarquicamente organizada do cristianismo que era o ancestral do catolicismo. Actos sozinhos - não os evangelhos ou epístolas - colocaram Paulo em Roma. A tradição cristã - não qualquer livro da Bíblia - colocou Pedro em Roma.

Se os cristãos estavam em Roma antes do século III, existem poucas evidências arqueológicas. O final do século III mostra uma explosão na popularidade dos temas bíblicos, provavelmente o resultado do rápido crescimento das seitas cristãs na época. Como mencionado acima, os escritos antigos revelam uma grande variação nas crenças entre essas seitas, que mostram elementos gnósticos e docéticos em vários graus. O marcionismo e o valentinismo, contra os quais os pais da igreja protestavam, eram populares em Roma. Essas seitas foram extintas ou absorvidas pelo que mais tarde se tornou a ortodoxia católica. Seus escritos são agora comummente referidos pelo termo enganador, apócrifos. Conforme enfatizado por David Cartlidge, o termo marca esses livros como clandestinos; e eles não eram nada disso. Apesar da condenação posterior pelas autoridades da igreja, não há base para a noção de que aqueles que usavam esses livros se viam como membros de grupos dissidentes, ou que a distinção entre ortodoxos era de alguma forma significativa no terceiro século. Os sarcófagos cristãos retratam histórias do que deve ter sido pensado por seus clientes como os principais eventos da história cristã, sejam elas transmitidas oralmente ou nas escrituras.

Garantidamente que os sarcófagos, devido às limitações de seu meio, não podem descrever a crença cristã tão ricamente quanto os livros do Novo Testamento ou os escritos dos pais da igreja primitiva. Mas eles contam bastante; e do que eles dizem, podemos ter certeza, pois está esculpido em pedra. Os sarcófagos cristãos têm sido principalmente o foco dos campos da história da arte e da apologética e devoção cristã. Tem havido uma espantosa falta de interesse na arte cristã por parte dos envolvidos no estudo das origens cristãs, um empreendimento quase exclusivamente dedicado a textos antigos.


Na última década, visitamos igrejas e museus romanos para estudar sarcófagos cristãos e arte funerária com paralelos nas escrituras. Tiramos milhares de fotos dessas esculturas antigas. Catalogamos as imagens e identificamos referências das escrituras onde elas existem. Muitas imagens nas primeiras lápides cristãs são puramente icónicas ou simbólicas. Muitas das primeiras imagens são idênticas às da arte funerária pagã; portanto, sua identificação como cristã é apenas contextual.

É incerto se certas peças têm origem cristã, principalmente aquelas que envolvem colheitas de uvas, filósofos, orantes e o bom pastor - todas imagens populares antes do início do cristianismo. Mesmo em um contexto cristão, essas imagens não podem ser vinculadas a nenhuma história bíblica específica, portanto não estão listadas aqui. Cenas com paralelos das escrituras, principalmente envolvendo milagres, dominam os sarcófagos do quarto e início do quinto século, sendo gradualmente substituídos por imagens de Cristo como governante supremo, santos e imagens não relacionadas às escrituras. Nosso foco aqui é o período relativamente curto de imagens narrativas que pode ser correlacionado com os primeiros escritos cristãos, muitos dos quais não são canónicos, alguns dos quais são agora considerados heréticos.

A apresentação de personagens das histórias do evangelho é notavelmente consistente nos sarcófagos. Jesus aparece como um jovem com traços de menino e uma expressão que geralmente é alegre e confiante. Este é o Jesus loiro das catacumbas e das primeiras pinturas cristãs nas paredes, não o Jesus de cabelos escuros, solene e "oriental" do cristianismo posterior. O rosto, o cabelo e os traços corporais efeminados são indistinguíveis dos da representação romana do jovem Apolo, de quem Jesus só pode ser diferenciado pelo contexto. A aparência de Pedro varia pouco de amostra para amostra, apesar do fato de os sarcófagos parecerem durar dois séculos. Até Pôncio Pilatos e o soldado que coroa Jesus são reconhecíveis de uma amostra para a seguinte. Podemos ter certeza da identificação da maioria das figuras nas cenas do sarcófago, com base nos detalhes da cena, como o galo da história da negação de Pedro, a lavagem das mãos de Pilatos, os leões com Daniel e os jarros de vinho no local, em Caná. Algumas cenas são menos fáceis de correlacionar com as histórias da Bíblia - é o Jesus que ressuscitou Lázaro ou Ezequiel – e que tentou se parecer com Jesus - trazendo vida aos seus ossos secos? Finalmente, algumas cenas comuns não se correlacionam com as histórias do cânone cristão, mas se correlacionam com as histórias de livros cristãos consideradas heréticas pela igreja cada vez mais católica.

Os Milagres são de longe o maior grupo de assuntos das escrituras encontrados nos sarcófagos cristãos da época. Na viragem do século XX, Alexander Soper concluiu que o destaque das cenas milagrosas resultava do facto de elas se encaixarem bem nos sarcófagos tradicionais de friso e painel. Soper relatou uma taxa mais alta de certas cenas nas catacumbas cristãs do que nos sarcófagos, incluindo os três jovens na fornalha e a história de Jonas - estes exigindo mais espaço horizontal para mostrar. Embora as restrições de layout possam ser um factor na diferença entre imagens de sarcófago e catacumba, observamos que a maioria dos eventos não milagrosos importantes do Antigo e do Novo Testamento se encaixam igualmente no formato de friso ou sarcófago em painéis. Parece-nos mais provável que o motivo da proeminência das imagens milagrosas não fosse uma questão de formato, mas simplesmente a óbvia; eles eram os mais populares entre os clientes da escultura. Pela evidência dos sarcófagos, parece inevitável que, para as pessoas comuns - aquelas enterradas em sarcófagos ou com simples lajes de sepultura - Jesus era antes de tudo um homem milagroso. Mais interessante ainda, ao contrário de sua representação nos evangelhos, ele era visto como um mágico.

Outras passagens das escrituras são comuns nos sarcófagos. Por exemplo, todas as imagens da entrada em Jerusalém também incluem uma pequena figura olhando para baixo empoleirada numa árvore. Este parece ser Zaqueu, o homem com baixa estatura de Lucas 19: 1. Mas Zaqueu vive em Jericó e não em Jerusalém, pelo menos como a história é contada por Lucas.

Talvez numa contrapartida perdida ao evangelho de Lucas, ou na tradição oral da época, Zaqueu estivesse em Jerusalém. A importância dada a esse carácter incidental de quem até os evangelistas lutam para extrair uma lição é surpreendente.


É possível que, num evangelho alternativo, Zaqueu tenha desempenhado um papel mais significativo.

Outra singularidade menor é a coroa colocada na cabeça de Jesus por um romano. É uma coroa normal, não feita de espinhos e contém um diadema. O romano, cautelosamente colocando a coroa, não parece zombar de Jesus, cujo humor parece mais alegre do que solene.

Em alguns casos, o afastamento das escrituras parece ser uma questão de comodidade artística; isso geralmente assume a forma dum abreviar e destilar uma cena em seus símbolos mais identificáveis. Por exemplo, o gigante monumento dourado de Nabucodonosor é reduzido a algo como uma estátua em tamanho real. Algumas passagens parecem apontar para paralelos pagãos, como Jonas, que, em vez de lamentar, aparece como Endimion, orgulhoso e bonito. O artista pode ter pretendido forçar uma associação entre a história bíblica e um precedente pagão, ou simplesmente ter introduzido inconscientemente elementos pagãos familiares na cena bíblica. Este último parece ser o caso na tradução da negação de Pedro. O galo na coluna é uma imagem que pode ser rastreada de maneira subtil a uma sequência de precedentes pagãos. Mas esse não é o caso das imagens de milagres de varinhas.

Do total de 414 cenas, contamos 68, onde Jesus ou Pedro usam varinhas para realizar milagres. Em algumas outras cenas, Moisés e Ezequiel também usam uma varinha para trazer água de uma pedra ou para ressuscitar ossos secos. Além disso, muito raramente, Jesus carrega uma varinha, mas não a usa para conduzir o poder por contacto. Em nenhum lugar da Bíblia há indicação de que Jesus usaria uma varinha. Alguns afirmam que a varinha é de fato um equipamento de autoridade, mas nos sarcófagos a varinha não aparece com Jesus em nenhum papel de autoridade. O significado de uma varinha teria sido completamente inequívoco nos tempos antigos: era o principal símbolo da magia na arte oriental e ocidental do período. A varinha é um símbolo comum dos cultos romanos de mistério - o mitraísmo em particular - cujos heróis salvadores, como Jesus, realizavam curas mágicas e cujos seguidores formavam intensos laços pessoais com um herói salvador.

O cristianismo moderno diferencia a magia dos poderes divinos, mas esse nem sempre foi o caso. O escritor pagão Celsus, conforme citado pelo escritor cristão Orígenes, perguntou se devemos considerar todos os outros mágicos treinados pelos egípcios como filhos de Deus. Orígenes, em sua diatribe multi-volume contra Celso, não afirmou que a própria magia de Jesus era única. Em vez disso, ele discutiu sobre sua fonte.


A varinha de Jesus está quase sempre presente nas cenas da multiplicação de pães e peixes, mas nunca é usada para curar o cego, o paralítico ou a mulher com problemas de sangue. Essas cenas de cura envolvem o contacto directo do corpo - a imposição das mãos. Margaret Jensen sugere que os primeiros cristãos possam ter visto a cura como uma façanha menos mágica, executável por meros sábios, diferenciando "remédio" de mágica real.

O Jesus bíblico se defende contra a acusação de ser um mágico.Parece improvável que Jesus tenha confundido sua audiência denunciando magia enquanto usava a varinha de um mágico, especialmente se sua mensagem era de que a fonte de seu poder de cura era Deus Pai. Assim, não podemos conciliar certas partes dos evangelhos canónicos com o que vemos nos sarcófagos.

A varinha não era apenas um dispositivo artístico para garantir que os espectadores pudessem identificar o milagre das escrituras que estava sendo mostrado. As cenas de Lázaro, o milagre de Caná e os pães e peixes não exigiam que a varinha permitisse sua associação às histórias bíblicas para alguém que estivesse familiarizado remotamente com as histórias bíblicas. Se fosse esperado que os espectadores reconhecessem cenas menos dramáticas, como o sequestro de Habacuque e Jesus diante de Pilatos, certamente não precisariam ver uma varinha para reconhecer a ressurreição de Lázaro. Parece, portanto, bastante certo que pelo menos os consumidores cristãos típicos de sarcófagos do século IV retratavam Jesus como um mágico - um poder divino, talvez, mas mesmo assim um mágico. Os apologistas argumentaram que essas imagens poderiam ser o produto daqueles à margem da ortodoxia ou dos analfabetos sem acesso em primeira mão às escrituras. Este argumento é fraco em vários aspectos. Primeiro, uma vez que as imagens mágicas são as imagens mais comuns nos sarcófagos cristãos da época, se estavam fora de sintonia com os autores das escrituras ou outros escritos cristãos primitivos, eram os escritores que estavam em posição minoritária e, portanto, fora de sintonia com Crença popular. Segundo, retratos dos falecidos segurando pergaminhos em muitos sarcófagos indicam que eles eram de fato educados e alfabetizados. Finalmente, os camponeses analfabetos não podiam comprar sarcófagos de mármore ornamentado.

Segundo nossa contagem, as duas cenas mais comuns das escrituras que aparecem nos sarcófagos envolvem varinhas. O mais comum é a bem conhecida história de multiplicação de pães e peixes - na verdade, histórias, já que os quatro evangelhos canónicos incluem seis descrições da alimentação da multidão - todos descrevem a alimentação dos 5000 (Mateus 14:17, Marcos 6:37, Lucas 9). : 13, João 6: 7), e apenas Marcos e Mateus incluem os 4000 (Mateus 15:32, Marcos 8.1).


Raising Lazarus, miracle at Cana, multiplication of loaves, and the widow's son

A multiplicação de pães e peixes também aparece em muitos evangelhos apócrifos e é a única história de milagre comum a todos os evangelhos canónicos. O número de cestas representadas nos sarcófagos varia, provavelmente devido a limitações de espaço e composição. Parece haver alguma interacção entre a multiplicação de pães e as cenas eucarísticas, embora estas nunca se correlacionem com a Última Ceia. O número de convidados em todas as cenas da Eucaristia é sete, uma possível referência à aparição pós-ressurreição dos sete discípulos (João 21). Para Clemente de Alexandria, os pães representam a lei judaica "e os peixes significavam a filosofia helénica que foi produzida e movida no meio da vaga dos gentios, dada, por assim dizer, por alimentos abundantes para os que estavam no chão, aumentando a mais, como os fragmentos dos pães, mas tendo participado da bênção do Senhor "(Stromata 6.11.94).

Como a história de milagre mais repetida na Bíblia é a mais comummente mostrada nos sarcófagos, pode ser uma surpresa que a segunda cena mais comum de sarcófago não apareça na Bíblia. Tampouco é mencionado pelos pais da igreja primitiva nos escritos existentes. No entanto, ele aparece no livro apócrifo, Actos dos Santos Processus e Martinianus. Nele Pedro golpeia uma pedra e produz água, ecoando Moisés em Êxodo 17: 6, e depois baptiza seus carcereiros. A tradição cristã romana sustenta que esse evento ocorreu na prisão de Mamertine (Tullianum), no monte Capitolino, em Roma. O destaque dessa imagem e sua ausência na Bíblia sugerem que o cristianismo em Roma era muito menos católico do que o relatado pelos pais da igreja, incluindo Inácio, Irineu, Orígenes e até Eusébio.

Pedro é novamente o assunto da quarta imagem mais comum dos sarcófagos - a cena relacionada de sua captura e prisão, novamente não presente no cânone. Joseph Wilpert concluiu que as imagens da prisão de Pedro foram derivadas da história de sua prisão por Herodes Agripa (Atos 12: 3-19) [[2]]. Isso parece altamente improvável, dado que o milagre da água de Pedro está ausente de Actos, o traje romano de seus carcereiros e a tradição de Pedro em Roma[3]. Além disso, nenhum dos milagres de Pedro que realmente aparecem em Actos aparece nos sarcófagos. Alguns dos milagres de Actos de Pedro fariam esculturas impressionantes, como a ressurreição de Tabita ou o milagroso assassinato de Ananias e Safira.

A tabela abaixo faz a lista das cenas por número de ocorrências. Das cenas listadas acima, 196, ou pouco menos de 50%, incluem Jesus. Setenta e três (17%) retratam Pedro, que sempre usa uma varinha para realizar seus milagres. Dos milagres de Jesus, cerca de 45% incluem o uso de varinhas e 1/3 envolve a cura por contacto directo. Pouco mais de 1/4 das cenas de sarcófago são do Antigo Testamento, incluindo vários livros do Velho Testamento cuja canonicidade é contestada. O livro mais comum do Antigo Testamento representado é Daniel, a base para seis cenas de sarcófago, incluindo 18 imagens (4% do total) de Daniel na cova dos leões. As cenas não presentes na maioria das versões de Daniel, mas presentes nos sarcófagos, incluem o julgamento de Susanna, Habacuque em seu campo, e Bel e o dragão. Estamos excluindo especificamente um grande número de imagens do bom pastor de nossa contagem. Apesar das referências ao evangelho, por exemplo, João 10.11. O uso cristão do pastor em sarcófagos é idêntico ao uso pagão da mesma imagem para caridade, e não pode realmente ser correlacionado a uma história da Bíblia.

