quarta-feira, 16 de junho de 2021

VI A PAIXÃO DE CRISTO - 2. TRIPLA NEGAÇÃO DE S. PEDRO, por arturjotaef




Figura 1: Tripla negação de Pedro de Duccio Buoninsegna.

Marcos 14: 50 Então, deixando-o, todos fugiram. 51 E um jovem o seguia, envolto em um lençol sobre o corpo nu. E lançaram-lhe as mãos, 52 mas ele, largando o lençol, fugiu nu. (...) 54 E Pedro o seguiu de longe até dentro do pátio do sumo-sacerdote e estava assentado com os servidores, aquentando-se ao lume.

(Julgamento judeu)

66 E, estando Pedro embaixo, no átrio, chegou uma das criadas do sumo sacerdote; 67 e, vendo a Pedro, que estava se aquentando, olhou para ele e disse: Tu também estavas com Jesus, o Nazareno. 68 Mas ele negou-o, dizendo: Não o conheço, nem sei o que dizes. E saiu fora ao alpendre, e o galo cantou. 69 E a criada, vendo-o outra vez, começou a dizer aos que ali estavam: Este é um dos tais. 70 Mas ele o negou outra vez. E, pouco depois, os que ali estavam disseram outra vez a Pedro: Verdadeiramente, tu és um deles, porque és também galileu. 71 E ele começou a imprecar e a jurar: Não conheço esse homem de quem falais. 72 E o galo cantou segunda vez. E Pedro lembrou-se da palavra que Jesus lhe tinha dito: Antes que o galo cante duas vezes, três vezes me negarás tu. E, retirando-se dali, chorou.

Mateus 26: 58 E Pedro o seguiu de longe até ao pátio do sumo sacerdote e, entrando, assentou-se entre os criados, para ver o fim.

(Julgamento judeu)

69 Ora, Pedro estava assentado fora, no pátio; e, aproximando-se dele uma criada, disse: Tu também estavas com Jesus, o galileu. 70 Mas ele negou diante de todos, dizendo: Não sei o que dizes. 71 E, saindo para o vestíbulo, outra criada o viu e disse aos que ali estavam: Este também estava com Jesus, o Nazareno. 72 E ele negou outra vez, com juramento: Não conheço tal homem. 73 E, logo depois, aproximando-se os que ali estavam, disseram a Pedro: Verdadeiramente, também tu és deles, pois a tua fala te denuncia. 74 Então, começou ele a praguejar e a jurar, dizendo: Não conheço esse homem. E imediatamente o galo cantou. 75 E lembrou-se Pedro das palavras de Jesus, que lhe dissera: Antes que o galo cante, três vezes me negarás. E, saindo dali, chorou amargamente.

Lucas, 22: 54 (...) E Pedro seguia-o de longe. 55 E, havendo-se acendido fogo no meio do pátio, estando todos sentados, assentou-se Pedro entre eles. 56 E como certa criada, vendo-o estar assentado ao fogo, pusesse os olhos nele, disse: Este também estava com ele. 57 Porém ele negou-o, dizendo: Mulher, não o conheço. 58 E, um pouco depois, vendo-o outro, disse: Tu és também deles. Mas Pedro disse: Homem, não sou. 59 E, passada quase uma hora, um outro afirmava, dizendo: Também este verdadeiramente estava com ele, pois também é galileu. 60 E Pedro disse: Homem, não sei o que dizes. E logo, estando ele ainda a falar, cantou o galo. 61 E, virando-se o Senhor, olhou para Pedro, e Pedro lembrou-se da palavra do Senhor, como lhe tinha dito: Antes que o galo cante hoje, me negarás três vezes. 62 E, saindo Pedro para fora, chorou amargamente. (...)

João, 18: 15 E Simão Pedro e outro discípulo seguiam a Jesus. E este discípulo era conhecido do sumo sacerdote e entrou com Jesus na sala do sumo sacerdote. 16 E Pedro estava da parte de fora, à porta. Saiu, então, o outro discípulo que era conhecido do sumo sacerdote e falou à porteira, levando Pedro para dentro. 17 Então, a porteira disse a Pedro: Não és tu também dos discípulos deste homem? Disse ele: Não sou. 18 (...)

25 E Simão Pedro estava ali e aquentava-se. Disseram-lhe, pois: Não és também tu um dos seus discípulos? Ele negou e disse: Não sou 6 E um dos servos do sumo sacerdote, parente daquele a quem Pedro cortara a orelha, disse: Não te vi eu no horto com ele? 27 E Pedro negou outra vez, e logo o galo cantou.

É inacreditável como uma história tão simples como a da “tripla negação de Pedro” pode ter sido contada com tantas pequenas variantes!

Recolhendo a cena relatada por todos os evangelhos poderíamos restaura-la como tendo acontecido quase seguramente assim:

«Então, deixando-o, todos os discípulos fugiram. Mas um jovem discípulo o seguia, envolto em um lençol sobre o corpo nu. Lançaram-lhe as mãos, mas ele, largando o lençol, fugiu nu.