Talvez mais interessante do que a frequência das imagens não canónicas seja a ausência de referências a cenas que são centrais no cristianismo moderno. Não há paixão, nem a última ceia, nem a crucificação, nem as aparições pós-ressurreição, nem a anunciação, poucas cenas de presépio, muito poucas imagens de Paulo e nada de Actos dos Apóstolos.

Observadores cuidadosos observarão que a maioria das imagens da visita dos magos ao menino Jesus parte das escrituras em um detalhe importante. Marcos do Evangelho não tem história de magos, mas nos outros evangelhos os sábios seguem uma estrela até o local do nascimento de Jesus. A maioria das imagens do sarcófago mostra um menino Jesus, com a cabeça cheia de cabelos encaracolados, sentado no colo da mãe, com os braços estendidos para receber directamente os presentes oferecidos pelos magos. Em outras cenas da natividade, um boi e um jumento espiam através de uma abertura para Jesus em seu berço. Ambas as cenas se correlacionam com textos apócrifos. No evangelho de Pseudo-Mateus, o boi e o burro são descritos exactamente como aparecem nos sarcófagos. Os cristãos primitivos, sem dúvida, viram essa cena como cumprimento de uma profecia que leram em Isaías 1: 3 ("O boi conhece seu mestre, o jumento a manjedoura de seu dono"). No Proto-evangelho de Tiago, os magos visitam Jesus quando ele tem dois anos de idade. Henry Wansbrough e Thomas Matthews vêem o incidente dos magos não como uma celebração do nascimento de um governante espiritual, mas como uma rendição dos magos a um super mago recém-nascido. Os presentes não são itens aleatórios de alto valor mas são instrumentos que esses magos usavam para lançar feitiços, agora tornados impotentes na presença de magia mais forte. Se estiverem correctos, podemos ver as cenas de visitação dos magos como mais uma referência à conexão entre Jesus e a magia.

Jonas ocupa o quinto lugar em sarcófagos - a cena mais comum do Antigo Testamento. Uma razão dada por escritores antigos e modernos para a popularidade de Jonas é que a história de Jonas é uma metáfora da ressurreição de Cristo. Mateus 12:40 explica Jonas dessa maneira, comparando as três noites de Jonas nos peixes com as três (?) Noites de Jesus no coração da terra. Esta não pode ser a história completa da popularidade de Jonas, no entanto Jonas costuma mostrar-se relaxado, nu na praia depois de ser expulso do peixe, parecendo bastante suave, ao contrário do estado de preocupação que se esperaria com base em Jonas 4: 5. A popularidade de Jonas em repouso é facilmente explicada, no entanto, por sua semelhança com outros heróis na mesma posição nos sarcófagos pagãos contemporâneos. Sileno, Baco, Endimion e Ariana aparecem na mesma pose e em ambientes semelhantes. Endimion, popular nos sarcófagos pagãos, porque seu sono pacífico sob o feitiço de Selene apresenta uma imagem agradável do falecido em repouso, foi sem dúvida um modelo para a imagem de Jonas em repouso.


Jonas na praia (à esquerda) comparado com um Sileno no banquete, ambos de sarcófagos romanos.

A ressurreição de Lázaro (6ª imagem mais comum do sarcófago) é a única cena do Novo Testamento no sarcófago de Jonas. Jensen e outros lêem esta imagem como predizendo a ressurreição de Jesus. Talvez sim, mas como a varinha está sempre presente e a imagem de Lázaro geralmente acompanha outras imagens de milagres de varinhas, é igualmente provável que a imagem de Lázaro celebre os poderes mágicos de cura de Jesus como nas outras cenas em que ele usa uma varinha. Como em muitas outras imagens, a tradução da história de Lázaro parte do texto. Em vez de uma caverna funerária com uma cobertura de pedra, as imagens esculpidas mostram uma estrutura acima do solo com uma fachada comum aos templos romanos. Isso pode simplesmente indicar uma idealização romana do enterro e pode ser influenciado pelo interesse que os romanos antigos tinham em cultos e mitos egípcios mais antigos. Os textos das pirâmides das 5ª e 6ª dinastias sobre a ressurreição de Lázaro também se alinham estreitamente com as imagens do sarcófago. Essa imagem também se refere à história da ressurreição de um homem anónimo no Evangelho Secreto de Marcos, conforme citado em uma carta (autenticidade contestada) de Clemente de Alexandria.

25% das imagens identificáveis  nestes sarcófagos são  cenas do Antigo Testamento. A maioria deles envolve Daniel e Jonas. Isso pode apontar Jonas e Daniel como metáforas da ressurreição de Cristo, embora se possa perguntar por que referências indirectas seriam priorizadas em relação às referências directas. Virtualmente, nenhuma imagem directamente relacionada com a ressurreição aparece. Imagens da tumba vazia e do Cristo ascendido aparecem mais tarde na arte cristã, mas raramente em sarcófagos, particularmente sarcófagos com outras imagens com paralelos nas escrituras. Ernest Cadman Colwell argumentou que cenas comuns de sarcófago, como o sacrifício de Isaac, Noé na arca, Jonas e Daniel, todos, de fato, aparecem no Novo Testamento como referências ao texto do Antigo Testamento. Assim, é possível que essas referências secundárias tenham sido a base para as imagens do sarcófago. Mas isso parece exagerado. Daniel, por exemplo, é mencionado apenas no nome (Mateus 24:15 - menciona a referência de Daniel à abominação da desolação) e talvez uma referência oblíqua em Hebreus aos profetas que calam a boca dos leões. Uma possibilidade é que imagens directamente referentes à crucificação sejam consideradas horríveis demais para o público cristão primitivo. Outra é que os detalhes da ressurreição de Jesus eram desconhecidos ou pouco desenvolvidos na tradição oral e nos escritos do cristianismo primitivo. Os leitores que acham essa perspectiva incrível devem notar que as primeiras versões de Marcos pararam no capítulo 16, não dando explicações sobre a tumba vazia e relatando nenhuma aparição pós-ressurreição. Também vale a pena notar que Clemente de Roma não mostra conhecimento de nenhum dos eventos do Evangelho; ele nunca os menciona.

A popularidade das imagens de Daniel pode resultar da associação com a ressurreição de Jesus, mas elas também podem estar ligadas à magia. O livro de Daniel o descreve como um mágico cuja magia, originada por seu Deus, supera em muito a de todos os caldeus e mágicos da corte de Nabucodonosor.

Pedro usa sempre uma varinha para tirar água da rocha na sua prisão; mas, diferentemente de Jesus, ele também às vezes carrega uma varinha, mas não está no acto de a usar. De acordo com os Actos apócrifos de Pedro, Pedro frequentemente se encontrava em confrontos de mágicos. Ele derrotou seu inimigo fazendo um cachorro falar e ressuscitando um peixe defumado em resposta a um truque de levitação realizado por Simão, o Mago. A posição única de Pedro como portador de varinha em repouso pode afirmar mais do que suas proezas mágicas. Também poderia lembrar aos espectadores que Jesus transmitiu seus poderes e sua autoridade a Pedro. Essa mensagem foi fundamental para a sucessão apostólica, assegurando a posição de Roma como sede da igreja cristã. Um sarcófago parece um veículo estranho para esta mensagem, no entanto, e se tivesse sido planejado pelo escultor, poderia ter sido expresso muito mais directamente.

Argumentos contra o cristianismo pelos pagãos identificaram semelhanças entre Jesus e outros curandeiros lendários da época, incluindo Apolónio de Tiana, Orfeu da Trácia e Asclépio. Assim como Jesus, houve e ainda há debate sobre até que ponto essas figuras foram baseadas em pessoas vivas. Ao contrário do caso de Jesus, não existem imagens dos outros curadores que os mostrem no ato de curar. Se esse tipo de imagem é de fato uma invenção cristã, pode ter contribuído significativamente para a explosão de popularidade do cristianismo na Roma do século IV, um lugar onde parece que os cidadãos se cansaram das imagens impessoais e estáticas dos deuses do estado e estavam sintonizados com descodificação de mensagens codificadas em esculturas.

Paulo aparece em muito poucas imagens. Seu nome está inscrito em um fragmento contendo sua imagem facilmente identificável. Sua aparição neste fragmento corresponde à descrição dele nos Actos não canónicos de Paulo. Wilpert considerou esta peça uma falsificação moderna. Outro fragmento pode conter uma referência aos Actos apócrifos de Paulo e Tecla. O fragmento mostra Paulo comandando um veleiro chamado Tecla. Se essa é realmente uma referência ao mártir, Tecla, em Atos de Paulo, é indirecta. Imagens relacionadas à prisão de Paulo (mencionadas nas epístolas e em Atos) e seu martírio (somente actos não canónicos de Paulo) aparecem raramente, tudo no final do período coberto por esses sarcófagos.

 

Resumo:[4]

Descobrimos que uma alta percentagem de imagens de sarcófago relacionadas a textos das escrituras (canónicas ou não) retratam actos que seriam imediatamente identificados pelos antigos visitantes como mágicos. Os escritos patrísticos reforçam essa visão de Jesus como mágico, mas especificam que seus poderes vieram de uma fonte diferente daquela de outros mágicos. Jesus é a figura mais comum nos sarcófagos, e frequentemente realiza milagres ou actos de magia. O único outro milagreiro do Novo Testamento a aparecer é Pedro, a segunda figura mais comum nos sarcófagos, embora as duas cenas mais comuns de Pedro sejam não-canónicas. O milagre da água de Pedro é a segunda cena mais comum nos sarcófagos, e ele sempre usa uma varinha para seus milagres. A discordância entre as narrativas nos textos existentes e os detalhes das imagens do sarcófago sugere que o pensamento cristão não era tão uniforme quanto sugere a história cristã.

Online Sources

All of the extant ancient writings we examined in relationship to Christian sarcophagi have been organized and formatted for the web by Peter Kirby at earlychristianwritings.com.

General Bibliography

David Cartlidge. Art and the Christian Apocrypha. 2001. ISBN-13: 978-0415233927.

Ernest Cadman Colwell. "The Fourth Gospel and Early Christian Art". The Journal of Religion, Vol. 15, No. 2. (Apr., 1935), pp. 191-206.

Paul Corby Finney. The Invisible God: The Earliest Christians on Art. 1997. ISBN-13: 978-0195113815.

Robin Margaret Jensen. Understanding Early Christian Art. 2000. ISBN-13: 978-0415204552.

Robin Margaret Jensen. Face to Face: Portraits of the Divine in Early Christianity. 2004. ISBN-13: 978-0800636784.

Jensen's books are probably the best sources on Christian art that are easily available. She seems to see Christian art as operating completely outside the realm of Hellenistic art. For example, she explores various theological reasons for Daniel's nudity, including issues surrounding baptism and his prefiguration of the resurrection, yet fails to consider the obvious: Christian sarcophagi were made by Romans. Daniel is both magician and hero. Roman heroes are nude. Voila.

Theodor Klauser. Fruhchristliche Sarkophage in Bild und Wort. Olten, Urs Graf-Verlag, 1966.

Walter Lowrie. Art in the Early Church, Pantheon Books. 1947. ASIN: B000PXTSCI.

Thomas F Matthews. The Clash of Gods: A Reinterpretation of Early Christian Art . 1999. ISBN-13: 978-0691009391.

Matthews's book, dedicated to destruction of what he calls "The Emperor Mystique" argues convincingly against the view that fourth century portrayal of Jesus was derived from Constantine-style political imagery. That view, once popular, is a bit of a straw man today. Matthews also seems to deny the possibility that ancient artisans might be influenced by the appearance or styling of an imperial image without intending to retain or convey any of the meaning behind the original image. Despite this, the book is a great overview of early Christian art.

Morton Smith. Jesus the Magician: Charlatan or Son of God? 1998. ISBN-13: 978-1569751558.

Joseph Wilpert. "Early Christian Sculpture: Its Restoration and Its Modern Manufacture". The Art Bulletin, Vol. 9, No. 2. (Dec., 1926), pp. 89-141.

-- [5]Christ the Magician, A survey of ancient Christian sarcophagus imagery, William Storage and Laura Maish.

 

OS ACTOS DE PEDRO E OS DOZE APÓSTOLOS

Figura 1: Sarcófago colunar do século IV no Museu do Vaticano. (O tema da cura do cego é particularmente recorrente nos sarcófagos cristãos primitivos).

Biblioteca de Nag Hammadi (Códice VI).

Lithargoel respondeu: “Eu quero perguntar a você quem deu o nome Pedro a você?

Ele disse-lhe: "Foi Jesus Cristo, o filho do Deus vivo. Ele deu este nome para mim".

Ele respondeu e disse: “Sou Eu! Reconhece-me, Pedro”! Ele afrouxou a vestimenta que o vestia - aquela na qual ele havia se mudado por causa de nós – revelando-nos, na verdade, quem Ele era. Nós nos prostramos no chão e o adoramos. Nós onze compreendemos, mas Ele estendeu a mão e nos fez ficar de pé. Nós falamos com Ele humildemente, nossas cabeças estavam curvadas em dignidade quando dissemos: “O que o Senhor deseja que façamos? Mas dê-nos poder para fazer o que o Senhor quiser em todos os momentos”.

Ele lhes deu a caixa de unguento e a bolsa que estava na mão do jovem discípulo. Ele os ordenou assim, dizendo: “Retornem para a cidade da qual vocês vieram, que é chamada Habitação. Continuem em perseverança, ensinando a todos os que acreditaram em meu nome, porque tens sofrido nas dificuldades da fé. Eu te darei sua recompensa. Para os pobres daquela cidade, dê o que eles precisam para viver até eu lhes dar o que é melhor, o que eu lhes disse que não lhes darei nada”.

Pedro respondeu e disse-lhe: “Senhor, você nos ensinou a abandonar o mundo e tudo que há nele. Nós o renunciamos por sua causa. O que nos preocupa (agora) é obter comida para um único dia. Onde poderemos encontrar os mantimentos que você nos pede para prover aos pobres?”

O Senhor respondeu e disse: “Ó Pedro, era necessário que você entendesse as parábolas que lhes contei! Você não entende que meu nome, que você ensina, supera todas as riquezas (do mundo), e a sabedoria de Deus ultrapassa o ouro, e prata e pedras preciosas?


Figura 2: Sarcófago de Marcus Claudianus (330-339dc.).

Então Ele lhes deu a bolsa de remédio e disse: “Cure todos os enfermos de todas as cidades que acreditam em meu nome”. Pedro teve medo de responder a ele pela segunda vez. Ele sinalizou para aquele que estava ao lado dele, que era João: “fale você dessa vez”. João respondeu e disse: “Senhor, diante de você, temos medo de dizer muitas palavras. Mas é você quem nos pede para praticar essa «habilidade». Nós não fomos ensinados a ser médicos. Como, então, saberemos como curar corpos como você nos pede?

Ele respondeu: “Você falou bem João, porque eu sei que os médicos deste mundo curam apenas o corpo que pertence ao mundo. Já os médicos das almas, no entanto, curam o coração. Curem os corpos primeiro, para que vejam que vocês possuem poderes reais de curar corpos sem fazer uso de remédios do mundo, e assim eles possam acreditar em vocês, e reconheçam que também possuem poder para curar as doenças do coração.

Quantos aos homens ricos da cidade, no entanto, aqueles que não achavam conveniente nem mesmo para me reconhecer, mas que se deleitavam em sua riquezas e orgulho - com esses, portanto, não janteis em suas casas, nem vos tornais amigos deles, para que sua parcialidade não influencie você, pois muitos nas igrejas têm mostrado parcialidade aos ricos, porque eles também são pecaminosos, e eles dão oportunidade para outros pecarem, mas julgá-los com rectidão, para que seu ministério seja glorificado, e que meu nome também pode ser glorificado nas igrejas”.

Os discípulos responderam e disseram: “Sim, verdadeiramente isto é o que é apropriado fazer”. Eles se prostraram no chão e o adoraram. Ele fez com que eles se levantassem e partissem deles em paz. Amem.

 

Realidade ou não a verdade é que a partir de certo momento os apóstolos começaram a fazer curas e milagres a esmo.

«E, descendo Filipe à cidade de Samaria, lhes pregava a Cristo. E as multidões unanimemente prestavam atenção ao que Filipe dizia, porque ouviam e viam os sinais que ele fazia; Pois que os espíritos imundos saíam de muitos que os tinham, clamando em alta voz; e muitos paralíticos e coxos eram curados. E havia grande alegria naquela cidade. E estava ali um certo homem, chamado Simão, que anteriormente exercera naquela cidade a arte mágica e tinha iludido a gente de Samaria, dizendo que era uma grande personagem; Ao qual todos atendiam, desde o mais pequeno até ao maior, dizendo: Este é a grande virtude de Deus. E atendiam-no a ele, porque já desde muito tempo os havia iludido com artes mágicas. Mas, como cressem em Filipe, que lhes pregava acerca do Reino de Deus e do nome de Jesus Cristo, se baptizavam, tanto homens como mulheres. E creu até o próprio Simão; e, sendo baptizado, ficou de contínuo com Filipe; e, vendo os sinais e as grandes maravilhas que se faziam, estava atónito. Os apóstolos, pois, que estavam em Jerusalém, ouvindo que Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram para lá Pedro e João. Os quais, tendo descido, oraram por eles para que recebessem o Espírito Santo. (Porque sobre nenhum deles tinha ainda descido; mas somente eram batizados em nome do Senhor Jesus.) Então, lhes impuseram as mãos, e receberam o Espírito Santo. E Simão, vendo que pela imposição das mãos dos apóstolos era dado o Espírito Santo, lhes ofereceu dinheiro, Dizendo: Dai-me também a mim esse poder, para que aquele sobre quem eu puser as mãos receba o Espírito Santo. Mas disse-lhe Pedro: O teu dinheiro seja contigo para perdição, pois cuidaste que o dom de Deus se alcança por dinheiro. Tu não tens parte nem sorte nesta palavra, porque o teu coração não é recto diante de Deus. Arrepende-te pois dessa tua iniquidade e ora a Deus, para que porventura te seja perdoado o pensamento do teu coração; Pois vejo que estás em fel de amargura e em laço de iniquidade. Respondendo, porém, Simão disse: Orai vós por mim ao Senhor, para que nada do que dissestes venha sobre mim (Actos 8:9-24)

Quando os apóstolos chegaram à Samaria já Simão Mago era ali um grande «curandeiro» com vários discípulos que o apelidavam de “Aquele poder de Deus que é chamado Grande” (h dunamij tou qeou h kaloumenh Megalh).

Cerca de uma geração depois, Simão começa a aparecer em outros textos: primeiro, nas duas Apologias de Justin Mártir, ambas escritas em meados do século II, e depois em Contra as Heresias de Ireneu e Refutação de todas as heresias de Hipólito entre o final do segundo século e metade do terceiro. A essa altura, o personagem foi baptizado de Simon Magus: Simão "o Mágico". Ele é descrito como “o pai de todas as heresias e o inventor das teologias gnósticas” labirínticas e irremediavelmente equivocadas. O leitor que conhece Simão apenas no Novo Testamento pode se surpreender com a complexidade dos sistemas teológicos "simonianos" descritos por Ireneu e Hipólito.

Não é assim na mente dos heresiologistas. Simão é retratado como a força poderosa e mortal por trás de toda heresia em ação nos tempos dos autores. Justin escreve que, durante o reinado de Cláudio César (ou seja, 41-54 dC.), Simon começou a viajar e pregar na companhia de uma prostituta reformada chamada Helen. Curiosamente, diz-se que Simão descreveu Helena para seus seguidores como o seu "primeiro pensamento", ou ennoia, que é um conceito muito importante nos escritos gnósticos posteriores. Justino continua exortando sua audiência (que inclui ostensivamente o imperador Antoninus Pius) a derrubar uma estátua que foi erguida no Tibre em Honra de Simão e à qual seus devotos prestam homenagem (First Apology, 26)[6].

E é então por esta altura que damos conta da possibilidade de a ficção de Simão Mago ser uma invenção de uma seita judaico-cristã para actuar como uma paródia contra S. Paulo senão mesmo contra Simão Pedro[7]. Nos Actos de Pedro, Crisé, uma mulher rica e adúltera, doa muito dinheiro para o apóstolo. Este o recebe para usar com os pobres”.

Então, no dia do Senhor, quando Pedro discursava aos irmãos e os exortou à fé de Cristo, estavam presentes muitos do senado e muitos cavaleiros e mulheres e matronas ricas, e sendo confirmadas na fé, uma mulher que estava lá, muito rica, que tinha o sobrenome Chryse porque cada vaso dela era de ouro - pois desde o nascimento ela nunca usava um vaso de prata ou vidro, mas apenas de ouro - disse a Pedro: Pedro, servo de Deus, a quem você chama Deus apareceu para mim em um sonho e disse: Crise, leve a Pedro meu ministro dez mil moedas de ouro; porque tu os deves a ele. Por isso os trouxe, temendo que algum mal me fosse causado por aquele que me apareceu, que também partiu para o céu. E assim dizendo, ela depositou o dinheiro e partiu. E Pedro, vendo isso, glorificava o Senhor, para que os que estavam em necessidade fossem revigorados. Alguns, portanto, disseram-lhe: Pedro, não fizeste mal em receber o dinheiro dela? Pois ela é mal afamada por toda a Roma por fornicação por não guardar um só marido, sim, ela mete-se até com os rapazes da sua casa. Portanto, não seja um parceiro da mesa de Crise, mas faça com que o que dela veio seja  devolvido à procedência. Mas Pedro, ouvindo-os, riu-se e disse aos irmãos: Não sei o que é essa mulher no resto de seu modo de vida, mas pelo fato de ter recebido esse dinheiro, não o fiz de maneira tola; porque ela pagou como devedora a Cristo, e o deu aos servos de Cristo; porque ele mesmo os providenciou[8].

 

Quanta à moral, Simão negava toda distinção entre o bem e o mal. Segundo ele os actos não são bons nem maus, os vínculos do matrimónio são uma superstição, a família é uma instituição perversa; todas as suas leis emanaram dos maus anjos. Por isso os discípulos do mago de Gita viviam na mais grosseira devassidão; e ele mesmo levava consigo por toda parte uma mulher chamada Helena, que ele tinha comprado em um prostíbulo e a respeito da qual dizia milhares de sandices. A vergonha do crime, que ele propôs a S. Pedro, esta ligada para sempre a sua memória, e, depois de passados vinte e um séculos, designa-se ainda com o nome de simonia o trafico das coisas espirituais e santas. A arte e as operações mágicas de Simão, reveladas pelos philosophumena, oferecem muita semelhanga com o espiritismo atual e com as tenebrosas evocações dos tempos modemos.

Por esse tempo, suscitou o inferno outro inimigo aos Apóstolos: é Apolónio de Tiana, nascido alguns anos antes de Jesus Cristo. Ele nao tinha doutrina nova e particular. Adotou o sistema de Pitágoras, cujo misticismo exaltado convinha perfeitamente ao seu espírito entusiasta. Fez-se passar por amigo dos deuses e protegeu o culto popular dos ídolos. Dotado de um génio superior, de uma memória sem exemplo, hábil em todas as ciências e artes da Grécia, casto ao menos na aparência, tinha, além disso, uma estatura majestosa e como sobre-humana, uma presença tão cheia de dignidade e um rosto tao formoso que lhe atraía os povos. Conhecendo que a linguagem empática e o entoo costumado dos filósofos, longe de lhes granjear estima e valimento, fazia-os quase sempre ridiculos, exprimia-se de um modo claro e simples, que cativava os corações, conseguindo assim que o recebessem em toda parte com extraordinárias honras e que algumas cidades solicitassem a sua amizade. Nunca o paganismo teve talvez apóstolo mais sedutor.

Até lhe atribuíram atos sobre-humanos. Campeão da idolatria, não seria para admirar que o demônio o protegesse. No combate supremo da verdade com o erro, Satanás, diz Mons. Freppel, reunia todas as suas forças para contrastar com os seus artifícios os efeitos da verdade. Porém esses fatos estão longe de ser certos, porque foram registrados por Damis, de Nínive, seu discípulo e amigo, a quem o filósofo Luciano chama aventureiro indigno de crédito e da menor consideração. O escrito de Damis nem mesmo jé existe, e só dele nos restam alguns fragmentos alterados e ideias vagas, que coligiu, passados mais de cem anos, o sofista Filostrato, “o mais mentiroso dos homens depois de Voltaire”, diz Nonote. -- Padre RIVAUX, Tratado da história eclesiástica, 1876, Brasília: Editora Pinus, 2011.

 

XAMANISMO E TRADIÇÃO RELIGIOSA NO MUNDO

A verdade é que a história antiga nos revela o encontro de duas tradições religiosas distintas no início da história. Uma, matriarcal de origem mediterrânica, ou talvez mais arcaica ainda e de origem africana, centrada nos cultos fálicos da cobra e da deusa mãe sem casta sacerdotal hierarquizada e na qual se enraízam as tradições civilistas e outra, patriarcal centrada no culto dum deus da guerra representado primitivamente pelo veado e depois por animais substitutos de tipo taurino representada pelo xamanismo de que resultaram todas as castas sacerdotais.

Pois bem, foi na promiscuidade do xamanismo com o culto dos ideais guerreiros que surgiu a primeira fundamentação socialmente funcionante do primeiro uso abusivo das drogas enquanto “poções mágicas”. As poções mágicas incidentalmente descobertas pelo xamanismo mais arcaico terão tido na sua composição uma mistura de venenos de que invariavelmente faria parte o veneno das víboras e o suco da «mandrágora»!

 

Ver: PAIXÃO DE JESUS / JESUS, O MANDRAGO (***)

 

A «Poção Mágica» dos druidas, que tinha no «Soma» védico a sua maior analogia, deve ter correspondido a um fenómeno ritual mágico e místico de tal importância sócio-cultural, e de tal antiguidade histórica, que as tradições religiosas não poderiam deixar de forçosamente a ele se referirem.

Figura 3: Possivelmente a representação mais antiga de um xamã siberiano, produzida pelo explorador holandês Nicolaes Witsen, que visitou a área no início da década de 1690. Este xamã, que estava em Tunguska, é descrito na legenda como um padre do diabo. Data: 1692[9].

A investigação do papel das drogas, enquanto substâncias psico-modificadoras dos estados de consciências, na criação das mitologia místicas dos primórdios das religiões xamânicas está longe de ser um terreno livre de tabus e de preconceitos morais mas, vai dando os seus frutos!

Desde logo porque permitem aceitar que o fenómeno das drogas e da toxicodependência só na aparência pode ser considerado um exclusivo da modernidade. De facto, se algo existe de inteiramente original no fenómeno actual da toxicodependência, para além do termo, é a massificação do fenómeno pelo refinamento da produção de drogas e a perigosa democratização dos consumos. Em qualquer dos caso, já tinha sido a procura de melhores acessos aos mercados orientais de drogas que tinham levado os portugueses “à descoberta do caminho marítimo para a Índia”» e, não será que, já na altura, a nomeada da pimenta constituía um disfarce para outras especiarias mais raras e perigosas como seria o caso do ópio?

Pois bem, O Soma védico tem sido considerado um derivado de certos cogumelos e fungos alucinogénio. Como seria de excreção urinária preferencial, e as renas se alimentavam destes fungos ou cogumelos alucinogénios, para os quais as renas acabam por adquirir, parece, uma particular apetência, o consumo da urina deste animal tornou-se numa fonte xamânica de produção de poção magica! Daí até à divinização do veado como *Elphian foi um passo reforçado pelo aspecto fálico do cogumelo mágico cuja sopa era fonte do divino «Soma», primeiro na qualidade de «sumo» urinário de renas dependentes de fungos alucinogénios e depois como essência de perigosas ervas medicinais ou como mero vinho ou cerveja, pelo menos antes da sua vulgarização, e depois como «destilado mágico» e alcoólico de bebidas fermentadas.

Pois bem, a evolução natural da pesquisa alimentar teria que esbarrar necessariamente com os venenos naturais dos quais os animais estão livres por instinto ou resistência genética. É óbvio que os alimentos venenosos eram nefastos e até mesmo mortais pelo que tiveram que ser criados mecanismos socio-culturais de prevenção dos riscos da sua ingestão pelo que talvez tenha sido a partir desta necessidade socialmente básica que se tenham começado a instituir os primeiros cuidados primários de saúde na forma, obviamente mais espontânea do que institucional, de magia xamânica.[10]

De facto, aquilo que não é de aceitação comum redundava em excepção que teria que ser socialmente gerida. Esta primitiva gestão cultural dos riscos alimentares serviu por um lado para a criação da primeira instituição cultural de saber de base sanitária que foi a magia xamânica que obviamente teria tanto que fazer em termos de prevenção de riscos de intoxicação alimentar quanto de cuidados, senão curativos pelo menos paliativos. Ora, foi esta função terapêutica do xamanismo sobre os envenenamentos acidentais por contacto com animais (particularmente cobras) e alimentos naturais, seguramente mais frequentes em tempo de carestia e fome como era ainda à bem poucos anos o caso do ergotismo por ingestão de centeio contaminado pela cravagem, que levou à possibilidade da investigação empírica dos efeitos colaterais dos venenos cujo aspecto mais revolucionário terá sido a descoberta intuitiva do quanto a relação dose efeito da ingestão de certos produtos naturais pode marcar a fronteira entre a vida e a morte, seja em termos de veneno, seja de cura medicinal, aspecto este que marcou decisivamente o triunfo definitivo da magia xamânica como pedra angular do cultura humana, de que tanto a religião quanto a medicina e a maioria dos saberes técnico-científicas são os naturais herdeiros.

Possivelmente a principal preocupação dos primeiros curandeiros foi com as cobras, de que as víboras são a espécie venenosa mais frequentes no clima mediterrânico, que levaram por um lado a que o culto da serpente fálica *O-Phian tenha sido a mais antiga prática religiosa instituída com início nas ilhas mediterrânicas de Malta e Creta e, por outro, ao facto de ainda hoje a medicina se reportar simbolicamente ao “caduceu” em provável homenagem ao mais antigo dos curandeiros que terá sido alguém que curou uma mordedura de cobra ou alguém que aprendeu por sua conta e risco a utilizar o seu veneno com fins terapêuticos.