Este jovem discípulo, que era conhecido do sumo-sacerdote, entrou pouco atrás de Jesus na sala de Anás. Pedro, que os seguia à distância estava da parte de fora, à porta. Então, veio o outro discípulo, que era conhecido do sumo-sacerdote, e falou à porteira levando Pedro para dentro e voltou a subir para a sala.

Então, a porteira disse a Pedro: Não és tu também dos discípulos deste homem? Disse ele:

-- Não, não sou!

Estando Pedro em baixo com os servos e os criados, que tinham feito brasas no átrio para se aquecerem porque fazia frio, a mesma criada, vendo outra vez a Pedro que se estava aquecendo, olhou para ele e disse: Tu também estavas com o Nazoreno pois a tua fala te denuncia como sendo tu um galileu!

Mas ele negou, dizendo:

-- Mulher, não o conheço, nem sei do que falas.

E um dos servos do sumo-sacerdote, parente daquele a quem Pedro cortara a orelha, disse:

-- Não te vi eu no horto com ele? E ele começou a imprecar e a jurar:

-- Que diabo! Não conheço esse homem de quem falas. E saiu fora ao alpendre, e o galo cantou. Pedro lembrou-se das palavras que Jesus lhe tinha dito: «Antes que o galo cante duas vezes, três vezes tu me negarás»! E, retirando-se dali, amargamente chorou

Assim, origem da história, que tanto terá envergonhado Pedro, deve ser do discípulo conhecido do sumo-sacerdote que, de acordo com os actos, não pode ter sido outro senão Lázaro / João Marcos, o jovem do lençol.

Sendo assim e se Marcos segui de perto a pregação de Pedro, neste episódio segui a sua própria memória. Na verdade, suspeita-se que, toda a trama da Paixão, que em João corresponde a tudo o que aconteceu da ressurreição de Lazaro em diante, foi redigida de acordo com a forma quase traumática como o jovem discípulo amado viveu estes acontecimentos.


Figura 2: The Denial of Saint Peter (Getty Museum). Simon Bening (Flemish, about 1483 - 1561). Intense drama marks Simon Bening's cycle of forty-one miniatures of Jesus' life and Passion in the prayer book of Cardinal Albrecht of Brandenburg. The Denial of Peter, set in an eerily lit hall, captures the climactic moment retold in the Gospel of Matthew, when Peter utters a third denial of his acquaintance with Jesus to a servant girl. She points to the right, where Jesus is being led away through the doorway. Shown on the left, Peter's expression reveals the depth of his agony as he realizes that Jesus' prophecy that he would deny Jesus "before the cock crows" has come true. The cock, with open beak, stands in the cupboard on the right.

The intense glow of the fire in the center of the hall casts a naturalistic but also dramatic light on the scene, silhouetting a soldier standing between the viewer and the fire. The artist included other naturalistic details as well: the figure on the right, for example, who yawns sleepily to indicate the late hour. Such prosaic details draw viewers into the story, encouraging them to feel as if they are a part of the scene.

Ainda jovem e rico Lázaro / João Marcos entraria na casa dos amigos importantes quando e com quem queria. Mesmo assim a porteira usou das suas cautelas, não fosse o menino João ter-se enganado e metido com gente que naquela noite era oficialmente indesejada! Mas a forma descarada com que Pedro negou a sua relação com o nazoreno Jesus terá obrigado a criada a ser polida e a aceitar a sua entrada no pátio. A Pascoa judaica desse ano teria calhado cedo no mês de Abril e faria ainda frio. O lume estaria aceso no pátio do sumo-sacerdote, como era na época de bom costume mediterrânico! O conforto da lareira acesa seria uma espécie de pequena festa à volta da qual se reunia a criadagem para comentarem as novidades do dia, que por sinal eram de grande agitação! Um rabino famoso tinha acabado de ser preso, um criado tinha sido ferido na escaramuça com um pequeno corte na orelha que Jesus teria prontamente cicatrizado com uma teia de aranha mas sem grande reconhecimento pela pouco milagrosa cura pois não se inibiu de acusar Pedro de ter estado no local da prisão de Jesus. Provavelmente terão sido apenas duas as pessoas que confrontaram Pedro, como Marcos refere, a criada duas vezes, na segunda por não ter ficado tranquila com a primeira negação de Pedro e por ter visto o rosto angustiado de Pedro iluminado pelo fogo. O criado estranhou o sotaque galileu de Pedro e tendo estado no local da prisão ter-se-á lembrado que tinha sido ele que feriu o seu parente. Obviamente que Pedro estava em muitos maus lençóis, poderia ter sido preso mesmo estando sob a protecção de menino João e, assim que o galo cantou, foi-se embora e fugiu porque não poderia aguentar mais a pressão da criadagem. Obviamente que terá chorado tanto pela cobardia de ter negado o seu mestre como por ter sentido que esteve também em perigo de vida. O ter Jesus previsto esta negação pode ter sido uma invenção posterior baseada na previsão geral de todos os que, sobre a pressão das perseguições que se iriam seguir à sua morte e ressurreição, o iriam negar. É assim que a infalibilidade do Papa, pode ser de pouco crédito por estar fundamentada na herança da chefia apostólica de S. Pedro que começou a sua liderança com um rebanho de ovelhas tresmalhadas e a negar a Jesus Cristo por três vezes!

 

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