Ao saber empírico, quase sempre de trágica experiência feito, seguiu-se inevitavelmente o da descoberta e uso dos venenos, e logo o abuso pela possibilidade dos envenenamentos criminosos que tanto papel tiveram na política antiga e tanto contribuíram para o poder e prestígio dos bruxos das cortes. Porém, em termos mais sensatos e comuns, a descoberta do saber empírico das ervas levou tanto à medicina natural, de que as modernas medicinas alternativas são os herdeiros fósseis, quanto à superstição, ao charlatanismo e à bruxaria. Claro que nos primórdios da civilização a fronteira entre os aspectos positivos da bruxaria eficaz e do puro delírio mágico eram ténues. Porém, a existência duma ritualidade exercida com convicção e mestria faziam da magia um assunto socialmente tão sério à época da pré-história quanto hoje o é o exercício competente de qualquer arte e saber.

Quando o prestigio excessivo duma arte leva à sua vulgarização por gente sem vocação nem génio perde-se o lado criativo e de “magia branca” dessa arte que se degrada em ritualismos ocos de “magia cinzenta” e ineficazes por falta de autenticidade na sua expressão ou mesmo perigosamente “negra e mortal”, na sua forma venenosa e mortal. Como é sempre isto que acontece em épocas de transição de fase histórica, foi este aspecto degradante em que caíram velhos e outrora prestigiados institutos que levaram à imagem negativa da bruxaria e do xamanismo antigo nos tempos do helenismo tal como depois foi esta a imagem que o paganismo veio a ter com o advento do cristianismo.

Ora, do mesmo étimo derivaria o epíteto Ismeniano de Apolo, aliás relacionado comEshmun também um deus da medicina comoApolo.

Conta o mito que Eshmoun era um jovem de Beirute amante da caça. A deusa Astarte apaixonou-se por ele, mas este para escapar aos avanços da deusa emasculou-se e morreu. Astarte devolveu-o à vida na forma de um deus. A lenda diz também que a aldeia de Qabr Shmoun, perto de Beirute, ainda preserva a memória do túmulo do jovem deus. Conhecido principalmente como um deus de curas, a morte e ressurreição de Eshmoun também lhe deram o papel de deus de fertilidade que morre e anualmente ressuscita.[11]

É óbvio que Apolo Esménio seria uma variante grega deste deus Paião, xamânico e castradoe sobretudo do arcaico deus menino solar cretense *Atmino / Ashmino precursor etimológico de todos os deuses de morte e ressurreição solar e deuses dos castrados e meninos que nunca crescem nem perdem a inocência e virgindade como grande parte dos santos ascetas cristãos.

Estes cultos arcaicos e animalescos a deuses pascais e de iniciação guerreira estão na origem do xamanismo de que os pajé brasileiros são herdeiros.


Figura 4: Postal russo baseado em uma foto tirada em 1908 por S.I. Borisov, mostrando uma mulher xamã provavelmente da etnia Khakas.

O xamanismo é um termo genericamente usado em referência a práticas etnomédicas, mágicas, religiosas (animista, primitiva) e filosóficas (metafísica), envolvendo cura, transe, supostas metamorfoses e contato direto entre corpos e espíritos de outros xamãs, de seres míticos, de animais, dos mortos, etc. (…) A palavra xamã vem do russo, tungue saman corresponde à práticas dos povos não budistas das regiões asiáticas e árticas especialmente a Sibéria (região centro norte da Ásia). Outros nomes para sua tradução seriam feiticeiros, bentos, magos, curandeiros e pajés.

(…) As variações "culturais" são muitas mas, em geral, o xamã pode ser homem ou mulher, a depender da cultura, e muitas vezes há na história pessoal desse indivíduo um desafio, como uma doença física ou mental, que se configura como um chamado, uma vocação. Depois disto há uma longa preparação, um aprendizado sobre plantas medicinais e outros métodos de cura, e sobre técnicas para atingir o estado alterado de consciência e formas de se proteger contra o descontrole.

Esta forma de religiosidade seria a mais natural e comum do homem paleolítico e depois do neolítico rural antes das influências especulativas uniformizadoras dos grandes templos neolíticos. O facto de os xamãs serem mulheres e usarem o tambor de Cibele nas suas danças de encantamento sugere a possibilidade, mais do que provável, de terem acabado nos da deusa mãe anatólica que já seriam os mesmos de Creta. Assim o xamã não seria o homem do chá medicinal mas aquele que estaria próximos dos espíritos curativos dos animais psicopompos, do fumo e do vento.

De acordo com uma primeira hipótese, a palavra provém de sam, uma raiz altaica que significa "ser agitado pela agitação dos membros posteriores". Saman é de fato uma palavra da língua Evenki que significa "dançar, pular, agitar, ser agitado". Nos dialetos de Evene, diz-se que "xamã" é xamān ou samān. Ojun, uma palavra que designa o xamã entre os Yakuts também evoca a ação de "pular, pular, brincar". O equivalente turco é kam, do qual deriva o russo kamaljit, "shamanize" e kamlanie, "sessão xamânica". Esses termos associam, de acordo com Roberte Hamayon, o xamã com uma imitação de comportamentos de espécies animais, em particular aquelas que são caçadas: o cervo e o galináceo.

 Outra hipótese etimológica o liga a šaman, uma palavra de Manchu-Tungus que significa "quem sabe".

Semindeus < Eshmun < *Ash-Min > Ashman > «Xamã».

Sha man < Ka man = mana da(s) alma(s) > «i-manente».

I(a) man < Ha man < Sha man > Fla men > Bra man.[12]

A bowl newly discovered in Alexandria, Egypt, and dated to the period from the late second century BCE to the early first century CE bears an engraving that may be the world’s earliest known reference to Jesus Christ. The engraving reads dia chrstou ogoistais, translated by the excavation team as “through Christ the magician.” According to French marine archaeologist Franck Goddio, co-founder of the Oxford Center of Maritime Archaeology, and Egyptologist David Fabre, the phrase could very well be a reference to Jesus Christ, since he was one known as a primary exponent of white magic.[13]

The claim that Jesus' miraculous activity was merely magical is a widely reported Jewish polemic. Justin accuses the Jews of such a charge: Yet when they saw these things come to pass they said it was a display of magic art, for they even dared to say that He was a magician and deceiver of the people.

Celsus brings up the subject several times. The first time, the Jew only concedes for the sake of argument that Jesus did miracles: Well, let us believe that these (miracles) were actually wrought by you … (the

Jew then compares Jesus' miracles to the tricks of magicians) …. Since, then, these persons can perform such feats, shall we of necessity conclude that they are "sons of God," or must we admit that they are the proceedings of wicked men under the influence of an evil spirit?

Later he argues against the Christians' claim that the miracles indicate Jesus' deity: Jesus in your Gospels warns about those who will follow doing similar miracles but being wicked. How then are his works evidence of his divinity?

En ella se burla de Jesucristo, diciendo que habría sido hijo de una judía amancebada con un soldado romano, que habría practicado la magia que aprendió en Egipto y que por eso se ganó unos cuantos discípulos de entre la plebe más miserable y digna de compasión. Sin embargo, para Celso el argumento más fuerte en contra de Cristo es su humillante muerte en la cruz, absolutamente indigna de una divinidad. Compara luego los relatos de la resurrección con los que circulaban de otros personajes de la cultura griega. -- Discurso sobre la verdad de Celso.

“On the eve of the Passover Yeshu was hanged. For forty days before the execution took place, a herald went forth and cried, ‘He is going forth to be stoned because he has practiced sorcery and enticed Israel to apostasy. Any one who can say anything in his favour, let him come forward and plead on his behalf.’ But since nothing was brought forward in his favour he was hanged on the eve of Passover.” -- The Babylonian Talmud, trans. I. Epstein (London: Soncino, 1935), 27:281.

Se a crença no disparate não torna o absurdo viável pelo menos permite desviar a atenção dos desígnios dos mistérios ocultos por detrás do engenho e da arte humana e fazer a fortuna dos que se ficam pelas artes mágicas! Hoje em dia a magia será uma arte menor e inócua, tanto de espectáculo feita quanto de suor científico e tecnológico, quão ainda de esmerado artifício de prestidigitação, mas em tempos antigos ela seria a máxima expressão do engenho e do saber humano que reuniria todas as capacidades humanas natas e adquiridas, desde o génio e carisma pessoal até ao saber de experiência feito e muito de longamente apreendido por iniciação secreta, transmitida de forma unipessoal. Jesus era mais do que um mero feiticeiro de província pois era um mestre e um candidato messiânico essénico ou seja um sumo-sacerdote imbuído da tradição persa com a qual os essénicos se relacionavam, como o atesta a tradição mandeiena.

Mateus, Os magos do Oriente. 2 1 E, tendo nascido Jesus em Belém da Judeia, no tempo do rei Heródes, eis que uns magos vieram do Oriente a Jerusalém, 2 e perguntaram: Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? Porque vimos a sua estrela no Oriente e viemos a adorá-lo. 3 E o rei Heródes, ouvindo isso, perturbou-se, e toda a Jerusalém, com ele. 4 E, congregados todos os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo, perguntou-lhes onde havia de nascer o Cristo. 5 E eles lhe disseram: Em Belém da Judeia, porque assim está escrito pelo profeta: 6 E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as {ou príncipes} capitais de Judá, porque de ti sairá o Guia {ou Governador} que há de apascentar o meu povo de Israel. 7 Então, Heródes, chamando secretamente os magos, inquiriu exactamente deles acerca do tempo em que a estrela lhes aparecera. 8 E, enviando-os a Belém, disse: Ide, e perguntai diligentemente pelo menino, e, quando o achardes, participai-mo, para que também eu vá e o adore. 9 E, tendo eles ouvido o rei, partiram; e eis que a estrela que tinham visto no Oriente ia adiante deles, até que, chegando, se deteve sobre o lugar onde estava o menino. 10 E, vendo eles a estrela, alegraram-se muito com grande júbilo. 11 E, entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, o adoraram; e, abrindo os seus tesouros, lhe ofertaram dádivas: ouro, incenso e mirra. 12 E, sendo por divina revelação avisados em sonhos para que não voltassem para junto de Heródes, partiram para a sua terra por outro caminho.

Obviamente que esta história pode ser apenas um pálido reflexo da acção dos serviços de informação de sacerdotes magos, com os quais os dissidentes essénicos teriam amistosas relações, sobre o nascimento do candidato essénico judeu e o possível cruzamento destas com a contra-informação de Herodes. Este teria em relação a estes dissidentes a mesma antipatia política que já vinha do tempo dos Macabeus desde que estes se afastaram e afirmaram como linha sadoquista do acesso ao sumo sacerdócio, o que, é quase seguro, iniciou o aparecimento autónomo do messianismo essénico.

A história mitológica da “visita dos reis magos” a Belém é substituída em Lucas pela dos pastores pelo que é quase seguramente uma colagem retórica tardia de piedosos cristãos que queriam que Jesus rivalizasse com o presépio de Mitra mas o facto de ela ter sido aceite no mais clerical dos evangelhos só prova que não repugnava aos primeiros cristãos que Jesus tivesse tido no berço boas relações com reis e magos vindo do oriente. Tal como os pictos e os godos a norte, a Pérsia, eterna rival dos gregos, foi a ocidente um dos únicos povos das suas fronteiras que os romanos nunca conquistaram e, portanto um inimigo natural deste império, pelo que teria sido arriscado ao evangelista ou aos sensores posteriores de Mateus, terem explicitamente identificado os magos com a pérsia. Aliás, toda a questão judaica da época romana anda mal interpretada pela simples razão que passa sempre inadvertido o facto de que, se a linha de clivagem da fronteira oriental do império romano não passava pela Judeia, teria neste povo fortes aliados que vinham do tempo de Ciro.

“Ora os nossos antepassados construíram este templo na fortaleza de Elefantina nos tempos idos do reino de Egipto, e quando Cambises veio para o Egipto já ele o encontrou construído. Eles (os persas) derrubaram todos os templos dos deuses de Egipto, sem que ninguém causasse qualquer dano a este templo".[14]

Obviamente que o estatuto real é um típico exagero ao estilo de Mateus. Porém, os “reis magos” nunca poderiam ter sido senão emissários do rei da Pérsia porque magos eram os mais altos sacerdotes da cultura avéstica de que o cristianismo herdou grande parte da liturgia solar, não apenas por mera cópia do mitraísmo mas porque este teria influenciado naturalmente alguns ramos esotéricos judaicos aquando do cativeiro babilónico. De resto, há tradições apócrifas, senão mesmo falsas, que referem que Jesus foi educado por orientais tendo mesmo aprendido a cultura hindu.

10 When Issa had attained the age of thirteen years, the epoch when an Israelite should take a wife, 11 The house where his parents earned their living by carrying on a modest trade began to be a place of meeting for rich and noble people, desirous of having for a son-in-law the young Issa, already famous for his edifying discourses in the name of the Almighty. 12 Then it was that Issa left the parental house in secret, departed from Jerusalem, and with the merchants set out towards Sind, 13 With the object of perfecting himself in the Divine Word and of studying the laws of the great Buddhas. -- The Life of Saint Issa, BEST OF THE SONS OF MEN[15]

The first Muslim writer known to have included the tradition of Jesus having traveled to India in his youth with the tradition that he, as Yuz Asaf, had traveled in southwest Asia in the latter half of the first century, was the 10th-century historian, Shaikh Al-Said -- 41. Shaikh A-Said-us-Sadiq, Kamal-ud-Din (Iran:Syed-us-Sanad Press, 1782) 357-358. See K. N. Ahmad, Jesus in Heaven on Earth, 365-366.

No entanto, a tradição rabínica aponta para a possibilidade de Jesus ter aprendido magia no Egipto o que pode ser uma forma de estes dizerem que Jesus era um terapeuta essénico e, quem sabe, um aluno de Filo. Obviamente que, como este expoente eminente do platonismo judaico de Alexandria foi sempre um judeu ortodoxo, apesar de ter sido mais tarde idolatrado pelos doutores da Igreja, este nunca terá encontrado relevância neste dissidente essénico, razão porque não se refere a ele nos seus escritos o que muito irrita os historiadores jesuítas e muito alegra os que negam a historicidade de Jesus. Quanto às relações de Flábio Josefo com Jesus o melhor é estudar o assunto em momento próprio!

 

Ver: FLÁBIO JOSEFO E JESUS (***)

 

According to Philo, a learned writer of the first century A.D., there had existed for many centuries before that date communities called Essenes, very learned bodies of students, whose chief characteristics were love of God, love of virtue, and love of mankind; and their methods of demonstrating these virtues made them greatly beloved. Within this outer body was an inner School called Therapeutæ, or wisdom-lowers, who devoted themselves to the study of the super- and sub-physical Nature, and to the understanding of the highest elements of health for both souls and bodies. (Fragments of a Faith Forgotten, by G. R. S. Mead. p. 66.)

Quem terá sido no Egipto o mestre de Jesus uma vez que a tradição rabínica deixou bem claro na sua tradição, durante muito tempo oculta dos cristãos por receio da inquisição mas hoje disponível para todos, que Jesus aprendeu magia no Egipto?

Quando João [Hircano?] matava os rabinos, Yehoshua ben Perachiah e Yeshu fugiram para Alexandria no Egipto. Quando depois veio a paz o rabino Shimeon ben Shetach mandou chama-lo (...) Yeshu partiu, pegou numa telha e se inclinou diante dela [adorando-a?]. (…) Yeshu [o Nazoreo] praticava magia e enganou e conduziu Israel para fora do caminho certo. Talmud Shabbat 107b, Sotah 47a.

João Hircano, se deste se trata, viveu 100 anos antes do suposto nascimento oficial de Jesus e esta afirmação do talmude judaico pode assim estar ferido de morte em termos de fidedignidade. No entanto há quem, do lado cristão também considere que Jesus pode ter nascido 100 anos antes do que se supões e quem, por outros lados, aceite que o talmude possa nesta, como todos os textos antigos noutras passagens, ter feito confusão com o “mestre da disciplina” dos essénicos de que falam os rolos do mar morto. No entanto, o Talmude diz-nos que este facto ocorreu depois do reinado de João Hircano mas não necessariamente logo depois podendo o facto ter-se mesmo reportado a data incerta posterior ao reinado de Hircano II o que começa a aproximar-se do tempo de Jesus. O interessante é verificar que Shimeon ben Shetach pode ter sido Simeão do evangelho de Lucas.

Lucas, 2: 25 Havia em Jerusalém um homem cujo nome era Simeão; e este homem era justo e temente a Deus, esperando a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava sobre ele. 26 E fora-lhe revelado pelo Espírito Santo que ele não morreria antes de ter visto o Cristo do Senhor. 27 E, pelo Espírito, foi ao templo e, quando os pais trouxeram o menino Jesus, para com ele procederem segundo o uso da lei, 28 ele, então, o tomou em seus braços, e louvou a Deus, e disse: 29 Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo, segundo a tua palavra, 30 pois já os meus olhos viram a tua salvação, 31 a qual tu preparaste perante a face de todos os povos, 32 luz para alumiar as nações e para glória de teu povo Israel. 33 José e Maria se maravilharam das coisas que dele se diziam. 34 E Simeão os abençoou e disse à Maria, sua mãe: Eis que este é posto para queda e elevação de muitos em Israel e para sinal que é contraditado 35 (e uma espada traspassará também a tua própria alma), para que se manifestem os pensamentos de muitos corações.

O judaísmo oficial continha na sua tradição o ódio herdado de Akenaton às práticas de magia que o, reconhecidamente supersticioso povo egípcio praticava de forma generalizada! Porém, que Jesus praticaria magia branca parece seguro porque só assim se explica grande parte da sua fama de taumaturgo e uma parte do seu receio inicial em que os seus poderes fossem conhecidos das autoridades judaicas registado nas constantes manifestações de secretismo típicas do evangelho de Marcos. Porem, que Jesus adorasse uma telha parece pouco plausível e não passar de mera calúnia irónica uma vez que não se encontraram tais práticas entre os essénicos. Que podemos nós saber das voltas metafóricas que os rabinos davam aos seus textos cabalísticos quando “estavam com a telha” de maldizer dos cristãos que os maltratavam abaixo de cão? No entanto, não podemos afirmar que sabemos tudo sobre as praticas religiosas dos essénicos, em muitos aspectos pouco ortodoxas mas a tradição trinitário dos cristãos pode ser uma variante do culto a Dosares, o deus bétilo dos nabateus, em tudo semelhante ao deus salvador Osiris que seria afinal a entidade que teria servido de paradigma para a mística salvífica dos cristãos!

Dhu-Shara (Dhushara) = Nabataean deity Anu and Ishtar's son. He despairs and will not attack Anzu after Anzu has stolen the Tablet of Destinies from Ellil. The Mother-goddess of the Nabataeans, Allat, identified with Core by the Greeks, is essentially the North Semitic Ashtart, and the Babylonian Ishtar.

Dosares (lit. “o deus Ares, ou Eros”) era efectivamente Shara, o filho de Istar e Anu, ou seja o “deus menino”, filho de Deus, o deus do amor com que Jesus se veio a identificar ao ponto de os seus seguidores o tomarem por sua encarnação! Na verdade, a teologia atribuída pelos gnósticos a Jesus é de facto um pouco mais politeísta do que o supõe a tese de que no fundamental Jesus teria sido um judeus comum em tudo semelhante a grande parte dos fariseus a que a sua doutrina moral se assemelharia no essencial. Esta tese que será do agrado dos cristãos ortodoxos está, possivelmente muito mais longe da verdade profunda dum Jesus que praticava com os seus discípulos uma doutrina esotérica de mistérios e, em público uma doutrina politicamente correcta, no mínimo próxima do melhor que havia no judaísmo farisaico, embora andasse sempre a embirrar com os fariseus, o que deveria fazer pensar os cristãos de que Jesus seria muito menos ortodoxo de que se gostaria que fosse.

The Pharisees believed in a mixture of predestination and free will (in contradistinction to the Essenes, who were strict believers in predestination) The Pharisees had great popularity with the masses. They believed in the importance of oral tradition, in addition to the written Law of Moses. The believed in an afterlife in which the virtuous are rewarded and the evil are punished. With a few exceptions (Daniel 12, for example), this doctrine is not present in the Old Testament.

 

Ver: OSÍRIS (***)

 

Rabbi Abahu disse: Se um homem vos disser: “Sou Deus” é um mentiroso; se disser: “sou filho do homem” a gente acabará por se rir dele; se disser: “subirei ao céu” di-lo-á mas não o cumprirá. Talmud, Jerusalem Taanith 65 b.

Não sabemos se esta identificação com a divindade terá sido explícita na mente do próprio Jesus ou propalada pelos discípulos a partir de interpretações erradas da sua qualidade de “filho de Deus” mas sabemos que esta suposta identidade de Jesus como Deus foi criticada pelos judeus desde muito cedo fazendo parte da peça acusatória da paixão de Jesus.

Os judeus replicaram: "Se realizasse suas curas honestamente, não seria mal maior; mas para fazê-las usa a virtude de Belzebu, príncipe dos demónio, expulsa a estes e a todos que lhes são submissos", Disse-lhes Pilatos: "Isto não é tirar os demónio pela virtude de um espírito imundo, mas sim pela virtude do deus Esculápio". -- Evangelho de Nicodemus (Atos de Pilatos).

Ora, é bem mais lógico confiar nas improbabilidades naturais, de que a magia é feita, do que ter fé em impossibilidades metafísicas gratuitas!

Obviamente que, por definição, a existirem, os milagres absolutos deveriam ser totalmente óbvios e clarividentes e nunca deveriam necessitar de crentes voluntariosos para os promoverem nem de truques lógicos para os defenderem como mistérios insondáveis de fé. De facto, pensar que Deus possa necessitar da ajuda humana para se justificar é uma blasfémia contra a omnipotência divina!

Enquanto a crença no miraculoso se limitar a factos quase improváveis, mas ainda assim plausíveis, até podemos aceitar que uma definição relativista da impossível possa coexistir com milagres tanto nos limites do razoável quanto no plano da fé! Admitir impossibilidades metafísicas que pretendam subverter as constantes absolutas da ordem física como qualquer uma que, por exemplo, implicasse a possibilidade do “motor eterno” é nem mais nem menos do que transformar o absurdo em critério de fé e isso é lá para quem quiser padecer de “loucura divina” e acreditar em soluções sobrenaturais para as dificuldades da existência mas não para uma pessoa de bom senso nem sequer de senso comum. Quem tem a lucidez de permanecer com os pés bem assentes no chão enquanto se tiver que viver neste mundo das impiedosas leis naturais, sabe também que o milagre absoluto deve ficar reservado para depois da morte!

Na verdade, de todas as leis física conhecidas, a da “morte térmica por entropia termodinâmica” é a mais inexorável pelo que a crença numa ressurreição física literal implica muito mais “loucura divina” e “pecado contra o espírito santo” do que acreditar na transgressão da lei biológica da “omnia célula ex célula” perpetrado pelo dogma a virgindade perpétua de Maria!

Ignorar que, factos muito antigos e mal documentados serão, só por si, de historicidade controversa e que, em particular, a polémica crucificação de Jesus esteja acima de qualquer suspeita de incorrecção técnica é de facto dogmática pastoral de “má-fé” e não é nem sabedoria nem saber de ciência feita! O erro principal da argumentação apostólica tradicional é o de esta utilizar a ciência e a lógica apenas enquanto esta se presta a entorses oportunas que justifiquem os dogmas que professa esquecendo a probidade intelectual e o amor `a verdade que impõe a obrigação de levar a racionalidade até às últimas consequências e o uso rigoroso de toda a ciência experimental disponível. Porém, contrariar a razão e ir contra a sabedoria é “pecado contra o espírito santo” e isso não tem perdão entre gente de “boa fé”!

Depois, há que ser minimamente honesto de entendimento e reparar que a probabilidade de Jesus ter sobrevivido à cruz é afinal duma alta probabilidade já que as 3 horas que Jesus esteve nela não terão sido suficientes para lhe provocarem a morte! De resto, Jesus seria uma pessoa robusta como soía acontecer ao comum dos mortais sujeitos à rudeza da Palestina do seu tempo. Por outro lado, mestre como seria nas artes de curar natural seria que Jesus se tivesse preparado com mezinhas naturais para a provação da paixão! Ora, há nos Evangelhos provas bastantes de que isso aconteceu no “Getsémani”!

 

Ver: GETSÉMANI (***)

 

Os Essénios já utilizavam plantas de poder em rituais de iniciação e para cura denominando-se por isso terapeutas.

O nome Essênios deriva da palavra egípcia Kashai, que significa “secreto”. Na língua grega, o termo utilizado é “therepeutes”, originário da palavra síria “asaya”, que significa médico.

Eram excelentes médicos também. Em cada parte do mundo onde se estabeleceram, eles receberam nomes diferentes, às vezes por necessidades de se proteger contra as perseguições ou para manter afastados os difamadores. Mestres em saber adaptar seus pensamentos às religiões dos países onde se situavam, agiram misturando muitos aspectos de sua doutrina a outras crenças. O saber mais profundo dos essênios era velado à maioria das pessoas.

Foram fundadores dos abrigos denominados “beth-saida”, que tinham como tarefa cuidar de doentes e desabrigados em épocas de epidemia e fome. Os beth-saida anteciparam em séculos os hospitais, instituição que tem seu nome derivado de hospitaleiros, denominação de um ramo essênio voltado para a prestação de socorro às pessoas doentes.

 

A CURA DA CRIANÇA EPILÉPTICA

Marcos, 9: 14 E, quando se aproximou dos discípulos, viu ao redor deles grande multidão e alguns escribas que disputavam com eles. 15 E logo toda a multidão, vendo-o, ficou espantada, e, correndo para ele, o saudaram. 16 E perguntou aos escribas: Que é que discutis com eles?

Que disputavam os escribas com os discípulos de Jesus? Nenhum sinóptico se atreveu a regista-lo mas seguramente que a situação não estava a ser agradável para os discípulos que acabavam de ter um dos seus primeiros fracassos na prática de processos de magia em nome de Jesus, ou seja, de acordo com os ensinamentos inovadores da escola terapêutica alexandrina que o mestre lhe andava a ensinar mas que os tradicionalistas judeus ainda desconheciam e, seguramente censuravam.

Marcos, 9: 17 E um da multidão, respondendo, disse: Mestre, trouxe-te o meu filho, que tem um espírito mudo; 18 e este, onde quer que o apanha, despedaça-o, e ele espuma, e range os dentes, e vai-se secando; e eu disse aos teus discípulos que o expulsassem, e não puderam. 19 E ele, respondendo-lhes, disse: Ó geração incrédula! Até quando estarei convosco? Até quando vos sofrerei ainda? Trazei-mo.

Como qualquer mortal, seguro na eficácia inovadora do seu saber terapêutico, Jesus perdeu a estribeiras, quiçá porque os antecedentes políticos que levaram a esta segunda predição da paixão não seriam os mais agradáveis. Jesus teria acabado de saber que andava a ser vigiado e perseguido pelos poderes do Templo e isso deve tê-lo deixado preocupado. Então, mais uma vez igual o seu melhor estilo de liderança, dirigindo-se seguramente para os escribas gritou indignado: “O geração incrédula, até quando vos terei de suportar (a ignorância)? Durante quanto tempo mais me ireis aborrecer (com a vossa arrogante estupidez)?

De certo modo, Jesus demonstra que, quando lhe falaram numa criança possessa dum “espirito mudo” nas condições descritas por Marcos (onde quer que o apanha, despedaça-o, e ele espuma, e range os dentes, e vai-se secando), soube imediatamente pela idade e pelos restantes sintomas que este não seria mais um caso de possessão demoníaca delirante de tipo psicótico esquizofrénico ou de histriónica mediunia por ser uma forma evidente de grande mal epiléptico!

Marcos, 9: 20 E trouxeram-lho; e, quando ele o viu, logo o espírito o agitou com violência; e, caindo o endemoninhado por terra, revolvia-se, espumando.

Na verdade, hoje em dias a maioria dos epilépticos andam medicamente controlados e começam a ser raros os ataques aparatosos de “grande mal” mas, até há bem pouco tempo não seria preciso pesquisar um qualquer dicionário de saúde ou medicina para saber que o endemoninhado do versículo 9:20 de Marcos era um epiléptico a quem a súbita emoção de se encontrar com o famoso Jesus terá desencadeado um novo ataque.

A Epilepsia como uma entidade foi reconhecida até certo ponto desde os tempos de antigo Egipto, mas foi com Hippocrates (400 A.C.) e Galen (+175 D.C.) que um pouco de conhecimento organizado desta doença se começou a acumular.

Epilepsy was well known in ancient times, and was regarded as a special infliction of the gods, hence the names morbus sacer, morbus divas. It was also termed morbus Herculeus, from Hercules having been supposed to have been epileptic, and morbus comitialis, from the circumstance that when any member of the forum was seized with an epileptic fit the assembly was broken up. Morbus caducus, morbus lunaticus astralis, morbus demoniacus, morbus major, were all terms employed to designate epilepsy.

Claro que Jesus, que era um terapeuta alexandrino mas não um médico helenista da escola hipocrática, não se poderia rever nas opiniões de Hipócrates a respeito da epilepsia no seu “tratado sobre a doença sagrada”, apesar de estas antecederam o cristianismo em cerca de 5 séculos, precisamente pelas razões ali apontadas Os primeiros homens a sacralizaram esta enfermidade parecem-me ser os mesmos que agora são magos, purificadores, charlatães e impostores, todos os que se mostram muito pios e plenos de saber.”

Eis aqui o que há acerca da doença dita sagrada: não me parece ser de forma alguma mais divina nem mais sagrada do que as outras, mas tem a mesma natureza que as outras enfermidades e a mesma origem. Os homens, por causa da inexperiência e da admiração, acreditaram que sua natureza e sua motivação fossem algo divino, porque ela em nada se parece com as outras doenças. (...)

Os primeiros homens a sacralizaram esta enfermidade parecem-me ser os mesmos que agora são magos, purificadores, charlatães e impostores, todos os que se mostram muito pios e plenos de saber. Esses certamente escusando-se, usam o divino para proteger-se da incapacidade de fazer valer o que ministram, e, para que não se tornem evidentes sabedores de nada, declaram esta afecção sagrada. (...) Eles impõem tais coisas tendo em vista o aspecto divino, alegando, como grandes sabedores, outras motivações, a fim de que se o doente se tornar são, a glória e a destreza lhes seja atribuída; mas se ele morrer, suas justificativas sejam apresentadas de modo seguro, e pretextem que os causadores não são eles, mas os deuses (...).

Mas esta doença parece-me não ser mais divino do que outras; mas tem sua natureza como outras doenças têm e uma causa que a origina, e a sua natureza e causa só são divinas da mesma maneira que muita outras são, e cura-se nada menos que como outras, a menos que quando, passado muito tempo, se confirmada, e se tornou mais forte que os remédios aplicados. A sua origem é hereditária, assim como a de outras doenças (...)

Mas, de fato, o cérebro é o causador dessa afecção, assim como das outras doenças gravíssimas; de que maneira ocorre e a partir de qual motivação é o que exporei claramente. (...) [ Hp. Morb. 1-2 e 6 ]

Se Jesus alguma vez tivesse lido este texto teria ficado envergonhado e assim se entende porque é que a medicina clássica quase desapareceu na Europa durante a idade média e teria mesmo morrido se os árabes a não tivessem entretanto acarinhado e desenvolvido retornando à Europa no século XIII pelas portas da escola de Salerno, abertas à influência dos árabes da Sicília.

Jesus não poderia ser seguramente um racionalista ao estilo grego na medida em que era um judeu essénico profundamente ligado ao misticismo dos mistérios orientais e mais próximo das correntes gnósticas de tradição oriental que a Igreja veio a combater precisamente em nome dum certo racionalismo de tradição greco-romana. Embora de formação mágico religiosa, mesmo assim deveria ter um profundo conhecimento empírico da arte médica egípcia e um enorme sentido clínico porque o que Marcos descreve de seguida é digna dum grande mestre do diagnóstico clínico.

Marcos, 9: 21 E perguntou ao pai dele: Quanto tempo há que lhe sucede isto? E ele disse-lhe: Desde a infância. 22 E muitas vezes o tem lançado no fogo e na água, para o destruir; mas, se tu podes fazer alguma coisa, tem compaixão de nós e ajuda-nos.

Claro que o problema da epilepsia ate à época moderna não era o diagnóstico, mas o do tratamento que, obviamente, não é de modo algum independente do conhecimento da sua natureza anátmo-fisiológica nem da sua etiologia. Por isso mesmo, Jesus só poderia oferecer a cura paliativa pela fé dos pais da criança. A fé, em termos médicos modernos reporta-nos não apenas para a importância clínica da confiança na relação médico/doente como para a eficácia curativa, ainda que reduzida mas não despicienda, dos placebos e das medicinas alternativas sobretudo nas doenças imaginárias e nas dores de alma mas também em certas neuroses quanto no acalmar do desespero dos incuráveis e na misericordiosa consolação dos moribundos de que o sucesso histórico do sacramento da extrema unção é dos exemplos católicos mais esclarecedores e para fazer aliviar o luto nada era mais eficaz do que as missas pelas almas dos mortos tal como a confissão para despejar o saco da má consciência!

Marcos, 9: 23 E Jesus disse-lhe: Se tu podes crer; tudo é possível ao que crê. 24 E logo o pai do menino, clamando, com lágrimas, disse: Eu creio, Senhor! Ajuda a minha incredulidade.

O povo rural de todos os tempos tem sido sempre uma profunda prova de fé na vida humana pois só um pai tão humilde e ignorante quanto extremoso e desesperado poderia exprimir-se com a inteligência prática dos simples dizendo mais ou menos isto: Senhor Jesus, eu estou disposto acreditar em ti se ajudares a minha incredulidade curando-me o filho”! Na verdade, suspeitando-se um grande desespero neste pai, desenganado até ai por todos os doutores e curandeiros e mesmo pelo próprios discípulos de Jesus, ainda assim esta cena nos enternece ao encontrar esperança lúcida bastante para dela desabrochar uma pequena flor de fé ainda mal semeada no coração deste aldeão pelo carisma de Jesus.

Marcos, 9: 25 E Jesus, vendo que a multidão concorria, repreendeu o espírito imundo, dizendo-lhe: Espírito mudo e surdo, eu te ordeno: sai dele e não entres mais nele. 26 E ele, clamando e agitando-o com violência, saiu; e ficou o menino como morto, de tal maneira que muitos diziam que estava morto. 27 Mas Jesus, tomando-o pela mão, o ergueu, e ele se levantou.

Na verdade, Jesus era um mago com classe e de sucesso pois, sabido e experimentado nas artes da sugestão e da gestão das aparências, soube esperar pela altura oportuna do final do ataque deste possuído por um “espírito surdo e mudo”, ou seja deste doente convulsivo em estado de total inconsciência como é típico do grande mal epiléptico.

Marcos, 9: 28 E, quando entrou em casa, os seus discípulos lhe perguntaram à parte: Por que o não pudemos nós expulsar? 29 E disse-lhes: Esta casta não pode sair com coisa alguma, a não ser com oração e jejum.

Só quem está sob o efeito do fascínio sugestivo dum Jesus intemporal criado pela magia da letra simples e rústica dos evangelhos pode acreditar que Jesus fez o milagre de curar este epiléptico quando foi o próprio a afirmar que esta doença não tem cura “alguma, a não ser com oração e jejum”, coisa que, neste breve episódio, ele não teve seguramente tempo de fazer.

“Já são bem conhecidas as mudanças que fazemos na dieta afetam nosso cérebro. Crianças que sofrem de epilepsia tem menos episódios quando são colocadas em dietas de restrição calórica ou jejuns. (...)

“Desafios para o cérebro, seja por jejum intermitente ou exercício vigoroso… é um desafio cognitivo. Quando isso acontece circuitos neurais são ativados, níveis de fatores neurotróficos aumentam, e isso promove o crescimento de neurônios (e) a formação e fortalecimento das sinapses…”

“O jejum intermitente aumenta a habilidade das células nervosas de reparar DNA.” -- Mark Mattson

Jesus, que não chegou a ser como Hipócrates um racionalista excessivo antes do tempo era afinal demasiado humano para que não tivesse também suficiente inteligência emocional para intuir que só uma fé irracional poderia fazer frente às certezas tirânicas do helenismo e do imperialismo romano do seu tempo. Afinal, Jesus sabia que para se ser um messias, mesmo do reino do céu, era preciso fazer política, que é o que a religião sempre foi também e onde mais vezes a verdade é só e apenas que parece ser e aquilo que os crentes acreditam!

 

O DEMONÍACO EM MARCOS 3: 20-35

O demoníaco, em Marcos, tem um duplo carácter. Por um lado, vem marcado por umareligiosidadefundamentadanoimagináriomísticoapocalípticocomumàquelaépoca e, por outro, representava também uma leitura das estruturas sociais e de poder queeram compreendidas como demoníacas e, portanto, objectos do exorcismo. Em Marcoso demoníaco indicaria uma mística do judaísmo cristão apocalíptico e uma crítica das estruturas sociais de então.

Marcos é ímpar. É o único dos evangelhos que oferece uma memória da comunidadeemque,numasituaçãodepossessãodemoníaca,odemónio,aoseidentificar, apresenta-se com nome de força militar romana e fala latim. Com isso se percebe uma tendência nas memórias aí registradas a partir das dações doquotidiano.

Na comunidade marcana os romanos são o demónio. Assim, tomando por base a perícope de Mc 3,20-35, analisaremos neste capítulo como o imaginário dessa comunidade concebia o demoníaco e quais as implicações dessa percepção no dia a dia daspessoas,comooprocessodedemonizaçãotemavercomaspráticasedequemaneira o imaginário religioso contribuiu para as actividades taumatúrgicas de Jesus. Quais dações de Jesus traziam inquietação e por que ele foi chamado de demónio? Que representatividade elas tinham naquele contexto?

Opresentetrabalhopretendeanalisaraperícopeobservandoosseguintesmétodos exegéticos: tradução, crítica textual, delimitação, estrutura do texto, coesão,género literário, estudo semântico, análise contextual (macro e micro) e comentário. Com isso esperamos abordar o texto em seu horizonte de sentido e colher insumos à tarefa hermenêutica, entendendo seus conceitos.

(...)

 

Marcos 3: 7 E retirou-se Jesus com os seus discípulos para o mar, e seguia-o uma grande multidão da Galiléia e da Judéia,

8 E de Jerusalém, e da Iduméia, e de além do Jordão, e de perto de Tiro e de Sidom; uma grande multidão que, ouvindo quão grandes coisas fazia, vinha ter com ele.

9 E ele disse aos seus discípulos que lhe tivessem sempre pronto um barquinho junto dele, por causa da multidão, para que o não oprimisse,

10 Porque tinha curado a muitos, de tal maneira que todos quantos tinham algum mal se arrojavam sobre ele, para lhe tocarem.

11 E os espíritos imundos vendo-o, prostravam-se diante dele, e clamavam, dizendo: Tu és o Filho de Deus.

E ele os ameaçava muito, para que não o manifestassem.

 

(...)

Mateus 12,22-32

Marcos 3,20-30

Lucas 11,14-23

22 Trouxeram-lhe, então,

um endemoninhado cego e mudo; e de tal modo o curou, que o cego e mudo falava e via.

 

14 E estava ele expulsando

um demónio que era mudo. E aconteceu que, saindo o demónio, o mudo falou; e maravilhou-se a

multidão.

23 E toda a multidão se

admirava e dizia; Não é este o filho de Davi?

 

 

 

20 E foram para uma casa.

E afluiu outra vez a multidão de tal maneira que nem sequer podiam

comer pão.

 

 

21 E, quando os seus

parentes ouviram isso, saíram para o prender, porque diziam: está fora

de si.

 

24 Mas os fariseus, ouvindo

isso, diziam: Este não expulsa os demónios senão por Belzebu, príncipe dos demónios.

22 E os escribas, que

tinham descido de Jerusalém, diziam: Tem Belzebu e pelo príncipe dos demónios expulsa os

demónios.

15 Mas alguns deles

diziam: Ele expulsa os demónios por Belzebu, príncipe dos demónios.

 

 

16 E outros tentando-o,

pediam-lhe um sinal do céu.

 

23 E chamando-os as si,

disse-lhes por parábolas: Como pode Satanás

expulsar Satanás?

 

25 Jesus, porém,

conhecendo seus pensamentos, disse-lhes: todo reino dividido contra si mesmo é devastado; e toda cidade ou casa dividida contra si

mesma não subsistirá.

24 Se um reino se dividir

contra si, tal reino não pode subsistir;

17 Mas conhecendo seus

pensamentos, disse: Todo reino dividido contra si mesmo será assolado; e a casa dividida contra si mesma cairá.

 

25 E se uma casa se dividir

contra si mesma, tal casa não pode subsistir.

 

26E, se Satanás expulsa a

Satanás, está dividido contra si mesmo; como subsistirá, pois, o seu reino?

26 Se Satanás se levantar

contra si mesmo, e for dividido, não pode subsistir; antes tem fim.

18E, se também Satanás

está dividido contra si mesmo, como subsistirá o seu reino? Pois dizeis que eu expulso os

demónios por Belzebu.

27 E, se eu expulso os demónios por Belzebu, por quem expulsam, então, os vossos filhos? Portanto, eles mesmos serão os vossos juízes.

 

19 E, se eu expulso os demónios por Belzebu, por quem os expulsam vossos filhos? Eles, pois, serão os vossos juízes.

28 Mas, se eu expulso os demónios pelo Espírito de Deus, é por conseguinte  chegado a vós o Reino de Deus.

 

20 Mas se eu expulso os demónios pelo dedo de Deus, certamente, a vós é chegado o Reino de Deus.

 

 

21 Quando o valente

guarda, armado, a sua casa, em segurança está tudo quanto tem.

29 Ou como pode alguém

entrar em casa do homem valente e furtar os seus bens, se primeiro não manietar o valente, saqueando, então, a sua

casa?

27 Ninguém, pode roubar

os bens do valente, entrando-lhe em sua casa, se primeiro não manietar o valente; e, então, roubará a sua

casa.

22 Mas, sobrevindo outro

mais valente do que ele e vencendo-o, tira-lhe toda a armadura em que confiava e reparte os seus despojos.

30 Quem não é comigo é

contra mim; e quem comigo não ajunta espalha.

 

23 Quem não é comigo é

contra mim; e quem comigo não ajunta espalha.

31 Portanto, eu vos digo:

todo pecado e blasfêmia se perdoará aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada

aos homens.

28 Na verdade vos digo que

todos os pecados serão perdoados aos filhos dos homens, e toda sorte de blasfêmias, com que

blasfemarem.

 

32 E, se qualquer disser

alguma palavra contra o filho do homem, ser-lhe-á perdoado, mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro.

29 Qualquer, porém, que

blasfemar contra o Espírito Santo, nunca obterá perdão, mas será réu do eterno juízo.

 

 

30 (Porque diziam: tem

espírito imundo. )

24 Quando o espírito imundo tem saído do homem, anda por lugares secos, buscando repouso; e, não o achando, diz: tornarei a minha casa, de onde saí.

 

 

25 E, chegando, acha-a varrida e adornada.

 

 

26 Então, vai e leva consigo outros sete espíritos piores do que ele; e, entrando, habitam ali; e o último estado desse homem é pior do que o primeiro.

 

 

27 E aconteceu que, dizendo ele essas coisas, uma mulher dentre a multidão, levantando a voz, lhe disse: Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos em que

mamaste!

 

 

28  Mas ele disse:Antes, bem-aventurado osque ouvem a palavra de Deus e a guardam.

 

31 Chegaram, então, seus irmãos e sua mãe; e estando fora mandaram-no chamar.

 

 

32 E a multidão estava sentada ao redor dele, e disseram-lhe: Eis que tua mãe e teus irmãos te procuram e estão lá fora.

 

 

33 E ele lhes respondeu,

dizendo: Eis aqui minha mãe e meus irmãos.

 

 

34 E, olhando ao redor para

os que estavam assentados junto deles disse: Eis aqui a minha mãe e meus irmãos.

 

 

35 Porquanto qualquer que

fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, e minha irmã, e minha mãe.

 

(...)

Divergências: Podemos perceber algumas divergências entre as três versões. Em Mateus e Lucas a discussão acontece após a expulsão de um demónio, enquanto em Marcos isso não acontece[16]. Em Marcos o conflito ocorre quando alguns escribas, provenientes de Jerusalém, iniciam a discussão. Em Mateus a intenção dos acusadores é o foco de Jesus. Os sentimentos deles têm grande importância — Jesus conhece o seu íntimoeosconfronta.EmLucasaintençãoeossentimentostambémsãoimportantes.Os acusadores pedem a Jesus um sinal, querem prová-lo. Jesus (vê) conhece os sentimentos deles e contrapõe suas intenções[17].

(...)

Myers ajuda a entender essa dinâmica ao dizer que o exorcismo realizado por Jesus em Mc 1,23

[...]écomoumadaçãosimbólicainauguralquecomeçaaespecificarageografia política do contexto apocalíptico iniciado no deserto (1,12s). O demónio na sinagoga se transforma no representante da instituição dos escribas, cuja autoridadeapoiaeamarraaordemsocialjudaicadominante.[...]Oexorcismo é uma das características centrais da missão messiânica de Jesus (1,39; 3,11), e ele transmitirá essa vocação aos seus seguidores (3,15; 6,7). O exorcismo é o principal veículo para articular o mito do combate apocalíptico entre os poderes (e seus favoritos terrenos) e Jesus (como enviado do reino). Emboraa identidade esteja oculta para os protagonistas (por exemplo, os discípulos) na narrativa os demónios sabem exactamente quem ele é. Compreendendo claramente a ameaça política que ele representa para o status quo, eles lutam para“designá-lo”pelonome(istoé,paracontrolá-lo)(1,34;3,11s).Essedrama apocalíptico alcançará seu auge na discussão sobre o Belzebu (3,22s), em que as autoridades dos escribas lançam contra-ataque na guerra dos mitos, que atingirá seu clímax quando Jesus consegue virar a mesa e extrair de um demónioseunome(5,9;abaixo6b).Marcosestabeleceassimocarácterpolítico do exorcismo como daçãosimbólica.28

 

Quando se chamava alguém ou algo pelo nome tinha se controle sobre a pessoa ou sobre a coisa. Jesus chamou o demónio pelo nome. Seus exorcismos e curas são sinais de que ele venceu “o forte”, parábola na qual ele contesta “a leitura dos escribas”. Estes eram um grupo formado por fariseus de clero superior e de clero inferior. Por serem estudiosos da Torá, tinham privilégios especiais, dominavam o Sinédrio e a autoridade jurídica em Israel. Naquele contexto o conhecimento era símbolo de poder político e económico. O conflito se dava por causa da luta sobre qual grupo tinha autoridade para interpretar a Torá. Marcos salienta a questão da autoridade hermenêutica entre os grupos e o “culto era o centro da ordem simbólica”, tendo o Templo como o seu maior aliado ideológico e legitimador.

(...)

6.2 A parábola da blasfémia sem perdão

A blasfémia contra o Espírito Santo versa em conferir ao diabo uma obra feita por Deus. Então, a blasfémia contra o Espírito Santo consiste em não atribuir a possessão à causa verdadeira. O pecado imperdoável não é um ato e nem uma palavra isolada, mas a persistente atitude de oposição e rejeição da luz por parte dos que amam mais as trevas do que a ela (Jo 3,19).[18]

(...)

Por meio da perícope de Mc 3,20-35 é possível ouvir as vozes em conflito: na sociedade oprimida pelos poderes romanos; na religião pela disputa entre elite religiosa e religiosidade popular; na comunidade de fé, pois certamente o evangelho foi escrito em resposta a dissabores na Igreja nascente; na família de Jesus, que apresentava sintonia com os escribas ao chamarem-no de louco, reforçando a ideia da possessão, sendo esta ligada ao que está fora de lugar. Loucura, para a família, era uma maneira de dizer que Jesus foge às normas estabelecidas para um grupo, família ou sociedade. Jesus rompe com as tradições e laços de parentesco e instaura uma nova forma de ser família, baseada em laços espirituais.

Tudo isso era reflexo do imaginário da época, pois os símbolos religiosos não apenas levam alento e esperança, mas são formadores de ideologias que podem legitimar a ordem estabelecida ou subvertê-la. Ao chamarem Jesus de Belzebu, deus das moscas, os escribas mostram que o ser humano tem tendência a demonizar tudo que é diferente. -- O DEMONÍACO EM MARCOS 3,20-35, REGINA APARECIDA LOURENÇO CARDOSO.

 

EXORCISMOS DE JESUS E OS PORCOS DA X LEGIÃO DE GERASA.

Marcos 5:1-20: E chegaram ao outro lado do mar, à província dos gadarenos.

E, saindo ele do barco, lhe saiu logo ao seu encontro, dos sepulcros, um homem com espírito imundo;

O qual tinha a sua morada nos sepulcros, e nem ainda com cadeias o podia alguém prender;

Porque, tendo sido muitas vezes preso com grilhões e cadeias, as cadeias foram por ele feitas em pedaços, e os grilhões em migalhas, e ninguém o podia amansar.

E andava sempre, de dia e de noite, clamando pelos montes, e pelos sepulcros, e ferindo-se com pedras.

E, quando viu Jesus ao longe, correu e adorou-o.

E, clamando com grande voz, disse: Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? conjuro-te por Deus que não me atormentes. (Porque lhe dizia: Sai deste homem, espírito imundo.)

E perguntou-lhe: Qual é o teu nome? E lhe respondeu, dizendo: Legião é o meu nome, porque somos muitos.

E rogava-lhe muito que os não enviasse para fora daquela província.

E andava ali pastando no monte uma grande manada de porcos.

E todos aqueles demónios lhe rogaram, dizendo: Manda-nos para aqueles porcos, para que entremos neles.

E Jesus logo lho permitiu. E, saindo aqueles espíritos imundos, entraram nos porcos; e a manada se precipitou por um despenhadeiro no mar (eram quase dois mil), e afogaram-se no mar.

E os que apascentavam os porcos fugiram, e o anunciaram na cidade e nos campos; e saíram muitos a ver o que era aquilo que tinha acontecido.

E foram ter com Jesus, e viram o endemoninhado, o que tivera a legião, assentado, vestido e em perfeito juízo, e temeram.

E os que aquilo tinham visto contaram-lhes o que acontecera ao endemoninhado, e acerca dos porcos.

E começaram a rogar-lhe que saísse dos seus termos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

E, entrando ele no barco, rogava-lhe o que fora endemoninhado que o deixasse estar com ele.

Jesus, porém, não lho permitiu, mas disse-lhe: Vai para tua casa, para os teus, e anuncia-lhes quão grandes coisas o Senhor te fez, e como teve misericórdia de ti.

E ele foi, e começou a anunciar em Decápolis quão grandes coisas Jesus lhe fizera; e todos se maravilharam.

Mateus 8: 28 Chegados ao outro lado do lago, à região dos Gadarenos, dois homens possuídos por demónios foram ao seu encontro. Viviam num cemitério e eram tão perigosos que ninguém era capaz de passar por ali.

 

 

29 Começaram a gritar: “Que queres tu de nós, Filho de Deus? Não tens direito de nos atormentar ainda.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

30 A certa distância, andava uma vara de porcos a pastar 31 e os demónios rogaram-lhe: “Se nos vais expulsar, manda-nos para aquela vara de porcos.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

32 “Está bem, vão!” Eles saíram daqueles homens e entraram nos porcos. Logo a vara inteira se precipitou, caindo no mar por um despenhadeiro e morrendo nas águas.

 

 

 

 

 

 

 

 

33 Os porqueiros fugiram para a cidade, espalhando as notícias e o que tinha acontecido aos endemoninhados; 34 toda a cidade se dirigiu ao encontro de Jesus, chegando até a pedir-lhe que se fosse embora da região.

Lucas 8: 26 Chegaram à terra dos Gerasenos que fica na outra banda do mar da Galileia. 27 Quando Jesus saía do barco, veio-lhe ao encontro um homem que havia muito tempo estava possuído por demónios. Não tendo casa, vivia, sem roupas, no cemitério entre as sepulturas. 28 Mal viu Jesus, deitando-se no chão à sua frente, soltou um grito forte: “Que queres tu de mim, Jesus, Filho do Deus altíssimo? Peço-te que não me atormentes!” 29 Pois Jesus ordenava já ao espírito impuro que abandonasse o homem. Este, muitas vezes tinha-se apoderado daquele homem, de tal modo que, mesmo acorrentado, partia as correntes e fugia para o deserto, inteiramente sob o poder do demónio.

 

 

 

 

 

 

 

30 “Como te chamas?”, perguntou Jesus. “Exército”, foi a resposta. Porque tinha entrado dentro dele um grande número de demónios. 31 E pediam com insistência a Jesus que não os mandasse para o abismo.

 

 

 

 

 

32 Andava ali perto uma vara de porcos a pastar no monte e os demónios rogaram-lhe que os deixasse entrar nos animais. Jesus consentiu. 33 Deixaram o homem e entraram nos porcos. A vara precipitou-se, caindo por um despenhadeiro no lago, onde se afogou.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

34 Os porqueiros, ao verem aquilo, fugiram para a cidade e campos, espalhando a notícia. 35 As pessoas vieram ver o que tinha sucedido dirigindo-se ao encontro de Jesus. E encontraram aquele homem, do qual tinham saído os demónios, agora vestido e em seu perfeito juízo, sentado aos pés de Jesus, e tiveram receio. 36 Os que tinham assistido contavam como o endemoninhado tinha sido curado. 37 A multidão chegou até a pedir a Jesus que fosse embora, porque se espalhara entre eles uma onda de medo. Assim, Jesus voltou para o barco e foi para a outra margem do lago.

38 O homem que tinha estado dominado por demónios pediu para ir também, mas Jesus não o deixou: 39 “Volta para a tua família e conta-lhes aquilo que de tão maravilhoso Deus fez contigo.” Então foi pela cidade anunciando as grandes coisas que Jesus tinha feito por ele.

“O momento histórico era de grande presença militar na Palestina. A Legião VI Ferrata estava estacionada na Galileia e a X Fretensis, na Síria, com provavelmente, uma guarnição de 2 mil homens em Gerasa. Por outro lado, aumentavam os levantamentos populares armados com o objectivo de ”lançar ao mar todo os opressores”. -- “2000 demónios na Decápole” tese de mestrado do padre Luigi Schiavo.

O texto de Marcos 5,1-17, que retrata um episodio muito particular da acção de Jesus ao libertar o possesso de Gadara, suscita varias perguntas e algumas delas se fazem especiais: a) o episodio revela alguma relação entre a opressão que o império romano exercia sobre a Palestina e o fenómeno de tantas pessoas possuídas pelo demónio a época de Jesus?[19];

Figura 5: Ao longo das bordas do mar da Galiléia, perto de Gádara, ainda se podem ver os restos de antigos sepulcros, cavados nas rochas, estando voltados para o mar. Nos dias de Jesus eram esses lugares o ponto de reunião de homens miseráveis, atormentados por doenças, os párias da sociedade.

b) seria uma forma doentia de se rebelar contra a submissão romana e o domínio dos poderosos? Mesmo que não entendamos a cura do endemoninhado geraseno como algo estritamente histórico, talvez seja possível afirmar que o imaginário do povo da Palestina estivesse povoado pelas imagens da opressão de Roma. Sim, provavelmente estamos diante da cura de um individuo, mas também não podemos e não devemos ignorar o simbolismo que a narrativa traz em seu interior. Muito possivelmente o carates simbólico do texto incorpora e gera mais sentido. (...)

De acordo com o relato o demónio é um só, mas se chama de “legião porque são muitos. Trata-se do mesmo termo que se refere à divisão armada de Roma que controlava com mão de ferro a Palestina [20].

Deve-se ressaltar que “conhecer o nome” de alguém, naquela cultura, significava a pretensão de dominar essa pessoas e ser mais forte do que ela. O espírito impuro, portanto, ao responder a Jesus procura demonstrar todo seu poder e, com isso, a partir do simbólico, subjugar o mais fraco. Os demónios expulsos por Jesus entram nos porcos que eram considerados ”os animais mais impuros de todos e os que melhor podiam definir os romanos” (PAGOLA, p. 208). Chouraqui (1996, p. 93) e ainda mais incisivo ao afirmar que ”o homem esta possuído pelo demónio como Israel pelas legiões romanas”. E Bortolini segue na mesma direcção (2003, p. 105) ao expressar que o ”possesso é símbolo de um povo politicamente dominado”. (...)

Porém, uma das maiores questões relativas ao exército romano permanece sem resposta: nenhuma fonte existente afirma o número preciso de homens nas legiões. Deste modo, poderíamos nos aproximar de Crossan (1995: 147) que afirma que uma legião consistia de 6.000 homens ou ainda de Southern (2007: 99) que indica que é possível que o número de legionários fosse diferente nas províncias e em épocas diferentes e que, por isso, a maioria dos pesquisadores acabe optando por uma força legionária entre 5.000 e 6.000 homens. (…)

Ao se pesquisar sobre a legião romana, não é possível passar desapercebido o texto de Marcos 5,1-17 que retrata, simbolicamente, a força sobre-humana de uma legião a partir de um episódio muito particular da acção de Jesus ao libertar o possesso de Gadara. Um relato que suscita várias perguntas e algumas delas se fazem especiais:

a) o episódio revela alguma relação entre a opressão que o império romano exercia sobre a Palestina e o fenómeno de tantas pessoas possuídas pelo demónio à época de Jesus?

b) seria uma forma doentia de se rebelar contra a submissão romana e o domínio dos poderosos? Mesmo que não entendamos a cura do endemoninhado geraseno como estritamente histórica, talvez seja possível afirmar que o imaginário do povo da Palestina estivesse povoado pelas imagens da opressão de Roma. Sim, provavelmente estamos diante da cura de um indivíduo, mas também não podemos e não devemos ignorar o simbolismo que a narrativa traz em seu interior. Muito possivelmente o carácter simbólico do texto incorpora e gera mais sentido.

Consequentemente, é possível afirmar que diante dos episódios de exorcismos de Jesus e, principalmente ao do geraseno, as pessoas simples da Galileia entrevissem, a partir de seu imaginário colectivo, a rápida derrota dos romanos ou, nas palavras de Crossan (1994: 352) quando afirma que “o relato é um resumo do sonho de todo revolucionário judeu” e de Soares (2002: 222) indicando que “a presença satânica é como a devastadora ocupação das tropas romanas”. (...).

De acordo com o relato o demónio é um só, mas se chama de “legião”, porque são muitos. Trata-se do mesmo termo para se referir à divisão armada de Roma que controlava com mão de ferro a Palestina. Deve-se ressaltar que “conhecer o nome” de alguém, naquela cultura, significava a pretensão de dominar essa pessoa e ser mais forte do que ela. O espírito impuro, portanto, ao responder a Jesus procura demonstrar todo seu poder e, com isso, a partir do simbólico, subjugar o mais fraco. Os demónios expulsos por Jesus entram nos porcos que eram considerados “os animais mais impuros de todos e os que melhor podiam definir os romanos” (Pagola: 208). Chouraqui (1996: 93) é ainda mais incisivo ao afirmar que “o homem está possuído pelo demónio como Israel pelas legiões romanas”. E Bortolini segue na mesma direcção (2003, p.105) ao expressar que o “possesso é símbolo de um povo politicamente dominado”.

O texto é narrado à procura de seu clímax e, por conta disso, os porcos se precipitam ao mar onde a “resistência judaica queria vê-los submersos para sempre” (Pagola: 208). Dessa forma, a ruína dos porcos também significaria a libertação da escravidão sob o poder romano. Storniolo (1992: 89) ratifica a informação: “também o porco era considerado animal sagrado e um dos símbolos do poder romano”. O porco era precisamente o símbolo da X legião romana que controlava a partir da Síria a região palestina (Chouraqui: 1996).

(...) No texto do evangelho de Marcos, portanto, a legião romana assume características sobre-humanas e, mais do que isso, assume um perfil que atende forças sobre-humanas e não-humanas da maldade. --  CRUZ E LEGIÃO ROMANA: O IMAGINÁRIO POPULAR NA PALESTINA DO 1º SÉCULO, Luiz Alexandre Solano Rossi.

Crossan, analisando a vida de um camponês do Mediterrâneo, conclui que esse camponês vinculava religião e magia, e Jesus, nesse contexto, era visto como um mago ou xamã, pois curava e expulsava demónios, possuía contacto directo com a divindade, e só um mago ou xamã detinha esse privilegio. Na Palestina do tempo de Jesus, as pessoas que praticavam o exorcismo, ou a expulsão de demónios, estavam exercendo uma profissão reconhecida e de reputação[21]. “Neste ponto de vista, Jesus é um mago, pois o povo assim o vê e vai atrás dele para ver se lhe sobra uma pouco desse poder. Está implícito, também, que por suas actividades como curandeiro, milagreiro e exorcista (titulo do livro de Luigi Schiavo), convocando discípulos e atraindo multidões, ao entrar em Jerusalém, já prenunciava a sua morte. As autoridades não deixaram de agir a fim de debelar qualquer tipo de insurreição. Outros já haviam promovido revoltas semelhantes. não havia interesse que um emergente “profeta do povo” agitasse Jerusalém durante a Festa da Páscoa, momento crucial para demonstrações de violência, poder e forca. Os videntes, ou nabis, cuja tradição João Batista concluíra, deviam ser perseguidos e mortos, como rezava a politica romana. O mago e o bandido tinham a mesma sorte.

A magia está para a religião assim como o banditismo está para a politica. Enquanto o banditismo contesta a legitimidade do poder politico, a magia contesta a do poder espiritual. Tanto no mundo antigo quanto no moderno, pode-se fazer uma distinção entre magia e religião através de definições prescritivas e politicas, mas não através de descrições neutras e objectivas. A religião é magia oficial e aprovada; a magia é uma religião extra-oficial e censurada. Ou, em termos mais simples; ”nós” praticamos religião, ”eles” praticam magia. Não importa se os magos são a favor ou contra a religião oficial. A sua própria existência, independente de suas intenções, já constitui uma ameaça para a validade e a exclusividade da religião. E por isso que grandes magos judeus, como Honi, o Criador-de-circulos, e Hanina Ben Dosa, tiveram que ser purificados em termos de oração e estudo para serem aceitos dentro da crescente hegemonia da tradição rabínica”[22].

Apesar da existência de alguns exorcistas, xamãs ou magos conhecidos (deve-se lembrar que alguns magos do oriente viram a estrela de Belém e foram visitar o menino Jesus, embora não sejam do mesmo status palestino). Alguns exemplos de exorcistas famosos da antiguidade: Elias e Eliseu, Honi e Hanina eram magos, assim como Jesus de Nazaré, Salomão, Eleazar, Apolonio de Tiana e Hanina Ben Dosa (este dois últimos praticaram exorcismos parecidos com o de Jesus, mas antes dele). ” Os exorcistas eram personagens normais da sociedade antiga. Deles se esperava que comunicasse as palavras e os actos divinos aos mortais. -- POSSESSÃO E EXORCISMO de Aroldo Lara.

 

JESUS, O BOM NADADOR

Jesus quando achava ser já tarde punha-se sempre a caminho de casa, numa cena a seguir à primeira multiplicação dos pães revela-se mais seguro no mar do que em terra, pois vemo-lo a nadar numa noite de ventos contrários seguramente que para fugir à multidão que o queria fazer rei à força.

 

Ver: TRIPLA PREDIÇÃO DA PAIXÃO/ 1ª MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES (***)

 

 

Marcos, 6

 

 

48 E, vendo que se fatigavam a remar, porque o vento lhes era contrário, perto da quarta vigília da noite, aproximou-se deles, andando sobre o mar, e queria passar adiante deles 49 mas, quando eles o viram andar sobre o mar, pensaram que era um fantasma e deram grandes gritos. 50 Porque todos o viram e perturbaram-se; mas logo falou com eles e disse-lhes: Tende bom ânimo, sou eu; não temais.

Mateus, 42: 24 E o barco estava já no meio do mar, açoitado pelas ondas, porque o vento era contrário. 25 Mas, à quarta vigília da noite, dirigiu-se Jesus para eles, caminhando por cima do mar. 26 E os discípulos, vendo-o caminhar sobre o mar, assustaram-se, dizendo: É um fantasma. E gritaram, com medo. 27 Jesus, porém, lhes falou logo, dizendo: Tende bom ânimo, sou eu; não temais.

 

28 E respondeu-lhe Pedro e disse: Senhor, se és tu, manda-me ir ter contigo por cima das águas. 29 E ele disse: Vem. E Pedro, descendo do barco, andou sobre as águas para ir ter com Jesus. 30 Mas, sentindo o vento forte, teve medo; e, começando a ir para o fundo, clamou, dizendo: Senhor, salva-me. 31 E logo Jesus, estendendo a mão, segurou-o e disse-lhe: Homem de pequena fé, por que duvidaste? 32 E, quando subiram para o barco, acalmou o vento.

João 6: 16 E, quando veio a tarde, os seus discípulos desceram para o mar. 17 E, entrando no barco, passaram o mar em direcção a Cafarnaum; e era já escuro, e ainda Jesus não tinha chegado perto deles. 18 E o mar se levantou, porque um grande vento assoprava. 19 E, tendo navegado uns vinte e cinco ou trinta estádios, viram Jesus andando sobre o mar e aproximando-se do barco, e temeram. 20 Porém ele lhes disse: Sou eu; não temais. 21 Então, eles, de boa mente o receberam no barco; e logo o barco chegou à terra para onde iam.

Figura 6: Jacopo Tintoretto- Christ at the Sea of Galilee.

Esta passagem tem feito o gáudio de todos os espíritos infantis que se deliciam com aventuras de heróis e super-homens! Obviamente que andar sobre o mar não é semanticamente diferente de “nadar” e está longe seguramente da improbabilidade que seria andar de pé no mar! Porém este erro semântico facilmente justificável por uma inépcia de tradução que em Mateus parece propositadamente milagreira pois esclarece que o que os outros evangelistas descrevem genericamente como “andar sobre o mar” significa especificamente “caminhar por cima do mar” é um dos muitos equívocos semânticos que, segundo as leis da informação, permitem à oralidade criar na crendice popular e infantil o maravilhoso fantástico das lendas e dos mitos[23].

Braça   = 1,85 metros ± 2 m * 30   = 60 m

Estádio =185 metros ± 200 m * 30 = 6 km

Obviamente que alguém se enganou com intenção de exagerar a distância que Jesus andou sobre o mar porque a medida em estádios costumam ser para caminhadas e no mar usam-se braças ou milhas! Que Jesus tenha nadado ou meramente mergulhado pelo mar dentro cerca de 60 metros não é nada de exagerado. Já 6 km seria quase metade da largura do mar de Tiberíades o que seria seguramente descrito de outra forma mais simples e clara como por exemplo *e já tendo navegado metade da distância...

Obviamente que Pedro revela aqui também a faceta da sua personalidade que o veio a fazer chefe da Igreja: era mais do tipo daqueles heróis que ficam na história por serem aventureiros voluntariosos, precipitados e histéricos e não por serem desembaraçados e afoitos; calmos e responsáveis! Pedro, ainda que marinheiro seria um trapalhão a nadar e com facilidade metia água a falar...e tanta que acabou a fazer com que das rochas brotassem jorros de água!

 


[1] Graydon Snyder, em Ante Pacem: evidência arqueológica da vida da igreja Antes de Constantino, lista várias dezenas de obras funerárias pré-nicenas, a grande maioria das quais está em catacumbas. Há algum debate sobre a precisão de seus encontros.

[2] Joseph Wilpert, Walter Lowrie e Adolph von Harnack são constantemente citados nas discussões sobre arte e arqueologia cristã, e eles contribuíram muito para o nosso conhecimento desse assunto. Todos eles assumiram a inerrância bíblica e saltaram (grandes distâncias) para conclusões sobre a história com base em extrapolações selvagens de declarações vagas em Atos. Por exemplo, Harnack e Wilpert derivam de Actos 12:17 ("[Pedro] partiu e foi para outro lugar") que Pedro chegou a Roma no ano 42. Observe que Actos nunca afirma que Pedro foi a Roma. ("Outro lugar" nos soa como se ele tivesse morrido. Nós também amamos Roma, mas equipará-lo ao céu está indo longe demais ...) Da mesma forma, Wilpert e Lowrie perpetuam as noções de esculturas cripto-cristãs e que as catacumbas eram esconderijos cristãos secretos, apesar de uma completa falta de evidências e da total implausibilidade de que os enterros das catacumbas pudessem ser mantidos em sigilo.

[3] Este milagre não aparece nos apócrifos mas faz parte da lenda de S. Pedro preso em Roma: Enquanto ainda estava no "Carcere Mamertino”, ou “cárcere de São Pedro", que é um porão sem janelas, húmido e fétido, São Pedro converteu os carcereiros Processo e Martiniano, posteriormente mártires, e 47 prisioneiros. Não tendo água para baptizá-los fez brotar uma fonte do chão. (Nota do autor, arturjotaef).

[4] Summary We find that a high percentage of sarcophagus images related to scriptural texts (whether canonical or not) depict acts that would be immediately identified by ancient viewers as magic. Patristic writings reinforce this view of Jesus as magician, but specify that his powers came from a different source than those of other magicians. Jesus is the most common figure on the sarcophagi, and often performs miracles or acts of magic. The only other New Testament miracle worker to appear is Peter, the second most common figure on the sarcophagi, though the two most common scenes of Peter are noncanonical. Peter's water miracle is the second most common scene on the sarcophagi, and he always uses a wand for his miracles. The disagreement between the narratives in existing texts and the details of sarcophagus imagery suggest that Christian thought was not nearly as uniform as Christian history suggests it was.

[5] http://www.rome101.com/Christian/Magician/

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[6] MAGIC AND RITUAL IN THE ANCIENT WORLD, Paul Mirecki And Marvin Meyer Brill.

[7] The first proponent of this view was F.C. Baur in his article “Die Christuspartie in Korinth,” in Tübinger Zeitschrift für Theologie (1831). For a discussion of the Tübingen school and its critics, see G.N.L. Hall’s article on “Simon Magus” in James Hastings, ed., Encyclopædia of Religion and Ethics, vol. XI (New York, Charles Scribner’s Sons: 1921), 514-525.

[8] Traduzido de ACTS OF PETER, From "The Apocryphal New Testament" M.R. James-Translation and Notes. Oxford: Clarendon Press, 1924.

[9] Notar que nesta representação o xamã veste a pele de um urso a que só teriam acesso os iniciados em rituais de morte e ressurreição, pelo consumo de urina de veados comedores de cogumelos venenosos, de acordo com arcaicas tradições de caça que seriam partilhadas pelos "beraserkr", ou guerreiros de Odin vestindo “camisa de urso”.

[10] de que os médicos de saúde pública ainda hoje são herdeiros pelo menos nos aspectos caricatos das actividades de fiscalização sobre as «retretes e os croquetes».

[11] Legend has it that Eshmoun was a young man from Beirut who loved to hunt. The goddess Astarte fell in love with him, but to escape her advances he mutilated himself and died. Not to be outdone, Astarte brought him back to life in the form of a god. It is also said that the village of Qabr Shmoun, near Beirut, still preserves the memory of the young god's tomb. Known primarily as a god of healing, Eshmoun's death and resurrection also gave him the role of a fertility god who dies and is reborn annually.

[12]"Shaman, religious specialist, originally found in hunter-gatherer cultures, which are loosely structured, technologically simple, and homogeneous. The word shaman is derived from a word in the Tungus language of Siberia, one of the areas in which the classical form of shamanism is found. Several forms of shamanism have been observed in widely distributed nonliterate societies located in Central Asia, North America, and Oceania. Shamanistic phenomena are also sometimes observed in the religions of more highly organized cultures, such as Chinese religion or Japanese Shintoism, though it is uncertain whether these can be properly classed as shamanistic. Although a shaman can achieve religious status by heredity, personal quest, or vocation, the recognition and call of the individual is always an essential part of that individual's elevation to the new status. The shaman, usually a man, is essentially a medium, a mouthpiece of the spirits who became his familiars at his initiation, during which he frequently undergoes prolonged fasts, seclusion, and other ordeals leading to dreams and visions. Training by experienced shamans follows." Microsoft® Encarta® 97 Encyclopedia. © 1993-1996 Microsoft Corporation. All rights reserved.

[13] Jesus the Magician? Archaeological Find Unlikely As Earliest Reference to Jesus Christ By Amb Sholotan David.

[14] Papiro de Alexandria do sec. V antes de Cristo.

[15] [NOTE: The Order of Nazorean Essenes does not necessarily accept the claims of Notovitch in regards to finding an actual manuscript. The text itself is considered by O:N:E: as apocryphal and secondary.]

[16] Notar que existe aqui uma imprecisão flagrante: Marcos de facto relata expressamente uma expulsão de um demónio mas a perícope começa em Marcos 3:7 e em Marcos 3:11 refere: «E os espíritos imundos vendo-o, prostravam-se diante dele, e clamavam, dizendo: Tu és o Filho de Deus. E ele os ameaçava muito, para que não o manifestassem», o que revela mais uma vez uma auto-censura do secretismo típico de Marcos.

[17] CORNELLI, Gabriele; NOGUEIRA, Paulo Augusto de Souza (orient. ). “É um demônio!” O Jesus histórico e a religião popular.1998.232 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) — Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 1998, p.168.

[18] O pecado contra o Espírito Santo é um dos maiores mistérios do cristianismo mas sendo certo que o Espírito Santo é afinal a divina sabedoria o pecado contra Ela só pode ser a da recusa em aceitar a Verdade depois de recebida. Neste caso, quem recusa Deus, seja porque O nega como ateu seja porque recusa ver a Verdade,também recusa a misericórdia divina não podendo ser perdoado pela simples razão de que recusa o perdão. A este respeito a Bíblia dá-nos mais luz sobre o tema: “Quem oculta seus pecados não prosperará, mas quem os confessa e se afasta deles alcançará misericórdia” (Provérbios 28, 13).

[19] Pagola afirma que o fenómeno da possessão demoníaca era praticamente ausente em séculos anteriores a Jesus. Sua afirmação ganha relevo ao percebermos que a possessão se tornou um elemento muito difuso no tempo de Jesus. Ainda segundo ele seria cada vez mais numerosos os investigadores que enfatizam a dimensão politica que os exorcismos de Jesus poderiam ter. Entre eles são citados: Hollenbach, Horsley, Crossan, Sanders, Evans, Herzog II, Guijarro (p. 413).

[20] E possível encontrar críticos a essa interpretação como Meier (1998, p. 175) que afirma ”mesmo que se queira ver no nome ”legião” uma referencia a ocupação romana que afligia a população nativa – uma duvidosa mistura de teorias politicas e psicológicas, de qualquer forma – tais interpretações devem ser mantidas no nível da redacção de Marcos”. Contrariamente a Meier, Soares (2002, p. 222) afirma que ”o nome e tomado das forças armadas romanas”.

[21] Joan O'grady, o Príncipe das Trevas.

[22] CROSSAN, John Dominic. O Jesus Histórico – A vida de um camponês judeu do Mediterrâneo. RJ. Imago. 1994.

[23] Mas os clérigos que reescreveram Mateus para o grego aproveitaram de imediato para fazer uma interpolação teológica para os que não sendo mais papistas do que o papa podem afogar em pecados a Igreja por falta de fé.

[24] https://bible.org/node/24872

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